Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera
 
Um recuo estratégico

 

 

 

 

 

Legionário, 15 de outubro de 1944, N. 636, pag. 5

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Desmantelados os planos daqueles que desejavam dominar a humanidade através do totalitarismo cru dos moldes nazistas, voltam-se eles ao “slogan” revolucionário da “liberdade, igualdade e fraternidade” para completar a obra de dissolução dos últimos núcleos de resistência contra o cesarismo pagão. Falhou o primeiro golpe, por prematuro. De modo que manda a prudência que se continue a mistificar o mundo com estas palavras que as forças do mal tomam num sentido, e as pessoas honestas noutro. Assim, por exemplo, a igualdade revolucionária não é a que nos ensina a Igreja, isto é, a igualdade que temos de nossa comum origem e de nosso destino comum, mas a igualdade social, aquela que deve abolir toda hierarquia e por consequência toda autoridade, fazendo reinar a anarquia, que é o clima propício para o aparecimento dos déspotas totalitários.

Deu-se o fenômeno na Itália com Mussolini, na Alemanha com Hitler, na Rússia com Lenine e Stalin. Dar-se-á amanhã em escala maior, quando se julgar favorável o momento para o grande golpe. Surgirá então o grande Omniarca, previsto por Veuillot como o futuro dominador do mundo.

* * *

Diante desse novo surto demagógico, que sustenta que a humanidade não pode regredir e que, portanto, os ideais revolucionários continuarão sua marcha, é oportuno relembrar o que diz a Igreja sobre este assunto, e através de admirável síntese contida na Encíclica “Parvenu à la vingtcinquième année”, em que Leão XIII passa em revista todo seu pontificado. Mostra o Soberano Pontífice que a salvação do mundo não se acha nesses valores parciais e deturpados, mas na volta ao cristianismo, volta, que de nada valerá se não implicar em um retorno à Igreja, pois só na Igreja existe não somente a verdadeira igualdade, a verdadeira fraternidade, a verdadeira liberdade, mas todo o conjunto harmônico de valores necessários à conservação do fim último do homem e da conquista da verdadeira felicidade.

 

 

Monumento que o Bem-aventurado Papa Pio IX erigiu em homenagem aos zuavos pontifícios no cemitério do Verano (Roma)

Depois de descrever o triste regredir da humanidade desde os funestos dias da pseudo-reforma protestante, diz Leão XIII:

“Diante da imensidade dos males que oprimem a sociedade e dos perigos que a ameaçam, Nosso dever exige que admoestemos uma vez mais os homens de boa vontade, sobretudo aqueles que ocupam os lugares mais elevados, e que os conjuremos, como fazemos neste momento, a refletir nos remédios que a situação exige e com uma energia previdente, os aplicar sem tardar.

“Antes de tudo é necessário indagar quais esses remédios e investigar o valor. A liberdade e seus benefícios, eis o que primeiro ouvimos louvar até às nuvens. Nela exaltava-se o remédio soberano, incomparável instrumento de paz fecunda e de prosperidade. Mas os fatos demonstraram luminosamente que ela não possuía a eficácia que se lhe emprestava. Os conflitos econômicos, as lutas de classes se acendem e fazem irrupção de todos os lados, e não se vê nem mesmo brilhar a aurora de uma vida pública, onde a calma impere. Demais, e todos o podem constatar, tal como se entende hoje, isto é, indistintamente dada à verdade e ao erro, ao bem e ao mal, a liberdade termina senão por rebaixar tudo quanto há de nobre, de santo, de generoso, e abrindo mais amplamente o caminho ao crime, ao suicídio e a turba abjeta das paixões.

“Assegurou-se também que o desenvolvimento da instrução, tornando as massas mais polidas e mais instruídas, seria suficiente para as premunir contra as suas tendências malsãs e para as reter nos limites da integridade e da probidade. Não estamos, porém, diante duma dura realidade que todos os dias nos faz tocar com os dedos a inutilidade de uma instrução desacompanhada de uma sólida formação religiosa e moral? Em consequência da sua inexperiência e da fermentação das paixões, o espírito dos jovens sofre a influência das doutrinas perversas. Ele se impregna sobretudo dos erros que um jornalismo sem freios não teme semear à mãos cheias, e que, depravando ao mesmo tempo a inteligência e a vontade, alimenta na mocidade esse espírito de orgulho e de insubordinação que agita, tantas vezes a paz das famílias e a tranquilidade das cidades.

