Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera
 
Um jornalista católico

 

 

 

 

 

 

Legionário, 23 de abril de 1944, N. 611, pag. 5

 

Indo a Roma por ocasião do Concílio do Vaticano, Louis Veuillot depôs aos pés do Santo Padre Pio IX a importância de cem mil francos proveniente de uma subscrição aberta pelo jornal “L’Univers” para ajudar as despesas daquela magna assembleia. Este gesto valeu ao redator-chefe do órgão ultramontano a honra de receber um Breve do Papa, que provocou o extravasamento da bílis dos adversários do insigne jornalista. Louis Veuillot estaria ele abusando de sua posição de simples leigo na Igreja.

Publicamos abaixo sua resposta aos eternos semeadores de cizânia. É um documento de muita atualidade, pois reproduz a opinião de seu autor a respeito da colaboração dos leigos junto à Hierarquia e constitui uma resposta antecipada do bom senso católico àqueles simples fiéis cujo prurido igualitário leva a tratar os Sacerdotes e até os Bispos como “colegas no apostolado”...

Louis Veuillot (1813-1883)

“Recebi o resumo dos comentários da imprensa sobre o Breve dirigido pelo Santo Padre ao “Univers”. Representam mais ou menos aquilo que eu esperava. Os jornais são compostos de sábios que procuram “meio-dia às quatorze horas”, e de outros que não sabem contar até doze horas. Eis-me, então, proclamado chefe do Clero secundário, vigi1ante dos Bispos, legado do Papa, etc. Subi de posto. Antigamente achavam que eu era simplesmente prelado “in partibus” e cardeal “in petto”.

Ignoro até que ponto nossos confrades são vítimas de sua ignorância, algumas vezes bem selvagem. Ela os dispõe à credulidade, e essa credulidade é cuidadosamente fomentada por pessoas menos ignorantes que eles. Homens que mantinham uma posição considerável na Igreja, mas que se desprestigiaram por desejar tornar-se mais do que deviam, nos têm imputado seu desastre. Achando-nos rebeldes, gritaram que leigos, jornalistas, usurpavam a autoridade no Santuário. A ignorância e o espírito partidário repetiram essas divagações de um rancor imprudente e eis os fiéis da “France”, do “Journal des Débats”, da “Liberté”, de “L’Opinion Nationale”, que manifestam seu horror. Como admitir leigos tão poderosos na Igreja e não somente leigos, mas jornalistas! Para eles, isto é a abominação e a desolação. Registro, de passagem, esse testemunho rendido aos jornalistas pelos jornais. Se eu desejasse contradizer sua impressão, teria cuidado em distinguir; mas é outro meu propósito de hoje e deixo de perguntar e de dizer a esses jornalistas porque o jornalista em geral lhes inspira tão belo desdém.

Retomo assim meu assunto, que é de tranquilizar os jornais sobre minha situação na Igreja.

Os redatores de “L’Univers” são na Igreja unicamente o que podem ser os redatores de outros jornais: simples fiéis. É muito belo, é real, é imenso. Não somos nada menos; mas não devemos ser e não somos nada mais. Quanto às coisas deste mundo, nem o Papa nem a Igreja nada podem por nós a não ser encorajar nosso trabalho, se ele é bom, e em seguida benzer nosso caixão. Nada mais pedimos. Pouco nos preocupamos com as argolas que são enterradas conosco nessas tábuas em que, com exceção da mortalha e do crucifixo, todo o resto pode incomodar. Para obter a benção filial, é necessário ser e somos, pela graça de Deus, homens OBEDIENTES. Eis aí nosso lugar na Igreja.

Obedientes à lei, não obedientes ao homem. Friso este ponto, porque nossos adversários não são sempre leais. Se eles pudessem crer que alguém nos manda, caluniaria o mandamento para difamar a obediência. Seguramente eu amaria muito mais ser criado de quarto do Papa que ministro do Imperador; mas enfim não faço em Roma outro serviço a não ser o meu. Mil correspondências me dão um papel muito afastado do verdadeiro. Não consulto nem sou consultado. Conservo-me em minha janela e em meu escritório, olhando o que se passa, narrando-o àqueles que se fiam na minha observação. De resto, nada percebo que todo mundo não perceba no mesmo momento. Não é do meu oficio o fornecimento de novidades. Até nego que haja novidades. Creio que há apenas o modo de contar, e que se conta melhor no dia seguinte. Se narro as coisas de um modo que agrade bastante aos católicos, e se tal é a causa de minha influência, torna-se necessário sofre-la ou contar as coisas da mesma maneira. Há os que procuram influir por meio de informações mais completas. Proclamam segredos nos quais eu não toco, descrevem discursos, sobre os quais eu não disse uma única palavra e que eles parecem ter ouvido antes mesmo dos Padres do Concílio.

Descrevem “sensações profundas”; eu não me achava em minha janela quando essas sensações passaram. Durante o grande movimento, quem então não soube antes de mim o que se dizia na sala conciliar e adjacências, o que se tecia em Nápoles, o que ia acontecer em Paris? Em Roma, o redator-chefe de “L’Univers” não é nem mesmo o que se chama “um homem bem informado”.

Depois desta plena confissão do meu nada, aqueles que me dão a honra de temer a importância de “L’Univers” na Igreja devem ficar tranquilizados. Se algumas apreensões perduram em seu espírito, vão desaparecer.

