Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera

O dever do laicato

 

 

 

 

 

Legionário, 3 de dezembro de 1944, N. 642, pag. 5

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Neste primeiro centenário do Apostolado da Oração, desejamos prestar nossa homenagem à grande obra que aqui teve no Padre Bartolomeu Taddei o seu grande batalhador, transcrevendo um oportuníssimo trecho do estudo que o saudoso Monsenhor Passalacqua apresentou ao Primeiro Congresso Católico Brasileiro, reunido na Baía no ano de 1900. Esse Congresso foi promovido pelo Apostolado da Oração e teve como principal animador o mesmo piedoso Jesuíta, Padre Taddei.

Como veremos, as palavras proferidas por Monsenhor Passalacqua no limiar deste século encontram ressonância perfeita nos tempos atuais, em que a Hierarquia conclama os fiéis a cerrarem fileiras nas hostes da Ação Católica, para o triunfo de Nosso Senhor Jesus Cristo e de Sua Igreja no seio da sociedade.

* * *

Padre Bartolomeu Taddei (1837-1913)

“Pelo que acabamos de dizer, bem se pode inferir que o homem não pertence somente à sociedade civil, como não pertence somente à família, mas pertence também à sociedade religiosa, que todas se devem harmonizar quanto aos fundamentos; e, quanto à prática, auxiliar-se mutuamente para o bem geral. O Estado tem por obrigação principal fazer que a religião seja santa e inviolavelmente observada, cujos deveres unem o homem a Deus (1) nas manifestações da vida humana social, e é um absurdo monstruoso, que perturbará a marcha da nação toda à indiferença nesse sentido; que o Estado não pode e não deve separar-se da Igreja, assim como esta do Estado, é doutrina católica (2).

Escuso-me de estudar com o leitor a nossa legislação pátria atual. Todos a conhecem e sabem que ela, não sendo um produto da forma de governo que nos rege, é, todavia, filha de convicções sectárias, em um dado momento triunfantes no meio da turbação de circunstâncias ainda não esquecidas. Essa legislação, sem uma modificação profunda ou melhor, eliminação que todos esperamos, há de comprometer necessariamente a própria sorte da República. O enxerto parasitário, que se fez nas leis fundamentais e que dá ao Estado uma feição irreligiosa, não pode subsistir; antes confiamos que os nossos homens de Estado eliminarão como elemento dissolvente esse hibridismo, e restituirão o caráter que é próprio da nação. Com essa restituição, de plena justiça, exultará o inteiro povo brasileiro.

Não entra no nosso plano escrever nesta ocasião, um tratado de direito Público, em que estudássemos a necessidade, fim e excelência da sociedade religiosa; mostrássemos, o que não fora difícil, que essa sociedade perfeita é tão somente a Igreja de Jesus Cristo, em outras palavras, a Igreja católica; evidenciássemos a independência do poder eclesiástico, os direitos inauferíveis da Igreja e que se deve entender por liberdade de consciência, de cultos e de imprensa, bem como os deveres e mútuos serviços da Igreja e do Estado.

Para isto, basta que remetamos o leitor para a encíclica Sapientiae Christianae do Santo Padre Leão XIII, de fevereiro de 1890, e outros documentos pontifícios.

O que queremos e que, de preferência, todos os católicos deveriam ter presente, é, muito de passagem, despertar nos espíritos o estado da questão nas condições atuais em que se acha a Igreja no Brasil, e de um modo especial, a missão dos Leigos católicos nesta conjuntura. É a vós, srs. católicos, que mais se dirigem as nossas palavras. Esperamos recebê-las-eis de boa mente e de grande ânimo. Não é uma solução partidária que aventuramos e muito menos o desrespeito aos poderes constituídos; pelo contrário, queremos a concentração de todos os elementos católicos para a reivindicação metódica e desapaixonada, leal e carinhosa, no intuito de influir muito eficazmente nos destinos da nação. É este o pensamento do Santo Padre Leão XIII na sua Carta aos Arcebispos e Bispos Brasileiros, de setembro do ano passado.

*

A Sociedade cristã é um corpo único, que tem um chefe também único, que é Jesus Cristo, verdadeiro Deus.

Essa chefia Ele a exercita por seus representantes – o Principado sagrado e o Principado civil, de conformidade com o fim eterno e o fim temporal do homem.

Sempre se compreendeu a necessidade de viverem em harmonia os dois Principados. A espada contribuir para defender o báculo, é, por força dessa harmonia, a divisa dos governos civis, assim como a Igreja tem por missão encaminhar, com sua força divina, os homens ao cumprimento de seus deveres sociais.

