Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

França, Itália e Alemanha

 

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, N.º 454, 25 de maio de 1941

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Disse muito bem o Santo Padre Pio XI que uma das pragas de nosso século é um certo nacionalismo místico e feroz, que empana a lucidez das inteligências, a serenidade dos caracteres, a imparcialidade das consciências, e leva os homens, ainda mesmo os mais corretos em outros assuntos, a perder inteiramente o senso da equidade e da justiça quando entram em cena as vaidades e interesses nacionais.

Na apreciação desse erro, devemos despir-nos inteiramente de toda e qualquer forma de romantismo.

Evidentemente, o patriotismo é uma grande virtude, e ninguém se pode gabar de lhe ter dado mais profundidade, consistência e amplitude do que a Igreja Católica. Não se deduza daí, entretanto, que os excessos de nacionalismo são como que um “peché mignon”, a louvável e sedutora hipertrofia de uma coisa excelente em si, em qualquer caso uma paixão inocente e pitoresca que não faz senão revelar a grandeza de sentimentos daqueles a quem ela domina.

Se essa graciosa “hipertrofia” se transformasse em sentimento unânime dos povos, a que excessos de barbárie, de crueldade, de injustiça, não assistiríamos? A que ficaria reduzida a vida internacional que a Igreja se esforça tanto por elevar à altura dos princípios generosos, brandos e suaves do Evangelho? Essa graciosa “hipertrofia” a que resultado chegaria, senão a reconduzir o mundo de hoje à situação em que a viu e a descreveu o autor do famoso “homo homini lupus” [o homem é o lobo do outro homem; frase criada por Plauto (254-184 a.C.), n.d.c.]?

Assim, pois, todos os católicos se devem esmerar por possuir um patriotismo sincero, vivo, inteligente e eficaz, mas em varrer para bem longe de si a peste do nacionalismo pagão estatolatra que falseia a fundo a concepção política internacional cristã que devemos ter.

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Isto posto, é bem evidente que a imprensa católica deve combater este perigo, e jamais tomar qualquer atitude capaz de o alimentar. Não tem sido outro o esforço do “Legionário”.

Realmente, comentando invariavelmente, mas já alguns anos, a trama intrincada dos acontecimentos internacionais, temo-lo feito de maneira a jamais subordinar a orientação de nosso jornal às conveniências políticas de qualquer país estrangeiro. Católicos, inteiramente católicos, exclusivamente católicos, a única preocupação que nos tem guiado, na observação do cenário internacional, tem sido a do Reino de Cristo. Para nós como para São Paulo, não há judeus nem gregos, circuncidados nem incircuncidados, mas apenas católicos e não católicos. De pouco ou nada nos interessa o recuo e a alteração das fronteiras políticas entre os povos. O que nos interessa - e isto vivamente, apaixonadamente, com toda a alma, com todo o coração, com toda a vontade - é a fronteira espiritual invisível que separa os filhos de Deus dos filhos das trevas. Tomem os assuntos e interesses humanos o feitio que quiserem; eles só nos interessam na medida em que favorecem ou prejudicam a exaltação da Santa Igreja e o esmagamento de seus adversários. Se isto não é uma concepção “cristocêntrica” da política internacional, é o caso de dizer que a lógica desertou do mundo.

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Esta concepção cristocêntrica - e porque cristocêntrica autêntica, eclesiocêntrica - da política, impõe uma exigência austera. Sempre que determinado acontecimento deve redundar em detrimento da Igreja, é nossa obrigação desejar que ele não se verifique, e isto por mais importantes que sejam os interesses temporais assim sacrificados. Os valores tem uma hierarquia. Amar a Deus sobre todas as coisas é preferir a todas as coisas a maior glória de Deus.

Assim, pois, o “Legionário” se tem visto forçado a formular votos ou conceitos que, embora sempre inspirados nos interesses da Igreja, pode colidir com a vaidade nacional ou os interesses de certos países. Será por isto o “Legionário” inimigo destes países?  Porque ama a Deus mais do que ama a estes povos, poder-se-á deduzir que ele é inimigo destes povos?

Para quem conhece dois dedos de catecismo, a pergunta não deixa margem a dúvida. Só há um amor do próximo, verdadeiro e desinteressado: é o que se inspira no amor de Deus. Se, portanto, deixarmos de amar a Deus para amar mais o próximo, nosso próprio amor do próximo sofre com isto uma deterioração essencial que o transforma em um egoísmo mais ou menos disfarçado.

Assim, pois, não se queixem aqueles cujos interesses ou vaidades nacionais sacrificamos ao amor da Igreja: enquanto amarmos a Deus, saberemos amar devidamente o próximo.

Isto posto, é bem evidente que nossa linha de conduta se situa fora e acima de qualquer simpatia para com este ou aquele beligerante. Não queremos apoiar os excessos nacionalistas de uns contra os excessos nacionalistas dos outros. Queremos, isto sim, mostrar a uns e outros que, acima de suas preocupações nacionalistas, devem atender aos interesses supremos do Reino de Deus.

