Plinio Corrêa de Oliveira

 

Natalidade

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 17 de agosto de 1941, N. 466

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Os Estados totalitários têm o singular condão de prejudicar a Verdade não apenas quando atacam de frente, mas ainda quando parecem tomar sua defesa. Assim, nada há mais digno de aplauso do que a campanha pelo aumento da natalidade. Tal assunto, entretanto, já se tornou difícil de ser tratado à vista da antipatia que muitos espíritos têm sentido em relação aos esforços que certos países europeus realizam em prol do aumento da população. Com efeito, os argumentos que sua propaganda apresenta são de tal maneira secundários, e a grosseria de espírito com que tratam o assunto é tão manifesta, que antes se teria a impressão de que falam como criadores de animais que desejam multiplicar o número de suas cabeças de gado a fim de aumentar suas riquezas, do que como governadores de coletividades de homens dotados da dupla dignidade humana e cristã.

Entretanto, nem por isso podemos deixar de dizer algumas palavras a respeito deste assunto. Quem quer que conheça os dias que correm não pode deixar de notar a plena atualidade do assunto. A incessante construção de apartamentos em nossa cidade mostra que tal atualidade se está tornando cada vez maior, e está merecendo toda a atenção dos católicos. Assim, queremos consagrar a este espinhoso tema nossas reflexões de hoje.

Não pretendemos neste artigo mostrar o mal que há no decréscimo da natalidade, mas alguns aspectos locais que este problema apresenta entre nós, e que devem ser necessariamente abordados por quem quiser combater o mal de maneira verdadeiramente prática.

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Ninguém se espantará, por certo, se apontarmos os prédios de apartamento como um indício veemente da diminuição da natalidade entre nós. Pelas suas próprias dimensões, a grande maioria dos apartamentos só se presta a receber famílias com um ou dois filhos... se tanto. Assim, à medida que cresce o número de apartamentos, tem-se uma prova evidente de que também cresce o número de famílias nas quais a natalidade é pequena. Evidentemente, não quereríamos cair em generalizações perigosas e exageradas. Bem sabemos que muitas famílias que residem em apartamento desejariam ter maior número de filhos, e que pedem ardentemente a Deus que os favoreça com esta graça. Bem sabemos ainda que um número considerável de casais só vai residir em apartamentos depois de se haverem casado alguns filhos, ou dispersados os outros. Isto tudo não obstante, os apartamentos seriam muito menos numerosos se só se destinassem a residências de casais nestas condições. Se faltassem os dados estatísticos, bastaria que notássemos, em quase todos os bairros da cidade, a construção de apartamentos, para que compreendêssemos que a natalidade no Brasil está ameaçada de francos perigos.

Sobre as causas deste lamentável fenômeno, muito já se tem escrito.

Os autores europeus de avant-guerre costumavam responsabilizar, em geral, as causas econômicas como as mais fortes. Entretanto, a realidade não é esta, e bastaria lançar os olhos sobre o Brasil para que se notasse isto. Com efeito, manda a verdade que se reconheça que não é nas classes pobres que a limitação da natalidade mais se faz sentir. Pelo contrário, à medida que subimos na escala social, tanto mais acentuada se mostra a desnatalidade. Assim, pois, a premência das necessidades não atua senão de modo indireto e se relaciona com outros fatores psicológicos, sem os quais jamais poderia atuar tão fortemente.

Com efeito, na classe média a desnatalidade impressiona sobretudo como um fator de decadência social da família. Os espíritos paganizados de nossos dias, que já não sabem contar com a Providência Divina, receiam que multiplicado o número de herdeiros de um patrimônio apenas suficiente, daí resulte não um grupo de irmãos abastados, mas de indigentes incapazes de sustentar a situação social que receberam dos pais. Muitas vezes, não é só o problema da herança que impressiona. Os pais que podem dar uma educação brilhante a um ou dois filhos, seriam obrigados a lhes proporcionar colégio, roupas e distrações muito mais módicas, caso os filhos fossem oito ou dez. Isto implicaria, evidentemente, em muitos casos, em uma diminuição social que aos pais causa horror. Daí o fato de, em muitos lares, o aumento do número de filhos ser considerado como um estigma de decadência social.

Bem se vê que estas razões, insuficientes para justificar um ato em si injustificável e digno da mais ardente censura, não constituem, entretanto, motivos de caráter estritamente econômico. Em outros termos, não é problema de pão que se vai comer hoje ou amanhã que entra aí em cena, nem mesmo a questão de prover às necessidades mais remotas da prole. Não se trata de uma luta contra a fome, o frio etc., mas contra uma perspectiva de decadência que põe em jogo mais fatores de ordem psicológica e social do que estritamente material.

Nos círculos das grandes fortunas, mutatis mutandis, o quadro não é muito diverso. A limitação não as faz por causa de alguma premente necessidade econômica. Mas o receio de que a divisão do patrimônio em muitas mãos acarrete uma diminuição social dos herdeiros é ainda um dos móveis mais importantes para que sejam tão pouco numerosos os herdeiros das grandes fortunas. Em suma, estes inconvenientes resultam principalmente da péssima formação religiosa que existe em nossas classes sociais mais abastadas e também, ao menos em parte, dos defeitos de nossa organização social, na qual cada vez o prestígio do nome e da tradição se vai tornando mais fraco, para dar maior realce ao prestígio do dinheiro.

* * *

Se apontamos estas circunstâncias a nossos leitores, é porque julgamos de capital importância que a campanha pelo aumento da natalidade vise bem objetivamente estes pontos. Caímos, muitas vezes, no erro de abordar os problemas nacionais, vendo-os através dos tratados de sociologia estrangeiros. Um mesmo mal igualmente desenvolvido em dois países, pode ter em cada um deles causas muito diversas das que tem no outro. Assim, pois, é óbvio que os pontos que devem ser abordados em um, não devem igualmente ser abordados no outro.

Evidentemente, os dados fundamentais de qualquer solução devem ser sempre os mesmos.

É preciso mostrar que a Lei de Deus é a Lei de Deus, e que contra ela não é lícito ao homem atentar.

É preciso mostrar ainda que a Lei de Deus não constitui um mero capricho do Criador, mas que, como não poderia deixar de ser, procede de quem, sendo a suma Sabedoria e a suma Bondade, não pode deixar de ordenar senão coisas sábias e boas.

É preciso mostrar que o homem deve confiar ilimitadamente na Providência Divina, a qual, muitas vezes, vem em nosso socorro evitando, por disposições maravilhosas, que os prejuízos temporais decorrentes do cumprimento de certos deveres sejam tão grandes quanto receamos.

Mas é preciso mostrar finalmente que, quando Deus mandou que O amássemos sobre todas as coisas, nos impôs que Lhe sacrificássemos tudo, isto é, não apenas aquilo que é ilícito, mas às vezes certos bens a que licitamente possamos ser afeiçoados. Assim, também a situação social é coisa que, devendo licitamente ser procurada e conservada pelos que a têm, não deve ser estimada acima do amor de Deus e do cumprimento dos deveres mais sagrados que a Santa Igreja impõe aos pais.

Enquanto não falarmos esta linguagem clara e diretamente proporcionada aos aspectos locais que o problema assume no Brasil, não teremos conquistado o terreno que devemos conquistar.


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