Confiou-se também em larga escala nos progressos da ciência. De fato, o século passado presenciou enormes progressos nas ciências, progressos inesperados alguns, mesmo surpreendentes. Mas é verdade que esses progressos nos trouxeram plena e reparadora abundância dos frutos que um tão grande número de homens esperava? Sem dúvida o voo da ciência abriu novos horizontes a nosso espírito, aumentou o domínio do homem sobre as forças da matéria e a vida neste mundo tornou-se mais suave em vários pontos. Entretanto, todos sentem e muitos confessam que a realidade não esteve à altura das esperanças. Esse fato não mais pode mesmo ser negado, se se leva em conta o estado dos espíritos e dos costumes, a estatística criminal, os surdos rumores que se elevam e a predominância da força sobre o direito. Para não falar ainda das multidões vítimas da miséria, é suficiente relacionar o olhar mesmo superficialmente sobre o mundo, para constatar que uma indefinível tristeza pesa sobre as almas e que há um vazio imenso nos corações. O homem pôde submeter a matéria, mas a matéria não lhe pôde dar o que não possui; as grandes questões relacionadas com nossos mais altos interesses, a ciência humana não pôde responder; a sede de verdade, de bem, de infinito que nos devora, não foi saciada e nem as alegrias e os tesouros da terra, nem o acréscimo de bem estar na vida puderam adormecer a angústia moral no fundo dos corações.

Deve-se então desprezar ou deixar de lado as vantagens trazidas pela instrução pela ciência, pela civilização e por uma sábia e doce liberdade? Não, certamente. É necessário, pelo contrário, tê-las em grande conta, conservá-las e aumentá-las como um capital valioso, pois constituem meios bons em sua natureza, desejados pelo próprio Deus e ordenados pela infinita sabedoria para o bem e proveito da humanidade. Mas é preciso subordinar o seu uso às intenções do Criador, e agir de modo que não sejam jamais separados do elemento religioso, no qual reside a virtude que lhes confere, com um valor particular, a sua verdadeira fecundidade. Tal é o segredo do problema.

“Quando um ser orgânico perece e se corrompe, é porque ele deixou de estar sob a ação das causas que lhe haviam dado sua forma e sua constituição. Para fazê-lo são e florescente, não há dúvida que é preciso submetê-lo de novo à ação vivificante dessas mesmas causas. Ora, a sociedade atual, na louca tentativa que fez para fugir de seu Deus, abandonou a ordem sobrenatural e a revelação divina; ela se subtraiu, assim, à salutar eficácia do cristianismo, que é manifestamente a garantia mais sólida da ordem, o lado mais forte da fraternidade e a inesgotável fonte das virtudes particulares e públicas.

“Deste sacrifício nasceu a agitação que a corrói atualmente. É, portanto, para o seio do cristianismo que esta sociedade desencaminhada deve voltar, se seu bem-estar, seu repouso, sua salvação lhe são preciosos.

Assim como o cristianismo não penetra em uma alma sem a melhorar, assim também ele não entra na vida pública de um povo sem a ordenar. Com a ideia de um Deus que rege tudo, que é sábio, infinitamente bom e infinitamente justo, Ele inculca na consciência humana o sentimento do dever, dulcifica o sofrimento, acalma os ódios e forma os heróis. Se Ele transformou a sociedade pagã – e esta transformação foi uma verdadeira ressurreição, pois a barbárie desapareceu à proporção que o cristianismo se estendeu – Ele saberá também do mesmo modo, depois dos terríveis abalos da incredulidade, recolocar no verdadeiro caminho e reinstaurar, na ordem os Estados modernos e os povos contemporâneos.

“Mas isto não é tudo: o retorno ao cristianismo não será remédio eficaz e completo se ele não implicar à volta a um amor sincero à Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica. O cristianismo só se incarna, com efeito, na Igreja Católica; se identifica com esta sociedade espiritual e perfeita, soberana na sua esfera, que é o corpo místico de Jesus Cristo, e que tem por chefe visível o Pontífice romano, sucessor do Príncipe dos Apóstolos. Ela é a continuadora da missão do Salvador, a filha e a herdeira de sua redenção; Ela propagou o Evangelho e o defendeu com o preço de seu sangue; e, forte pela assistência divina e pela imortalidade que lhe foram prometidas, nunca transigindo com o erro, Ela permanece fiel ao mandado que recebeu de levar a doutrina de Jesus Cristo através deste mundo, e nele conservá-la, em sua integridade inviolável até o fim dos séculos. Legítima dispensadora dos ensinamentos do Evangelho, Ela não se revela somente como a consoladora e a redentora das almas; Ela é ainda a fonte eterna da justiça e da caridade, e a propagadora ao mesmo tempo que a guardiã da liberdade verdadeira e da única igualdade que é possível aqui na terra.

“Aplicando a doutrina de seu divino Fundador, Ela mantem um sábio equilíbrio e traça justos limites entre todos os direitos e todos os privilégios na sociedade, igualdade que Ela proclama, não destrói a distinção das diferentes classes sociais; Ela a deseja intacta porque evidentemente a própria natureza assim requer. Para impedir a anarquia da razão, emancipada da fé e abandonada a si própria, a liberdade que Ela concede não lesa nem os direitos da verdade, porque são superiores aos da humanidade.

Nos lares, a Igreja não é menos fecunda em bons resultados. Pois Ela não somente resiste aos artifícios perversos que a incredulidade põe em ação para atentar contra a vida da família, mas Ela ainda prepara e salvaguarda a união e a estabilidade conjugal, da qual Ela protege e desenvolve a honra, a fidelidade e a santidade.

