Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera

De Lutero a Stalin

 

 

 

 

 

Legionário, 18 de junho de 1944, N. 619, pag. 5

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O espírito herético sempre gerou o panteísmo e, através deste, o socialismo e o comunismo. É um fato que se repete até à monotonia na história das várias tentativas feitas para minar a sã doutrina católica.

Desta lei não está livre o protestantismo. Dele saiu o Estado totalitário socialista em sua forma moderna.

O LEGIONARIO sempre insistiu nesta tese, paralelamente a outra não menos importante segundo a qual nunca acreditamos na oposição entre nazismo e comunismo, por serem ambos irmãos gêmeos, filhos da mesma desordem do livre-exame.

Hoje, a título documentário, transcrevemos o que sobre este assunto já escrevia Auguste Nicolas há noventa anos. Mostra ele as raízes protestantes do socialismo moderno então nascente e chama em testemunho desta verdade o próprio depoimento de um sectário socialista que foi o Karl Marx francês.

Melhor se compreenderá a atual ofensiva pan-herética e cismática em favor do comunismo soviético depois de ler esse arrazoado de Louis Blanc, em que a Igreja católica aparece como sinônima de Opressão e Tirania – é o protestantismo como o movimento salvador das “liberdades” reivindicadas pela Revolução Francesa.

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Louis Jean Joseph Charles Blanc (1811-1882), historiador e político francês

“A queda da autoridade na ordem sobrenatural acarretou a queda da autoridade na ordem social. O homem cessou de ter direitos sobre o homem; e se ele o domina, é apenas pela força. Esta deve necessariamente tornar-se tirânica e violenta, para obter uma sujeição que não mais tem objeto moral e que cessou de ser voluntária.

A liberdade, por seu lado, não mais consistindo nessa submissão voluntária à autoridade e na atividade no seio da ordem que dela deriva, não passa de uma resistência ao poder desprovido de autoridade; não passa de insurreição e revolta. A superioridade, a desigualdade de condições e de riqueza, não mais sendo consagradas e justificadas pela ordem providencial, perdem sua razão de ser. A igualdade de natureza, reduzida a si própria, acarreta a igualdade de direitos em tudo. O socialismo que pretende regular a satisfação desses direitos de acordo com as aptidões, é, ele próprio, demasiadamente social, e o comunismo mais selvagem é o fim lógico a que vai chegar o mundo afastado da autoridade.

Se ao menos o que resta de Cristianismo na alma dos povos modernos, depois de desaparecido o princípio de autoridade, pudesse temperar essas consequências desastrosas! Mas, pelo contrário, não serve senão para fomentá-las pelo sentimento de grandeza que o Cristianismo colocou no fundo de nossa natureza, que não permite às sociedades modernas o grande recurso da escravatura, sobre a qual viviam as sociedades antigas; e pelas noções de liberdade, de igualdade e de fraternidade humana, que, não mais sendo reguladas e objetivadas pela Fé, se tornam tão funestas quanto deviam ser salutares, fazem do remédio veneno, e colocam o próprio poder do céu nas mãos do inferno para talar (destruir, devastar) a terra.

Eis o que devia sair do princípio do Protestantismo mais cedo ou mais tarde; não era senão questão de tempo. Eis o que sairia logo no início, se, para continuar a viver, o protestantismo não tivesse sido forçado a ser incoerente.

Não o pode ser de modo suficiente para impedir que, desde seu nascimento, dele saíssem diretamente o Socialismo e o Comunismo, tais como hoje nos ameaçam.

Puseram então toda a Alemanha em fogo e sangue, pela célebre guerra dos camponeses, seguida da dos Anabatistas, sob a direção de Nicolas Storck, de Münzer e de João de Leyde. Eis como a isso se refere um escritor protestante O’Callaghan: “Os primeiros reformadores proclamaram o direito de interpretar as Escrituras segundo o julgamento particular de cada um; as consequências foram terríveis... O julgamento particular de Münzer descobriu na Escritura que os títulos de nobreza e as grandes propriedades são uma usurpação ímpia e ele convidou seus sectários a examinar se tal era a verdade. Os sectários examinaram a coisa, louvaram a Deus, e procederam em seguida a ferro e fogo à extirpação dos ímpios e se apossaram de suas propriedades. – Chegou nossa vez de ser senhores! diziam os camponeses a cada nobre que faziam prisioneiro. – O juízo particular acreditou também haver descoberto na Bíblia que as leis estabelecidas eram uma permanente restrição à liberdade cristã e eis que João de Leyde, jogando fora suas ferramentas, se coloca à frente de uma populaça fanática, surpreende a cidade de Münster, proclama-se a si próprio rei de Sião e liga-se simultaneamente a quatorze mulheres, assegurando que a poligamia é uma das liberdades cristãs, etc.”.