Por aí se compreende como andam errados os que supõem que somos inimigos dos povos italianos, alemão, ou francês. Evidentemente, nossa amizade a esses povos não se pode transformar em uma idolatria cega e desgovernada. Mas, atendidos em primeiro lugar os interesses da Igreja, ninguém vota a estes povos maior simpatia do que o “Legionário”.

Evidentemente, em todos os povos há bons e maus, em julgar um povo só pelos seus maus elementos é coisa perfeitamente injusta e estúpida.

Ora, por mais que estejamos em desacordo com o totalitarismo, como poderíamos fechar os olhos às virtudes esplêndidas de nossos irmãos católicos da Itália, da França ou da Alemanha? É contra eles que escrevemos, quando escrevemos contra o totalitarismo? Ou será antes para nos associarmos a suas preocupações, às suas lutas, a seus sofrimentos, que tomamos a posição em que nos encontramos?

O que diremos a respeito dos católicos italianos? Se em relação aos católicos do mundo inteiro nossos sentimentos são fraternais, em relação aos da Itália tem além disto algo de filial. Com efeito, os católicos não são apenas os fiéis, mas também e sobretudo a Hierarquia. Ora, à testa da admirável e virtuosíssima Hierarquia Italiana, quem encontramos, senão a figura veneranda e augusta daquele que é, como Vigário de Cristo, a lei de nossa inteligência, o guia de nossa vontade, o senhor de toda a nossa dedicação, de todo o nosso entusiasmo, de todo o nosso amor?  E se, em torno do Santo Padre, procurarmos discernir as figuras dos colaboradores mais íntimos, daqueles que partilham mais estreitamente as amarguras e das responsabilidades do governo pontifício, quantas e quantas figuras admiráveis, doadas pela Itália à Igreja, poderemos apontar! Como não amar um povo a quem Deus conferiu a suprema honra de ser o primeiro daqueles sobre cujos ombros recaem, com maior freqüência na terra, as funções do governo mais augusto e mais árduo do mundo? Será possível amar a Igreja e não amar a Itália? Não o cremos.

Deixamos de mencionar, intencionalmente, os muitos títulos que fizeram do povo italiano, na arte e na ciência, um dos primeiros do mundo. São títulos certamente gloriosíssimos. Mas, por mais gloriosos que sejam, ficam na penumbra quando postos em comparação com os títulos sobrenaturais que acima enumeramos.

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Os que me conhecem de perto sabem o entusiasmo extraordinário que voto à Alemanha, e a grande influência que ela teve sobre minha formação.

Sempre fui, e se Deus quiser serei sempre, um admirador da inteligência vasta e lógica, da vontade férrea e destemerosa, da personalidade singela e atraente dos alemães. Admiro mesmo tanto a Alemanha, que não hesito em dizer que pouquíssimas nações, no mundo, poderiam concorrer tanto para a glória de Deus quanto uma Alemanha totalmente católica.

Há, no Brasil, muitos preconceitos anti-germânicos que decorrem ou da guerra de 1914, ou das diferenças habilmente exploradas que existem entre o temperamento brasileiro e o temperamento germânico. Sendo eu embora um anti-nazista resoluto, intransigente e meticulosamente intransigente, tenho sustentado, até em rodas de amigos,  muita discussão em que me empenho por mostrar que é um erro enorme transformar os sentimentos anti-nazistas em sentimentos anti-germânicos. Alemanha não é o nazismo.

E se hoje estamos em campo ideológico oposto ao do governo de Berlim, jamais deixaremos de desejar a prosperidade e sobretudo a santificação da Alemanha católica, apostólica, romana. E é exatamente para que isto se dê, que desejamos com todas as veras da alma o esmagamento da ideologia nazista.

Não somos amigos do nazismo apesar de sermos amigos do povo alemão. Somos amigos do povo alemão e por isto somos anti-nazistas.

Da França que direi? Cada vez que as circunstâncias me forçam a fazer qualquer crítica à algum fato ocorrido na França, tenho um pouco a impressão de que estou falando de minha própria Pátria. Como católico e como brasileiro, habituei-me sempre a achar que a França era uma espécie de irmã primogênita do Brasil, que por isto mesmo tinha no mundo latino, e em toda a Cristandade, uma proeminência gloriosa, que dela fazia o objeto predileto de nossa estima.

Se fosse escrever sobre as muitas razões que nos levam a amar a França, teria que encher um número inteiro do “Legionário”. E talvez isto não bastasse... É, pois, melhor que na comoção destas rápidas palavras fique dito tudo. Da França nada se pode dizer de melhor, senão... que é a França.

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Assim, pois, desiludam-se os exploradores que, sob pretextos de nacionalismos ofendidos, procuram apontar a tanta gente bem intencionada o “Legionário” como um inimigo. Diga-se o que disser na confusão da hora presente, o futuro nos dará razão quando disser que só cumpriram bem o seu dever os católicos que souberam conservar durante a tormenta o duplo sentimento do amor a todos os povos, e da preeminência incontestável do Reino de Deus.

Nota: Os negritos são deste site.


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