Plinio Corrêa de Oliveira

 

Comentando...
 
A sociedade de São Paulo

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 5 de dezembro de 1943, N. 591, pag. 2

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Nestes últimos anos tem sido profunda a transformação por que passou a sociedade paulista. Transformação tão profunda mesmo, que a fisionomia de nossa sociedade se tomou irreconhecível, comparando-se com o que era há uns quinze anos.

Antes da crise mundial, o cerne, a medula desta sociedade era constituída de famílias tradicionais, as de “quatrocentos anos”, ainda em plena pujança econômica que se radicava na agricultura. As famílias como estas eram, e ainda são, em São Paulo e nos demais Estados do Brasil, o que há de mais autenticamente nacional. Foram elas que, passado o século negro que vai da extinção do bandeirismo pela política totalitária de Pombal à proclamação da Independência - século que viu a ruína da velha capitania, oprimida pela rapina dos validos da Corte e pela inveja amarga dos incapazes — foram elas que reconstruíram a grandeza de São Paulo, e deram ao Brasil um novo surto de prosperidade. A antiga seiva bandeirante, que recuara para muito longe os limites estreitos do meridiano de Tordesilhas, renasceu com o mesmo vigor nos grandes bandeirantes do século passado que, a um império territorial, acrescentaram um império econômico.

Ora, há um fato que nunca se poderia assinalar suficientemente: estas famílias de “quatrocentos anos”, estes bandeirantes, quer os primeiros, quer os do século XIX, jamais enriqueceram pela exploração das massas trabalhadoras, jamais canalizaram lucros ilegítimos que devessem caber a outrem. Quando elas enriqueciam, é porque haviam criado novas fontes de riquezas, que iam beneficiar toda a coletividade. Eles só encontraram a selva bruta e o sertão xucro; tudo estava por fazer, e eles fizeram tudo, contra tudo e contra muitos. A sua fortuna era menos uma fortuna individual, exclusiva, do que a fortuna da coletividade, que eles sustentavam e faziam prosperar. Todo o país enriquecia com eles, e, não raro, eles é que terminavam pobres. Entre eles e o resto do povo não havia nenhuma heterogeneidade, mas eles eram a expressão mais alta e significativa do seu povo, eles eram os homens de seu povo.

Não é de estranhar, portanto, que tudo girasse em torno das famílias de “quatrocentos anos”: a vida cultural, social, política e econômica. Seria de estranhar que assim não fosse. Neles, a nacionalidade tomava consciência de si mesma, e por eles nós éramos uma nação realmente independente, porque a elite dirigente tinha raízes profundas no solo pátrio.

Agora, porém, o panorama  é diverso. Depois da crise mundial, o mundo entrou por outros caminhos. O ”ancien régime” acabou entre nós. O centro de gravidade passou da agricultura para a indústria. Não que a agricultura deixasse de ser o fundamento de nosso potencial econômico, mas os agricultores perderam o dinheiro e o prestígio, em favor dos industriais.

Ora, entre os agricultores está a maioria das famílias de “quatrocentos anos”, autenticamente nacionais, o que nem sempre acontece entre as dos industriais. Estes encontraram tudo pronto para a aplicação, aliás fecunda, de sua capacidade de trabalho. Estes últimos anos se caracterizaram por fabulosos lucros da indústria, que se condensaram nas mãos de uma pequena plutocracia.

É muito fácil declamar contra o latifúndio que é o pior de todos: o latifúndio industrial, a hipertrofia capitalista em poucas mãos, que escraviza não uma região, mas todo um povo. No tempo da predominância agrícola, as fortunas eram muito menores, e muito mais divididas. Hoje, umas poucas pessoas, na quase totalidade alienígenas, se encontra na lista das grandes fortunas de São Paulo.

Em face desta nova realidade, as famílias de “quatrocentos anos” se dividiram em dois grupos. Umas, foram para o ostracismo social, político e econômico. Outras, estão servindo de enfeite, de adorno, de perfume em uma ordem de coisas em que já não significam quase nada. Não poderia haver situação mais efêmera. E, enquanto há miséria de um lado, há festas do outro.

Os inimigos da ordem social e da nacionalidade estão atualmente pescando em águas turvas, explorando os pretextos que os inconscientes e os aproveitadores lhe fornecem. Eles combatem a alta sociedade paulista, estabelecida sobre as fábricas. Mas eles são partidários do protecionismo industrial, que aumentava mais ainda os lucros ilegítimos porque eles sabem que a plutocracia é sua melhor aliada em sua obra revolucionária, que visa destruir a ordem social e a nacionalidade, para conduzir-nos a uma forma de totalitarismo tão nefasta como o nazismo: o totalitarismo industrial.


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