Plinio Corrêa de Oliveira

 

Um exemplo para toda a Europa

 

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 26 de julho de 1942, N. 515

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O LEGIONÁRIO teve a dolorosa satisfação de publicar em seu último número a Pastoral Coletiva do Episcopado alemão, em que os prelados do Reich denunciam a seus diocesanos e ao mundo inteiro os extremos a que chegou a perseguição religiosa nas regiões dominadas pelo paganismo nazista.

Fica assim fechada a boca - ao menos temporariamente - aos mil e um sofistas que, intencionalmente emboscados em certos meios católicos, levam a repetir que a perseguição religiosa não é, na Alemanha, tão cruel quanto se costuma afirmar, ou que até já cessou inteiramente.

O magnífico documento do Episcopado alemão constitui, para o povo germânico, um legítimo título de glória, que desafronta seus brios de todo o labéu contra eles lançado pelas ignominias do nazismo. A Pastoral prova que o nazismo fracassou no seu intento fundamental, que consistia em dividir a Hierarquia e arrastá-la, a ela também, para a ruptura com Roma. Nós católicos sabemos como seria pueril qualquer tentativa neste sentido, porque sabemos o que é um Bispo da Santa Igreja, o que é um Sacerdote católico, o que é a divina solidez do Corpo Místico de Nosso Senhor Jesus Cristo. Mas para os nazistas, que medem muitas vezes as coisas por padrões exclusivamente naturais, não há diferença entre um Bispo católico ou um daqueles burocratas indolentes e sem convicções precisas e firmes que nas seitas protestantes recebem o título de Bispos. Não pode um nazista - ao menos o nazista “standard” - compreender a diferença que vai de um sacerdote católico para um “pastor” protestante - aquele autêntico Pastor e este fautor de heresias metido em pele de ovelha de ministro de Jesus Cristo. E, por isto, o nazismo parece supor que a desagregação da Igreja Católica se faria com a mesma rapidez com que se decompôs o protestantismo.

Os protestantes reagem contra o nazismo. Ao menos quanto a alguns, é isto verdade. Mas, à medida que reagem, eles são obrigados a se distanciar de seus próprios princípios, e isto a tal ponto que precisamente do mais famoso dos líderes protestantes antinazistas correu insistentemente a notícia de que se converteria ao catolicismo. Os elementos protestantes que não se quiseram deixar tragar pelo neopaganismo deverão necessariamente se converter ao catolicismo. E, assim, a decomposição do protestantismo é acelerada não só pela defecção de muitos de seus sequazes, mas ainda pela própria reação que alguns destes querem desenvolver contra o neopaganismo. A lepra da doutrina de Lutero parece destinada a ser varrida da face da terra.

As fileiras católicas, pelo contrário, continuam íntegras: Episcopado fortemente unido a Roma, fiéis fortemente unidos ao Episcopado - a Pastoral revela que na Baviera, segundo o último recenseamento, 95% dos habitantes se declararam católicos apesar dos graves prejuízos que com isto sofreram - e, em suma, enquanto a perseguição no pântano doutrinário que é o protestantismo, inconsistente, vago, desorganizado como é ele, se fragmenta de encontro à muralha do Catolicismo e capitula vergonhosamente ante o front interno alemão, que é o front católico, rijo, coeso, firme, diariamente invulnerável.

É esse um exemplo magnífico que nossos irmãos católicos da Alemanha nos dão. Imitemo-los no destemor na defesa apaixonada e incondicional dos direitos da Santa Igreja.

* * *

Os católicos alemães prestaram ainda, aos católicos de todos os demais países europeus, outro serviço, serviço aliás ingrato e árduo, que caro lhes custou: sua experiência de combate serviu para que em todos os países europeus ameaçados de totalitarismo, os católicos desejem imitar tudo o que para seus irmãos alemães, deu bom resultado, e evitem cuidadosamente quanto lhes possa ter acarretado consequências desfavoráveis.

O nazismo não chegou imediatamente, na Alemanha, aos extremos de rigor que atingiu em nossos dias. Primeiramente, preparou a armadilha. Depois, vendo que o laço já estava atado à vítima, começou por apertá-lo pouco, e mais um pouco, e sempre mais um pouco, até chegar às angústias da situação presente.