Ela sustém e consolida ao mesmo tempo a ordem civil e política, trazendo por um lado um auxílio eficaz à autoridade, e por outro favorecendo as sábias reformas e as justas aspirações dos súditos, impondo o respeito aos príncipes e a obediência que lhes é devida, defendendo os direitos imprescritíveis da consciência humana, sem jamais se fatigar. E é assim que graças à Igreja, os povos submetidos à sua influência não tiveram que temer a servidão, pois Ela reteve os príncipes no caminho da tirania.

“Perfeitamente consciente desta eficácia divina, desde o começo de Nosso Pontificado Nós nos esforçamos cuidadosamente em trazer para a luz e fazer ressaltar os benéficos desígnios da Igreja, e em estender o mais possível, com o tesouro de suas doutrinas, o campo de sua salutar ação.

Tal foi o fim dos principais atos de Nosso Pontificado, notadamente das Encíclicas sobre a “Filosofia Cristã”, “Liberdade humana”, “Casamento cristão”, “A Franco Maçonaria”, ”Os Poderes Públicos”, “A Constituição cristã dos Estados”, “O socialismo”, “A Questão operária”, “Deveres dos cidadãos cristãos”, e sobre outros assuntos análogos. Mas o voto ardente de Nossa alma não foi somente aclarar as inteligências; Nós procuramos ainda comover e purificar os corações, aplicando todos Nossos esforços para fazer reflorir no meio dos povos as virtudes cristãs. Também não cessamos de prodigalizar os encorajamentos e conselhos para elevar os espíritos até os bens imperecíveis e para que os homens aprendam a subordinar o corpo à alma, a peregrinação terrestre à vida celeste e o homem a Deus.

“Abençoada pelo Senhor, Nossa palavra pode contribuir para fortalecer as convicções de um grande número de homens, para esclarecê-los ainda mais no meio das dificuldades das questões atuais, para estimular seu zelo e promover as obras mais variadas. É sobretudo para o bem das classes deserdadas que essas obras surgiram e continuam a surgir ainda em todas as nações, pois se viu reavivar-se essa caridade cristã que sempre encontrou entre o povo seu campo de ação predileto. Se a colheita não foi mais abundante, Veneráveis Irmãos, adoremos a Deus, misteriosamente justo e supliquemo-lo ao mesmo tempo que se compadeça da cegueira de tantas almas, as quais pode ser aplicada a assustadora palavra do Apóstolo: “Deus, hujus saeculi excaecavit mentes infidelium, ut non fulgeat illis illuminatio evangelli gloriae Christi – Deus cegou as mentes dos infiéis deste século, a fim de que não brilhe para eles a luz do Evangelho e da glória de Cristo” (II Cor. IV, 4)

Mais a Igreja católica amplia o seu zelo pelo bem moral e material dos povos, mais os filhos  das trevas se levantam raivosamente contra Ela e recorrem a todos os meios a fim de empanar sua beleza divina e paralisar sua ação de vivificante reparação.

“Quantos sofismas não propagam eles e quantas calúnias!

Um de seus artifícios os mais pérfidos consiste em repetir sem cessar aos povos ignorantes e aos governos invejosos que a Igreja é contrária aos progressos da ciência, é hostil à liberdade, que o Estado vê seus direitos usurpados por Ela e que a política é um campo que Ela invade a cada passo. Acusações insensatas que foram repetidas mil vezes e que mil vezes foram refutadas pela reta razão, pela história e com elas por todos os que têm um coração honesto e amigo da verdade.

“A Igreja inimiga da liberdade? Ah! como se mascara a ideia de liberdade, que tem por objeto um dos dons mais preciosos de Deus, quando se explora seu nome para justificar o abuso e o excesso! Que se deve entender por liberdade? A isenção de todas as leis, o afrouxamento de todos os freios e, como corolário, o direito de ter como guia de todas as ações o capricho? Esta liberdade, a Igreja a reprova certamente, e com Ela todos os corações honestos. Mas aclama-se na liberdade a faculdade racional de fazer o bem largamente, sem entraves e, segundo as regras que foram postas pela justiça eterna? Esta liberdade, que é a única digna do homem e a única útil à sociedade, ninguém a favorece, encoraja e protege mais do que a Igreja. Pela força de sua doutrina e eficácia de sua ação, esta Igreja, com efeito, que livrou a humanidade do jugo da escravidão, pregando ao mundo a grande lei da igualdade e fraternidade do homem. Em todos os séculos, Ela tomou a defesa dos fracos e oprimidos contra a arrogante dominação dos fortes; reivindicou a liberdade da consciência cristã, derramando o sangue de seus mártires; restituiu à criança e à mulher a dignidade e as prerrogativas de sua nobre natureza, fazendo-as participar, em nome do direito, do respeito e da justiça; e concorreu assim grandemente para introduzir e manter a liberdade civil e política no seio das nações”.


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