Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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O socialismo agrário

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 12 de março de 1944, N. 605, pag. 2

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As doutrinas de Henry George estão conhecendo um “renouveau” de prestígio nestes últimos tempos. Nos Estados Unidos, o georgismo está encontrando simpatias, e aqui mesmo no Brasil existem adeptos militantes desta doutrina. A “Folha da Manhã”, por exemplo, que é o órgão da lavoura colocou-se paradoxalmente entre os partidários de George e, nestes últimos dias, defendeu-lhe os princípios econômicos.

Deve-se assinalar um equívoco, que se está espalhando com visos de verdade. Afirma-se que o sistema de George viria libertar a lavoura brasileira da situação angustiosa, de verdadeira escravização, que a caracteriza. Henry George teria sido assim um amigo e defensor das classes agrícolas. Nada mais falso. George via nos proprietários rurais nada menos do que uns parasitas, que se beneficiavam indevidamente de uma “plus value” produzida dadivosamente pela terra, excedendo de muito em proporção o trabalho dos lavradores. A propriedade agrícola seria desta forma uma espécie de monopólio odioso de algo tão gratuito e universal como o ar ou a água são fruídas coletivamente por todos os homens assim também, pela coletividade representada pelo Estado, deveria ser fruída a “plus value” da terra. Para isso, George imaginou um sistema de tributação em que um só imposto único, territorial, travaria todas as guerras, absorvendo, confiscando para o Estado esta “plus value”.

Para reduzir à prática este princípio, afirma-se que este imposto deve recair sobre o valor da terra despida de todas e quaisquer benfeitorias. Este valor assim calculado representaria o “unearned increment”, um valor para o qual o lavrador não contribuiu, que seria fruto do progresso da coletividade como tal, e que ele monopolizaria em proveito próprio e exclusivo.

Ora, a verdade é que o valor da terra está em intima relação com as benfeitorias, com o seu aproveitamento atual ou possível. Há no Brasil terras fertilíssimas, e de valor praticamente nulo; donde se vê que a força produtiva da terra, só por si não lhe determina o valor. Dir-se-á, porém, que a aproveitabilidade da terra depende não só do trabalho de quem a lavra, mas principalmente do progresso geral da coletividade, que proporciona os meios de melhor aproveitamento econômico da terra. Contudo, como separar na prática o que é devido ao trabalho do lavrador do que é devido ao progresso da civilização? Esta dificuldade nenhum economista a resolveu até hoje, e o próprio George nela se embaraçou. E além disso, não basta que o progresso geral da civilização ofereça maiores recursos e oportunidades para a exploração da terra. É necessário que tais recursos sejam efetivamente empregados. Ora, quem faz isto não é toda a coletividade, mas apenas aquela parte que empreendeu de fato a exploração agrícola, com todos os seus trabalhos e com todos os seus riscos. Riquezas meramente potenciais são tesouros na Lua. Portanto, àquela porção da coletividade que soube atualizar as possibilidades econômicas cabe com justiça a remuneração. A outra porção que apenas contribuiu por ato de presença, será beneficiada indiretamente pelo enriquecimento geral do país, causada pela atividade agrícola. E muitas vezes acontece que todos se beneficiam do trabalho do lavrador, exceto o próprio lavrador, como ocorre hoje em dia.

Argumenta-se que a terra é a fonte, senão única, pelo menos a principal da produção, e que, assim, sobre ela devem recair os encargos fiscais. Isto poderia ser verdade se todos os lucros da terra viessem ter ao dono da terra. Mas o que acontece não é isso. O que acontece infelizmente do modo mais frequente é que a parte mais polpuda do resultado da produção agrícola, senão tudo, vai parar em outras mãos que não as do lavrador. Como exigir ainda, além disso, que a terra sustente o Estado? Só se se quiser reduzir os agricultores à “casca de noz”, como era desejo expresso de Henry George.


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