Plinio Corrêa de Oliveira

 

Comentando...
 O panegírico de Santa Mônica

 

 

 

 

 

 

Legionário, 26 de setembro de 1943, N. 581, pag. 2

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Machado de Assis conta, no “Dom Casmurro”, o caso de um burocrata, antigo estudante de Seminário, que vivia distribuindo a sua única obra, um “Panegírico de Santa Mônica”, composto na sua mocidade, quando ainda tinha em vista a vocação sacerdotal. Mais tarde, o seminarista esqueceu-se da vocação, casou-se, tornou-se chefe de secção, afundou no quotidiano da vida burguesa, mas não se esqueceu do “Panegírico de Santa Mônica”. A todos os conhecidos presenteava com um exemplar. Afinal de muitos anos, revendo pela primeira vez um velho condiscípulo, que tinha ido à sua repartição tratar do andamento de papéis, desfechou-lhe a pergunta: “Conservou o meu Panegírico?”

O colega já não se lembrava de nenhum panegírico. “O meu Panegírico de Santa Mônica”, acudiu o outro, sofregamente. Nada! O amigo da juventude nem na memória conservara o Panegírico, mas começou a discorrer vagamente sobre mudanças, viagens... Tantas coisas se perdem nestas ocasiões! O ex-seminarista não se deu por achado: “Hei de levar-lhe um exemplar”. E, no dia seguinte, lá estava ele com o exemplar, inexoravelmente. O obsequiado, por cortesia, começou a folhar a velha brochura, lia, aqui e acolá, algumas passagens, misturava louvores, e foi resvalando aos poucos para o terreno das reminiscências escolares. Estava nisso, quando o chefe de secção, o olhar sonhador, suspirou e disse: “Tem agradado muito esse meu Panegírico!”

A associação de idéias tem dessas coisas. A saborosa anedota devida à imaginação de Machado de Assis veio-nos insistentemente à memória, quando vimos o recente telegrama da Inglaterra, que nos dá conta do apelo de Sir William Beveridge, para que seu plano seja aceito por extenso. O autor do famoso plano, ao que diz o telegrama, alegou que fizera todos os cortes possíveis em seu sistema e incitou os operários londrinos a lutar pela adopção de seu projeto de seguros sociais. O sr. Beveridge afirmou coisas deste estilo: “Se quereis a segurança social, deveis trabalhar politicamente para consegui-la, e não esperar que caia como um maná do céu”; “o governo que levantar obstáculos ao meu plano estará condenado ao fracasso”; “somente neste país (Inglaterra) se venderam cerca de 600.000 exemplares do relatório - seis vezes mais do que qualquer outra informação oficial”. Como se vê, o sr. Beveridge está seriamente alarmado quanto ao destino de sua obra e, qual pai enternecido, procura salvar o filho querido da morte e do esquecimento. Aliás, nada tão explicável como este carinho. Que seria do sr. Beveridge sem o plano que lhe leva o nome?

Tudo, porém, indica, que, após um momento de glória e de esplendor, o plano Beveridge suma-se rapidamente, e se esbata na sombra das coisas que passaram de moda, sem ter ao menos a poesia costumeira das rosas de Malherbe [poeta francês (1555-1628), n.d.c.].

Aqui no Brasil o plano Beveridge também causou sensação; o que nos deixa um pouco inquietos, porque o Velho Mundo tem o mau hábito de nos empurrar velhos alcaides fora de uso, que recebemos e conservamos com veneração. Esperemos, entretanto que, desta vez, nos livremos de ganhar mais um “Panegírico de Santa Mônica”.


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