Plinio Corrêa de Oliveira

 

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Os filhos de desquitados

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 26 de janeiro de 1941, N. 437, pag. 2

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Só existe um meio legítimo para a transmissão da vida: o casamento uno e estável, isto é, aquela sociedade familiar formada de um só homem e uma só mulher, destinada a durar por toda a vida. Esta verdade elementar resulta não só do ensino infalível da Igreja, como também do uso sadio da razão. Daí se conclui que o Estado não pode reconhecer juridicamente outros meios de transmissão da vida humana a não ser este. Poderá, e mesmo deverá regular os efeitos das desordens morais que os homens tantas vezes cometem, de modo a atenuar-lhes, o quanto possível, os resultados maléficos. Mas isto não poderá chegar nunca ao ponto de desconhecer os legítimos direitos do matrimônio porque, do contrário, não se faria outra coisa senão procurar corrigir um mal por outro mal maior.

Há dois modos de violar este preceito, segundo o qual só é legítima a transmissão da vida dentro do casamento. O primeiro consiste em que duas pessoas livres e desimpedidas para se casarem, entretanto não casadas hajam um filho; este filho chamar-se-á ilegítimo ou natural, e poderá ser reconhecido pelos pais, que, aliás, têm este dever. O segundo modo consiste em que uma pessoa casada haja um filho de outra pessoa, que não o seu consorte, violando assim, por forma gravíssima o vínculo conjugal. Este filho assim havido chamar-se-á adulterino ou espúrio, e jamais deverá ser reconhecido pelo cônjuge adúltero, que o gerou. Isto implicaria, evidentemente, na pura e simples negação do casamento.

E qual será a situação dos filhos de desquitados, isto é, filhos de pessoas casadas, que já não convivem com seus consortes, por força do desquite, e que houveram tais filhos de outrem.

Sobre esta questão, certos propagandistas encapotados do divórcio, entre nós, têm expendido opiniões venenosas. Dizem eles que os filhos de desquitados devem ser reconhecidos pelos pais, por se tratar não de filhos adulterinos, mas apenas ilegítimos. O absurdo da tese se patenteia à primeira vista. O desquite dissolve a sociedade conjugal, mas não dissolve o vínculo matrimonial. Do contrário, já não seria desquite, mas divórcio.

Entretanto, a tese foi acolhida, lamentavelmente, pelo Supremo Tribunal que, assim, firmou a infeliz jurisprudência de que os filhos de desquitados não são adulterinos mas se equiparam aos filhos simplesmente ilegítimos. A argumentação em que se baseou o acórdão não é mais feliz. Cifra-se em dois raciocínios fundamentais, ambos improcedentes. O primeiro é que os desquitados já não estão obrigados à fidelidade recíproca; assim, não estariam em estado de cometer adultério, e, portanto, os filhos que viessem a ter, não se poderiam chamar adulterinos. O segundo é que os desquitados, para não terem filhos precisam guardar castidade. Ora, a castidade é uma virtude que não poderia ser ordenada pela lei.

É incrível este segundo argumento, e não se sabe qual a sua conclusão. Suponhamos por absurdo, que a lei não pudesse preceituar a castidade. Daí decorre, por acaso, que a lei devesse reconhecer, indiferentemente, todos os resultados da quebra da castidade? Neste caso já não haveria motivo para distinguir entre filhos legítimos, ilegítimos e adulterinos, pois que estes últimos nada mais são do que o resultado de uma falta contra a castidade; castidade individual no caso do filho ilegítimo; castidade conjugal, no do filho adulterino.

O primeiro argumento não passa de um jogo de palavras. Afinal, o desquite dissolve ou não o vínculo matrimonial? Se dissolve, já não é desquite, mas divórcio. Se não é divórcio, é porque o vínculo continua. Daí não há como sair. O adultério não consiste principalmente na violação da fidelidade conjugal, mas na violação do vínculo. O que não for isto, é divórcio. Se ainda não for divórcio, é hipocrisia ou inconsequência.


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