Lutero, vendo sua obra ameaçada em seu berço por suas próprias consequências, tentou em vão desautorá-los. Não pode responder senão pela mais impiedosa força aos anarquistas desenfreados, que se diziam, a justo título, autorizados por sua doutrina, por seu nome e por seus escritos: “Nesse tempo, diz Bossuet, toda Alemanha estava em fogo. Os camponeses, revoltados contra seus senhores, haviam pegado em armas e imploravam o socorro de Lutero.”

Além de seguirem sua doutrina, pretendia-se que seu livro “Da Liberdade Cristã” muito havia contribuído para lhes inspirar a rebelião, pela maneira áspera com que falava contra os legisladores e contra as leis. Porque, ainda que ele procurasse salvar-se, dizendo que não queria se referir nem aos magistrados nem às leis civis, era verdade, entretanto, que ele confundia os príncipes e os potentados com o Papa e os Bispos. E afirmar de modo geral, como ele fazia, que o cristão não estava sujeito a homem algum, era, esperando interpretação, alimentar o espírito de independência nos povos, e fornecer vistas perigosas a seus condutores” (Hist. des Variations, liv. II, XI).

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É curioso vermos como o condutor letrado do socialismo moderno, Louis Blanc, justifica essa sábia observação de Bossuet, ao perceber no Protestantismo essas vistas perigosas de que fala o grande pensador.

A revolução, diz ele, que preparada pelos filósofos, continuada pela política, não se completará a não ser pelo Socialismo, devia naturalmente começar pela teologia. A usurpação condenara, então, sob o nome de heresia, o que, em nossos dias, ela condena sob o de revolta. –  O século dezesseis foi o século da inteligência em revolta; ele preparou, começando pela Igreja, a ruína de todos os antigos poderes: eis o que o caracteriza. Tais foram os primitivos dados do Protestantismo. E, quanto a suas consequências, já não as pressentis? Esse Papa que se pretende derrubar, é um rei espiritual, mas enfim é um rei. Caído por terra, outros o seguirão. Porque se acaba com o princípio de autoridade, por pouco que ele seja atingido em sua forma mais respeitada; em seu representante mais augusto; e todo Lutero religioso lembra invencivelmente o Lutero político. – A autoridade das Escrituras era apenas um vão paliativo. Que servia afirmar a infalibilidade das Escrituras, quando se negava o direito da Igreja de lhe dar o sentido? Colocado sem comentário sob os olhos da multidão, poderia o texto santo deixar de desencadear uma luta ardente, em que cada um daria o testemunho e o orgulho de sua razão? Lutero e Calvino foram faltos de lógica e de audácia: haviam invocado a soberania da razão contra Roma, não contra as Escrituras. Não falharam menos na política e nas aplicações sociais. O povo sofria pela alma e pelo corpo, era supersticioso e miserável: dupla servidão a destruir! Estender-lhe-á Lutero a mão? Não; porque nesse revolucionário perdurava o monge. Em seu livro “Da Liberdade Cristã”, ele trata principalmente da liberdade espiritual e interior, e parece tirar partido da sujeição de uma metade de homem, deixando fora de sua revolta todo o lado material da humanidade.

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Quando Lutero entreviu tudo que podia devorar e conter esse fosso que ele havia aberto, quando os pressentimentos de seu gênio lhe mostraram, ao longe, todos esses prelados, todos esses reis, todos esses príncipes, todos esses nobres, de mãos dadas, um após outro, multidão solidária, e caindo enfim em uma queda comum... Lutero recuou espavorido. Eis porque se apressou em separar a alma do corpo, apontando aos golpes dos povos sublevados apenas as tiranias espirituais, e querendo que as tiranias temporais permanecessem invioláveis... Mas não se detém o pensamento em revolta e em marcha. Reclamar a liberdade do cristão conduz a reclamar a liberdade do homem. Lutero, querendo-o ou não, conduz diretamente a Münzer. O grito que ele havia dirigido contra Roma, milhares de vozes o iam repetir contra os reis, os príncipes, os desprezadores do povo, os opressores do pobre: eis-nos em plena guerra dos camponeses; eis-nos no prólogo da Revolução Francesa. Doutrina da fraternidade humana proclamada no tumulto dos campos e das praças públicas, convicções santas e entretanto ferozes, devotamento sem limites, cenas de terror, suplícios, grandes homens desprezados, príncipes de origem celeste lançados em vão no sangue de seus defensores, eis por quais traços a Revolução Francesa se anuncia na guerra dos camponeses, eis por qual traço inflamado teremos que seguir na história o espírito de nossos pais!” (História da Revolução Francesa, tomo I).

E é assim que através de três séculos o socialismo e o Protestantismo, Louis Blanc e Lutero, se abraçam” (Auguste Nicolas – Du Protestantisme et de toutes les hérésies dans leur rapport avec le Socialisme).

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E é assim também que hoje Lutero e Stalin se abraçam. Stalin, o “cristão”, que segundo declarações de um cismático russo à imprensa carioca, assiste contrito, às cerimônias religiosas oficiais...


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