Os católicos, no início, se encontraram em atitude difícil. Como agir? Quais eram as verdadeiras intenções do nazismo? Deter-se-ia ele, na luta contra o Catolicismo, em limites insuportáveis? Ou tentaria a extinção radical e imediata da Religião?

No terreno da imprensa católica, por exemplo - o grande nervo do apostolado em nossos dias - a tática nazista foi muito fina. Os nazistas não fecharam imediatamente todos os jornais católicos, mas experimentaram antes sua têmpera por meio de pequenas restrições: que não falassem sobre isto ou sobre aquilo, que não se excedessem neste ou naquele ponto, que capitulassem neste ou naquele terreno. As instruções dos totalitários não vinham apenas sob forma odiosa. Formulavam muitas vezes, entre duas ou três proibições verdadeiramente irritantes, e dignas de imediato e vigoroso revide, conselhos evidentemente conformes aos mais legítimos interesses temporais da Alemanha. Era um aprendizado suave para escravizar a Igreja. Aos poucos, e muito aos poucos, tentava-se tirar à imprensa católica toda a noção de sua verdadeira independência.

Ora sempre que uma imprensa sabe ser católica - isto é, sempre que ela tem as bênçãos da Hierarquia, que constituem garantia única e insubstituível de que ela cumpre sua missão e é autêntico arauto da doutrina de Nosso Senhor - ela é o reflexo do pensamento da Igreja, sua liberdade de pensar é um reflexo da liberdade divina e insuprimível que tem a Igreja Católica de ensinar a doutrina do Evangelho, e qualquer restrição a essa liberdade é, para todos os católicos, supremamente odiosa. Com efeito, disse um Santo que Nosso Senhor Jesus Cristo "nada ama neste mundo tanto, quanto a liberdade da Igreja". "Quanto a liberdade da imprensa católica", poderia, portanto, ter dito esse Santo, se a seu tempo já existisse a imprensa.

Isto posto, como agir? Alguns elementos recomendaram que se cedesse. Outros quiseram a luta declarada, franca, aberta. Esta diversidade de atitudes bastou para prejudicar os católicos. Os nazistas estrangularam os que queriam ceder, privaram do apoio deles os animosos, e os reduziram ao silêncio por uma odiosa prepotência. Por isto, hoje, a imprensa católica não existe mais no III Reich, e só reaparecerá no dia em que a justiça divina esmagar os atuais perseguidores da Igreja na Alemanha, como esmagou Herodes ou Juliano o Apóstata.

Os católicos de toda a Europa aproveitaram com esta experiência que em termos quase idênticos se deu quanto a todas as outras manifestações da vida católica na Alemanha. O que ali aconteceu prova fartamente que não é com recuos que se ganha alguma coisa em matéria de liberdade religiosa. Mais vale a pena sustentar a luta em seus primórdios e jogar 100% no início, do que lutar quando o adversário já arrancou das mãos da Igreja muitas armas. Ceder nunca, e nada em matéria substancial. Melhor teria sido que as obras de apostolado católicas alemãs fossem fechadas logo de início - este fato teria causado indignação - do que lhes fosse aos poucos sendo tirada a seiva da liberdade, de sorte que, quando elas morreram, sua morte causou tão pouca surpresa quanto a queda de uma folha seca, ou de um fruto velho.

Perante a perseguição totalitária, que procura anemiar as obras católicas antes de as matar, a atitude dos católicos em toda a Europa deve ser a da Companhia de Jesus quando foi posta na alternativa de fechar-se ou de se transformar. O geral daquela briosa milícia deu a resposta famosa, à proposta de reforma das regras: sint ut sunt, aut non sint, sejam o que são, ou morram de uma vez. Assim, também os católicos autênticos e inteligentes preferem unanimemente que suas obras sejam o que são, ou não sejam de todo.

* * *

Em mais de um país europeu, o nazismo está tendendo aos mesmos processos que empregou com êxito na Alemanha. Mas está fracassando. Os católicos já compreenderam que não convém ceder. Que luta protelada é luta agravada, e quase nunca luta evitada. E que, portanto, é melhor desde logo fazer disparar todas as grandes baterias, do que ceder sem glórias, sem fruto e sem vantagem.

"Na estacada", é hoje a palavra de ordem de todos os católicos europeus.


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