Plinio Corrêa de Oliveira

 

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A continuidade do mérito

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 31 de agosto de 1941, N. 468, pag. 2

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O Chefe da Nação acaba de promulgar um decreto pelo qual vários descendentes do Duque de Caxias, atualmente em difícil situação financeira, são contemplados com uma pensão vitalícia de 500$000 por mês. A providência é justa e louvável, pois o contrário representaria uma ingratidão do país para com o seu grande soldado.

Se o Duque de Caxias realizou algo de definitivo em prol da nacionalidade, é justo que esta mesma nacionalidade, enquanto existir, garanta, também de forma definitiva, uma situação desafogada a seus descendentes.

Além disso, é preciso considerar que a família do Duque de Caxias é ainda alguma coisa da própria pessoa do Duque de Caxias, é uma tradição viva e palpitante do grande homem. Ora, se se procura guardar zelosamente, nos museus, os objetos evocativos, embora inanimados, das personalidades históricas, porque nestes objetos reside ainda alguma coisa dessas personalidades, com muito maior razão se devem cultuar as relíquias vivas, carne da carne, sangue do sangue, dos protótipos de nossa evolução histórica, e que guardam deles a semelhança do temperamento, da mentalidade, das inclinações.

Não se venha, portanto, objetar contra aquele decreto, dizendo que o mérito do Duque de Caxias se limita exclusivamente à pessoa do Duque de Caxias, pois que assim como seria injusto punir, nos filhos os crimes dos pais, da mesma forma seria injusto premiar os filhos pelas benemerências dos pais. Se os bens de fortuna podem ser herdados por quem não os acumulou, por que não acontecerá o mesmo com o fruto dos serviços prestados à Pátria? Aliás todos os grandes países não têm outro proceder para com os descendentes de seus grandes homens. Basta citar o exemplo dos Estados Unidos, que consideram seus cidadãos honorários a todos os descendentes de Laffayette, seja qual for a nacionalidade de origem.

Entretanto, é bem verdade que seria muito preferível que a família do Duque de Caxias estivesse gozando de uma tal prosperidade econômica e social, que fosse dispensável o auxílio pecuniário, que ora lhe concede o Governo. Isto se prende à instabilidade social, que reina entre nós, e que faz perder toda tradição viva, toda experiência histórica adquirida. É por isso que temos a ilusão de sermos uma nação nova, mas o que somos é uma nação desarraigada de seu passado, não recebendo deste passado a seiva fecunda porque as raízes se estiolaram miseravelmente. O que nos resta das lutas, das dores, das vitórias e das afirmações de um passado já bem longo, são uns tantos destroços brilhantes e sem vida, que se vão amontoando nos museus. Infelizmente, o processo histórico de nossa civilização tem sido um perpétuo recomeçar. Por isso, vivemos ainda de improvisações, quando tínhamos elementos para haver criado uma cultura e uma civilização próprias e definitivas.

O que sucedeu com a família de Caxias, tem sucedido com as famílias de todos os nossos grandes homens. Mas não é só. Quantas famílias que, sem possuírem propriamente um “grande homem” contudo eram expressão típica da civilização brasileira, e, no entanto, decaíram, dissolveram-se, desapareceram? E que tesouro de cultura e de experiência histórica o país não perdeu com isto?


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