Plinio Corrêa de Oliveira

 

Comentando...
 
O carro adiante dos bois

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 5 de outubro de 1941, N. 473, pag. 2

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Assinalamos, em nosso último comentário, o estado miserável em que vive a maior parte das populações do interior do País, para mostrar que não era nada estranhável o êxodo das mesmas para as cidades – fato esse irrefragavelmente demonstrado pelos resultados do recenseamento já dados a conhecer – posto que os favores e benefícios do governo jamais atingem o interior, que só experimenta os ônus.

Agora, a “Folha da Manhã” de sexta-feira última veio trazer duas informações típicas, que lançam uma luz bastante viva sobre o depauperamento que corrói as forças vitais da nacionalidade, e que produz em todas as manifestações de cultura e de civilização aquela instabilidade, de que já falamos tantas vezes.

A primeira informação é o resumo de um estudo do sr. Rafael Kamprad sobre o problema agrário brasileiro. Queremos poupar a nossos leitores a visão nada menos do que catastrófica, que este estudo apresenta sobre as condições de vida e de exploração agrícola no interior do País. Duas palavras podem resumir tudo, sem exagero algum: devastação e miséria.

A outra informação se refere a uma úlcera maligna, que de há tempos sem conta vem corrompendo a administração pública brasileira: a péssima e iníqua distribuição das receitas orçamentárias. De a acordo com os dados publicados pela “Folha da Manhã”, o total das contribuições pagas, no Estado de São Paulo, se distribui da seguinte forma: 14,5% aos municípios, 29% ao Estado, e 56,5% à União. Ora, acontece que as rendas estaduais são gastas quase exclusivamente nas capitais dos Estados, o mesmo acontecendo em relação às rendas federais, que são gastas, numa porcentagem esmagadora, na capital da República. Assim ficam restando apenas 14,5% para todo este vasto interior, que mal chegam para as necessidades das sedes dos municípios. Para que tudo isto? Só para poder manter uma alta civilização artificial em alguns poucos centros, enquanto o conjunto do organismo nacional se debilita, definha e se entorpece na mais espantosa caxexa [raquitismo, n.d.c.]?

Manter serviços públicos complexos, suntuários e inúteis, porque faltam serviços especiais, inadiáveis, insubstituíveis, é rematado pedantismo, sobre ser iniquidade clamorosa. Enquanto tal mentalidade não mudar, nada poderemos fazer de definitivo. Só quando os nossos centros civilizados deixarem de ser parasitas da nacionalidade, para se tornarem expressões autênticas da vitalidade nacional, só aí entraremos no bom caminho da administração pública, e o carro deixará de estar à frente dos bois. Será, por acaso, tão difícil compreender as coisas?


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