Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera
 
De Rousseau a Hitler

 

 

 

 

Legionário, 13 de fevereiro de 1944, N. 601, pag. 3

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Para certos literatos incorrigíveis, metidos a sociólogos, e que pretendem passar por católicos, esses mesmos que em assuntos profundamente ligados à doutrina da Igreja e dela dependentes, em vez de se basearem nos documentos pontifícios e em autores católicos, costumam procurar apoio para suas teses em semi-convertidos ou cismáticos “torturados” e “blasfemadores”, a explicação do totalitarismo estaria simplesmente na reação antiliberal e antiburguesa de após guerra europeia.

A fim de mais uma vez mostrar aos nossos leitores como o Estado totalitário resultado de um plano há muito acalentado pelas forças secretas, e cuja realização já vinha sendo preparada lentamente, mas com firmeza, transcrevemos hoje nesta seção a parte inicial do capítulo “O Estado soberano, mestre de todas as coisas”, do magistral trabalho “La conjuration antichrétienne”, livro publicado por Mons. Henri Delassus em 1910 e que recebeu as bênçãos e aprovação de Sua Santidade o Papa Pio X, de santa memória, através de uma carta de seu secretário de Estado, Cardeal Merry del Val.

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“O templo que as forças secretas desejam edificar segundo o plano que J. J. Rousseau traçou em seu Contrato Social é o Estado soberano, mestre de todas as coisas, que absorve em si todos os direitos, tanto os dos indivíduos quanto os da família, tanto os das associações quanto os da Igreja.

“Eis aí, dirão, uma utopia e uma pretensão tão monstruosa quão irrealizável. Não para os maçons, para os revolucionários, é o ideal para o qual nos fazem marchar a grandes passos. J. J. Rousseau dissera que em virtude do contrato social que ele supunha a base da sociedade, contrariamente à natureza humana, todos os homens pertencem totalmente à coletividade, sua pessoa e suas forças, seus direitos e seus bens. É o que as forças secretas desejam realizar; é bem a isso que a Revolução deseja chegar; é isso e somente isso que pode dar a explicação da maneira de ser e de agir do Estado contemporâneo a propósito de tudo e de todos. Em todas as coisas, ele se esforça por restringir os direitos particulares: seu desejo é de os suprimir inteiramente.

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De início e sobretudo, o cidadão não tem o direito de ser cristão. “Nada, disse Taine, interpretando o pensamento fundamental do contrato social, é mais contrário ao espírito social que o cristianismo... Uma sociedade de cristãos não mais será uma sociedade de homens, porque a pátria do cristão não é deste mundo”. Torna-se necessário reconduzi-lo cá para baixo, torna-se necessário reduzir seus pensamentos à conquista dos bens terrestres, torna-se necessário que ele pertença todo inteiro à sociedade à qual ele foi confiado inteiramente. Vemos, assim, o católico tratado como inimigo no Estado maçônico.

O cidadão não tem o direito de ser proprietário. Tudo que ele tem, bem como tudo que ele é, se transforma em bem social. Assim, vê-se o direito de propriedade desaparecer pouco a pouco diante das usurpações do socialismo de Estado. Os impostos crescem e se multiplicam sem cessar. A utilidade pública desapropria com uma consciência dia a dia mais ligeira. O Estado se apresenta como participante das vendas e das doações, sobretudo das sucessões. Ele já fala de impostos sobre a renda e de impostos progressivos, destinados a nivelar as propriedades, a igualar as fortunas, ou mesmo a fazer que o Estado se torne o único e exclusivo proprietário. Já no século XVIII ele se apossara de toda a propriedade eclesiástica, e hoje deita a mão sobre a que havia sido reconstituída no século passado (Mons. Delassus se refere sobretudo ao confisco de propriedades eclesiásticas pelo governo francês no início deste século – confisco contra o qual o Santo Padre Pio X lançou veementes protestos, nota do LEGIONÁRIO). Amanhã, ele se apossará do mesmo modo dos instrumentos de trabalho: minas, usinas, campos, tudo será nacionalizado.

Não são somente os bens que o Estado reivindica como pertencentes à coletividade, mas as forças de cada indivíduo: “Cada membro da sociedade lhe pertence, com todas as suas forças”. Torna-se necessário que, em um futuro próximo, o Contrato também se realize sob este aspecto, e que o Estado, por meio dele, chegue a atribuir a cada um as funções que ele terá que preencher na sociedade, sob sua vigilância e em seu benefício. Os monopólios de Estado, que vão da instrução pública à fabricação de fumo e de caixas de fósforos, e o funcionalismo público que pouco a pouco se estende a tudo, são outras tantas veredas que nos conduzem a essa escravização universal.

