Plinio Corrêa de Oliveira

 

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Fantasmagoria (*)

 

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 6 de abril de 1941, N. 447, pag. 1

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Em Nosso Senhor Jesus Cristo nada encontramos de um revoltado. Embora fosse Rei e Senhor de todas as coisas, submeteu-se docilmente às autoridades civis e religiosas de sua pátria. Só não se submeteu ao erro e à iniquidade, para obedecer à autoridade mais alta do Pai Celeste, que não admite o erro e a iniquidade.

Se Jesus condena com inaudita veemência o farisaísmo hipócrita e as tradições descabidas, que parasitavam a Lei, abafando o verdadeiro espírito religioso, não pronunciou contudo uma palavra sequer contra o sacerdócio judaico e sua autoridade. Pelo contrário, só recomendou insistentemente o respeito e acatamento aos chefes de Israel. Aos leprosos curados, ordena-lhes que se apresentem aos sacerdotes, para que se verifique oficialmente a cura. E, no momento mais crítico de sua discussão com a Sinagoga, afirma solenemente: “Na cadeira de Moisés estão sentados os escribas e os fariseus; por isso observai e fazei tudo o que eles vos disserem, mas não os imiteis em suas obras, porque eles ensinam o que se deve fazer e não o fazem”. Porque Jesus Cristo, embora fundador de uma religião definitiva, ensinou uma doutrina que se harmonizava perfeitamente com a verdadeira corrente religiosa de Israel. “Não penseis que vim abolir a Lei ou os Profetas, pois não vim para destruí-la, senão para completá-la.”

Da mesma forma, submeteu-se Jesus às autoridades políticas. “Dai a César o que é de César”, e, portanto, o dinheiro onde a efígie de César está impressa deve ser tributado a César. Quando a multidão entusiasmada, após o milagre admirável da multiplicação dos pães, quer coroá-lo rei, Ele recusa a coroa, sabendo, não obstante, a desilusão que iria causar. Ele não quer ser competidor de César. Para que? É por Ele que os potentados exercem o poder. Ele quer muito mais do que uma coroa temporal, de glória mundana; Ele quer possuir as almas, os corações, Ele quer ser Senhor deste domínio recôndito, onde não pode chegar o poder de César algum: a consciência.

Não, Ele não quer descer a disputar com César, porque Ele quer impor o seu espírito à soberania mesma dos Césares. Apesar de ser Jerusalém o centro da reação contra Jesus, Ele a amava entranhadamente. A cidade que iria ser maldita pelo deicídio, era, no entanto, a cidade do Grande Rei, a cabeça de sua pátria. A maldição de Jerusalém foi causa de grande sofrimento para Nosso Senhor, e Ele chora sentidamente quando a vê do alto do Monte das Oliveiras, tão branca, tão bela e tão ímpia, antevendo a sua próxima ruína. Mais tarde, ao deixar pela última vez o Templo, o objeto de seu zelo mais ardente, pelo qual arrostara a ira mercenária dos vendilhões, exclama desconsolado: “Jerusalém! Jerusalém!... quantas vezes quis reunir os teus filhos como a galinha reúne os seus pintainhos debaixo das asas, e tu não o quisestes!”

Entretanto, a sentença iníqua de Pilatos nega todos estes fatos, confunde os acontecimentos mais insofismáveis, obscurece as verdades mais evidentes. Nosso Senhor Jesus Cristo é condenado como um sedicioso, um blasfemador, um ímpio. E quem lesse desprevenidamente esta sentença, se deixaria certamente impressionar pela majestade das fórmulas, a imponência do julgamento, a elevação dos conceitos jurídicos, e tomá-la-ia pela expressão mesma da verdade, da retidão e da justiça. Nosso Senhor Jesus Cristo era repelido pela Sinagoga e pelo Estado, era posto à margem dos acontecimentos, como fato insignificante e desprezível, enquanto o mundo prosseguia a sua marcha segura e tranquila. Mas tudo isto não passa de fantasmagoria mentirosa do mundo que se quer impor como verdade contra a Verdade de Cristo, hoje mais do que nunca; fantasmagoria que, com toda a sua aparente majestade, imponência e elevação, se há de dissolver ignominiosamente ante a Luz da Igreja. A mentira de mil tentáculos, que envolve a terra, a farsa que se representa como realidade, o embuste proteiforme e asqueroso, tudo será desmascarado quando menos se esperar, “porque nada há oculto, que venha a ser revelado.”

(*) Título dado por este site, uma vez que na publicação ele não consta.


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