Sou de velha data, o homem mais convencido filosoficamente do encanto e da vantagem de não ser nada. Do ponto de vista moral, esta tese se sustenta sozinha. Aquele que obedece à lei de Deus – verdadeira maneira de não ser nada – goza a alegria da tranquilidade e pode, se tiver essa fraqueza, saborear as da bravura. Não lhe falta ocasião de quebrar a soberba humana, de conhecer que aceitou um Senhor justo e poderoso. Garanto que é uma alegria. Frequentemente celebrei, por muito haver gozado delas, as graças do bom lugar daqueles que nada são: o bom lugar na calçada, sempre livre a quem quiser levantar-se bem cedo; lugar ao sol, lugar à sombra, lugar em que se pode ficar e que se pode deixar, lugar de onde podemos ver muito bem as coisas humanas e que deixa passar o desdém e a inveja, lugar em que temos mais chance de ser menos vistos pelo rei e melhor vistos por Deus! Mas não é isso todo o lucro de não ser nada. Não ser nada me parece o melhor, e mesmo o único modo de fazer qualquer coisa.

O homem que se propõe não ser nada e que vem a consegui-lo, resultado frequentemente difícil neste mundo, é aquele que realiza por si mesmo a maior soma de liberdade e que dá à sua liberdade a maior soma de atividade. Possuidor definitivo de sua liberdade, reúne-a e concentra-a por assim dizer toda inteira em um canal em que ela adquire uma força de movimento e de peso que a torna irresistível ao serviço da verdade. Deus tomou para seus operários de escol os homens que desejaram e souberam não ser nada; foi por suas mãos que Ele fez e refez no mundo todas as obras de grande sequência e de grande fecundidade. Os santos são homens que, sendo os que melhor souberam não ser nada, fizeram mais coisas. São assim os homens que foram verdadeiramente livres, os verdadeiros reis da terra! Desejar e saber não ser nada é um tal instrumento de ação que produz maravilhas, mesmo na ausência da santidade. Com a parcela de um santo, há ainda com que abastecer um grande homem; a sombra de uma das virtudes que compõem a santidade suscita ainda qualquer sombra dos prodígios que a santidade realiza. Afastar a ideia da fortuna basta para fazer a fortuna de uma ideia.

* * *

Tendo, portanto, o desígnio de fazer qualquer coisa, felizmente compreendi que, para fazê-la, era necessário primeiramente não ser nada, e persistir disposto a nada ser, nem subprefeito, nem acadêmico, nem outra coisa.

Dou esta nota ao “Français”. Para o jornalista católico, uma boa resolução de não ser nada vale o talento e já abre caminho para um certo talento. Ela alarga o coração, nele mantendo um fogo que acaba por subir ao espírito. Aquele que se dispuser a não ser outra coisa que um escritor azedo e altivo, subirá a algum mérito se abjurar a ambição de se tornar subcomissário, subprefeito, sub-acadêmico. Podeis vos jactar de tudo isto; sereis tudo isto; mas se desejais que vosso jornal viva, ele não viverá!

Por mais forte razão se torna necessário renunciar a se tornar importante na Igreja. E que importância um leigo deseja ter na Igreja? Será o propósito de um idiota. Designar os bispos? Será necessário ser ministro, e para se tornar Ministro, a primeira condição é de não ser fichado como demasiadamente convencido da existência de Deus. Inovar na doutrina? Não somos importantes nem qualquer coisa a não ser obedecendo-a.

Temos tido bastantes exemplos do crédito que podem conservar na Igreja esses homens, mesmo eminentes, que se afastam da submissão. Cambaleiam, caem, não são mais reconhecidos. Para os fazer descer da altura em que a obediência os havia alçado, não é necessária uma ordem, um gesto é quase supérfluo. O ouvido católico apenas tem necessidade de ouvi-los, assim como a lisonja estranha que lhes é dirigida. Ele discerne a alteração da doutrina, desvia-se e tudo está acabado. Eis a influência que se possui na Igreja depois de vinte ou trinta anos de serviços brilhantes. E Deus seja mil vezes bendito! Em nossos dias, quando os falsos doutores podiam ser tão perigosos, Ele espalhou entre nós essa delicadeza inquieta sobre o artigo da submissão. Escutamos o Mestre, olhamos unicamente para o Seu lado, e quem quer que não esteja perfeita e estreitamente com Ele, não é nada para nós. Mil vezes desgraçado, sem dúvida, mas mil vezes insensato aquele que se afasta e que crê poder ser ainda alguma coisa e contar com alguém!

Resta portanto a influência do pensamento ortodoxo e da obediência completa. Quem é juiz dessa influência e por que o juiz não a tolera? Que se tem a temer se ele a tolera? Será que ele perde o direito de a condenar e o poder de a abater no caso em que ela vier a se desgarrar?

Creio haver agora estabelecido de modo completo que a Igreja continua a ser governada pelo Papa, e que os redatores de “L’Univers”, depois do Breve do Papa, continuam como dantes gente muito pequena, sem nenhuma probabilidade e nenhum desejo de jamais ser outra coisa. Entretanto, visto que abordei este capítulo, não creio dever deixar que se suponha que a meus olhos “L’Univers” não é nada. Tenho dele outra concepção. Já toquei neste ponto ao responder uma vez a alguém que nos colocava demasiadamente baixo – não sei se foi o sr. Falloux ou o sr. Janicot – desejo voltar ao assunto” (Extraído de “Rome pendant le Concinle”).


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