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Para chegar a esse ponto, importa sobretudo assenhorear-se das forças nascentes, das gerações que surgem. Assim, o primeiro cuidado do Estado revolucionário é de se apossar da juventude. “As crianças, dizia Danton, pertencem à República antes de pertencer a seus pais; o egoísmo dos pais pode ser perigoso para a República. Eis porque a liberdade que nós lhe concedemos não vai até à educação de seus filhos contra a nossa vontade”. E Jules Ferry, no discurso que pronunciou em 1879 para obter o voto do famoso artigo VII: “Existe um pai de família que abarca todos: é o Estado”.

É bem nesse ponto de vista do direito exclusivo do Estado sobre a juventude que nós vemos o Estado moderno se colocar. Sua legislação melhor estudada, mais serrada, suas leis mais intangíveis, são as que tendem a suprimir toda liberdade de ensino, a reunir sob a férula do Estado, a entregar à sua educação as crianças de todas as famílias, da escola dita maternal (jardim da infância) às Faculdades. De início, é seu interesse formar as vontades pelas quais se mantém, preparar os votos que o manterão, implantar nas almas paixões que lhe sejam favoráveis, ideias que secundem a construção do templo. Não tem ele o dever de formar as gerações de modo a torna-las aptas ao mais perfeito funcionamento do pacto social? “A educação nas regras prescritas pelo povo soberano é uma das máximas fundamentais do governo popular”, disse J. J. Rousseau. É por ela que se forma o cidadão, “é ela que deve dar às almas uma forma nacional”. “As boas instituições nacionais são as que conseguem melhor desnaturar o homem, tirar-lhe sua existência absoluta para lhe dar uma existência relativa e transportar o eu para a unidade comum” (J. J. Rousseau citado por Taine em L’ancien régime, página 324).

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Desnaturar o homem! Que palavra podia melhor dizer o que deseja a seita, o que ela faz nas escolas do Estado?

Para chegar a realizar seu desígnio sem muita oposição, ela começou por dar à juventude instrução gratuita. Hoje ela acrescenta a alimentação e o vestuário, nos liceus e nas escolas primárias, esperando assim ter por cúmplice o interesse.

Nem se diga que o direito que a Igreja recusa ao Estado, Ela reivindica para si própria. Não, a Igreja respeita os direitos da liberdade natural ao ponto de, se um pai, uma mãe não pertencem pelo batismo à sua jurisdição, Ela se considerar como impedida de intervir na educação do filho até que ele atinja idade de se pronunciar segundo sua própria consciência. A Igreja considera como um atentado contra o direito natural a educação de um filho menor na religião cristã contra a vontade expressa de seus pais não batizados, e não permite que ele seja batizado. E mesmo quando o filho católico de pais católicos chega à maioridade, Ela não o admite à profissão religiosa sem sua permissão, se ele lhes é necessário como arrimo de família.

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O Estado, insuflado pelas forças secretas, compreende que os filhos não poderão pertencer-lhe completamente enquanto não abolir a família; enquanto esta subsistir, a voz da natureza protestará contra sua intrusão. Aí está porque ele tende à supressão do casamento. No pensar dos sectários, o “casamento civil” e o divórcio são etapas que devem conduzir ao amor livre, e por conseguinte ao Estado, único pai nutrício, único educador das gerações vindouras.

A abolição da família, a supressão da propriedade, o aniquilamento da Igreja e a sufocação de toda associação que não seja a pertencente ao Estado, “todos estes artigos, diz Taine, são consequências irresistíveis do contrato social. Desde o momento em que, entrando em um corpo, eu não me reservo nada de mim mesmo, renuncio somente por isso a meus bens, a meus filhos, à minha Igreja, a minhas opiniões. Cesso de ser proprietário, pai, cristão, filósofo. É o Estado que se substitui a mim mesmo em todas essas funções. Em lugar de minha vontade, há a vontade pública, isto é, em teoria, o arbitrário rígido da assembleia, da fração, do indivíduo que detém o poder”.

Este é o templo que as forças secretas estão em vias de edificar, em que elas nos fazem entrar, passo a passo, antes de estar concluído, em que elas pretendem abrigar as gerações vindouras e a humanidade inteira”.


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