Plinio Corrêa de Oliveira

 

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Ad imortalitatem

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 25 de junho de 1944, N. 620, pag. 2

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Está causando alguma celeuma a questão dos direitos autorais póstumos de Humberto de Campos. Como já é do conhecimento público, apareceu no interior de Minas um rapaz caboclo que, dizendo-se movido pelo espírito daquele escritor, começou a escrever livros. Vai daí, a família de Humberto de Campos se propõe a receber os direitos autorais relativos às obras “astrais” de seu falecido chefe. E é precisamente aí que o carro pega, porque o caboclinho de Minas, embora proclamando publicamente não ser o autor das tais obras, reivindica, contudo, para si os direitos autorais.

Evidentemente, não resolve a questão a solução eminentemente sabida de afirmar que a lei sobre direitos autorais só se refere aos autores vivos, e não aos mortos. Esta história de matar um caso complicado pelas preliminares, não entrando no mérito, é um gesto hábil de certos juristas, para tirarem o corpo e não se comprometerem com questões espinhosas. Para não acenderem uma vela a Deus e outra ao diabo, não acendem logo de uma vez nenhuma vela, o que além de tudo é sobremaneira econômico e recomendável nestes tempos de racionamento. Fala-se sobre o assunto, e não se diz nada.

Outros, porém, preferiram fazer abstração do complicado problema jurídico dos direitos autorais e consideraram apenas o fato em si. Teria mesmo o caboclo mineiro recebido comunicações mediúmicas de Humberto de Campos, ou teria ele mesmo escrito o livro, impingindo-o sob a responsabilidade do conhecido escritor, não mais em condições de protestar? Ora, respondem, se o livro atribuído ao espírito de Humberto de Campos não for de Humberto de Campos, seria, preciso reconhecer que o caboclo mineiro é dotado de singular talento literário, bem merecedor de uma cadeira no “Petit Trianon”... E, nas reticências, enroscam a insinuação malandra.

Isto, porém, vem deixar a provecta Academia de Letras num difícil impasse. Se os imortais falecidos dão de continuar a escrever, como renovará a Academia os seus quadros? Onde as vagas, com que homenagear os notáveis da época? E, depois, qual a legitimidade dos sucessores, a ocupar lugares não desocupados? Seria preciso desdobrar a Academia, e, além da Academia Barão de Drummond, fundar também uma Academia Alan Kardec. Ou então, aceitando-se a tese católica de que tais livros póstumos só podem ser obra do diabo ou da fraude, seria necessário criar uma cadeira para Satanás ou para... mas para quem? Depois disso, só ficaria faltando uma cadeira para o Zebu. Vade retro!


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