Plinio Corrêa de Oliveira

 

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Fita

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 29 de março de 1942, N. 498, pag. 2

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A Imprensa acaba de noticiar, com luxo de pormenores, as travessuras de um rapazola, que durante algumas horas esteve a equilibrar-se na cornija do 26° andar do Martinelli, fingindo que ia suicidar-se. Evidentemente, não estava querendo; a intenção do menino não era outra senão fazer um pouco de “fita”. Do contrário, haveria uma porção de expedientes, muito mais eficazes, que o pseudo quase-suicida teria posto em prática, certamente, se o suicídio fosse mesmo “a valer”. Assim, por exemplo, um tiro no ouvido, um mergulho no Tietê (em lugar ermo, entretanto), uma boa dose de sublimado corrosivo etc. Em vez de tomar qualquer uma destas providências, o rapazinho arma uma destas cenas de dramalhão, colocando-se em lugar em que todo o mundo poderia vê-lo, e aí fica, durante quatro longas horas, a esperar que acontecesse o que de fato aconteceu: ser agarrado. Tal e qual como certos valentões, que na hora das vias de fato, olham cautelosamente para os lados, exclamando: Agarrem-me, senão eu mato!

Percebe-se claramente que o pseudo ex-quase-suicida pertence a esta classe de sentimentais, que gostam de imaginar o que aconteceria se se suicidassem e, sobre isso, arquitetam romances, em que eles aparecem como heróis chorados e lamentados, depois de incompreendidos durante a vida. Porém, o que retrai muitos destes do suicídio real, limitando-os ao suicídio imaginário, é que, após o ato suicida, não poderiam voltar atrás para saborear o efeito. Ora, o nosso “herói” do 26° andar encontrou meio de conciliar as duas coisas: gozar a pieguice sentimental do suicídio, sem as consequências inexoráveis. E nisto foi secundado maravilhosamente por certos órgãos de nossa imprensa, que levando a sério a sua pantomima se prestou a criar todo o ambiente de ópera trágica, que era o que ele queria.

Pois bem, a atitude deste jornal envolve uma tremenda responsabilidade. É sabido que os suicídios costumam propagar-se por verdadeiras ondas epidêmicas. Há uma porção de indivíduos de sentimentalidade desequilibrada, que formaram para si mundos imaginários incongruentes com a realidade concreta, mas onde se compraz o seu temperamento romanticamente exaltado, e que parecem esperar apenas o impulso de um mais ousado, para se lançarem no abismo. Principalmente, se o gesto deste mais ousado acarretar uma aura de comoção geral, haverá, matematicamente, imitadores, como aquela costureira, que se suicidou ingerindo o mesmo tóxico, de que se utilizara Stefan Zweig, alegando em carta que se matara por não ter mais energias para enfrentar a vida, exatamente como fizera o conhecido escritor. E ninguém ignora que a pseudo tentativa de suicídio, de que ora tratamos, não passa de ser vil imitação de fato idêntico, ocorrido em New York.

É preciso dar ao sensacionalismo suicida o tratamento que merece, e não alcandorá-lo aos pináculos da glorificação pública, o que, sobre ser uma idiotice, é um crime.


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