Por uma aberração de princípios, alguns governos têm modificado, em parte ou integralmente, essa política salvadora, tomando o Estado a representação da soberania de Jesus Cristo e substituindo esta pela soberania do homem; retirou, portanto, sua proteção e defesa, deixando, pode-se dizer, a Igreja, na ordem civil, entregue ao apoio de seus filhos.

Filhos da Igreja sofremos essa dolorosa injustiça que não deixa de clamar ao Céu. Nessa situação, hoje mais do que nunca, se faz absolutamente indispensável que se definam as posições. E essa definição está principalmente em assentar, em bases sólidas, que todos somos filhos da Igreja, a qual se compõe não só de eclesiásticos - membros do Clero –, mas de todos os leigos - pessoas seculares e fiéis de Jesus Cristo. Cumpre notar que esta parte é de fato a mais extensa e a mais poderosa, representando, no seio da mesma Igreja, o que, na sociedade civil, se chama a multidão dos cidadãos. O Clero, nos diversos graus hierárquicos, é - sem dúvida - o elemento formal da sociedade cristã; os leigos, porém, são, por assim dizer, o elemento material. Estes são governados em ordem à salvação; aquele o encarregado de governar e de dirigir em ordem ao bem espiritual e eterno dos povos; todos que recebemos o santo Batismo, somos membros da Igreja, desse grande corpo, cuja cabeça é Cristo (3). Assim como cada membro, ensina o célebre P. Liberatore (4), é obrigado a cooperar para a saúde e bem-estar do corpo físico ou moral, assim também é claro que todos – Clérigos e leigos – devem cooperar, na medida de suas faculdades, para a salvaguarda e bem estar da Igreja.

É sabido que as partes estão para o todo, como os meios estão para o fim, e que o bem-estar de todos também o é das partes, como o fim caracteriza a natureza dos meios. É a lei que preside sempre que a Pátria, por exemplo, exige a cooperação de seus filhos até o imposto do sangue.

Será necessário que exponhamos os infinitos benefícios que recolhemos de ser filhos da Igreja?

Todos vós os sentis, experimentais nos dias da vossa vida e no momento supremo de vossa passagem do seio da Igreja militante para o da Igreja triunfante. Não há, concordareis conosco, maior ventura, mesmo neste mundo, que se compare à de que gozam os filhos de Deus, que amam a Jesus Cristo, cujo sangue bendito, na expressão do cantor e filósofo cristão Dante, fez da Igreja sua esposa, e dos filhos desta seus próprios filhos.

A causa da Igreja é a causa de Jesus Cristo; os destinos de uma e de outra, são os nossos próprios destinos. Lembrai-vos da passagem famosa da conversão de Saulo: Saulo, Saulo quid Me persequeris? (5) Saulo, perseguindo a Igreja, era a Jesus Cristo que perseguia. Podemos dizer: quem trabalha pela Igreja, é por Jesus Cristo que trabalha.

Isto que dizemos, prova que em todas as circunstâncias, ainda nas de governos amigos e aliados da Igreja, os membros do Clero e todos os fiéis devem cada qual, segundo sua posição e influência, em qualquer esfera religiosa ou social, empregar a maior atividade em favor do catolicismo de que é depositária indefectível a Santa Igreja.

Agora, imaginai qual deve ser a nossa atitude ingente, em face da nossa ordem de coisas políticas, a pretexto das quais o Estado separou-se da Igreja brasileira! O dever privado de cada um não pode deixar, mesmo por espírito de acrisolado patriotismo, de converter-se em dever público, o dever particular em dever social. Antes desse rompimento poderíeis, de alguma maneira, confiar na observância das leis fundamentais do país, que só por inconsequência hostilizaram os interesses católicos. Agora, porém, que o nosso governo abdicou dessas mesmas leis, reverte por um princípio de direito público racional, a inciativa do bem-estar da Igreja para vós.

Os príncipes, os chefes de governos cristãos têm por missão providencial defender a Igreja de Jesus Cristo e ser fiéis em tudo à Sé Apostólica (6). Essa defesa e fidelidade não as têm, ao menos oficialmente os nossos chefes governamentais. Devemos, pois, tê-las nós, que, graças a Deus, não os acompanhamos na apostasia da nossa fé e da nossa Religião.

Cumpre, além disso, mostrar que os planos de Deus no governo do mundo não podem perecer, mesmo na sociedade civil; eles são essenciais à vida das nações.

Se por um erro, os homens de governo separaram o que Deus unira, essa separação não deve importar a irrealização das divinas vistas; conservemos nós essa união, empregando todos os meios ao nosso alcance para que ela se restabeleça, como convém, com feição oficial. Urge que Deus volte a imperar oficialmente, politicamente sobre os destinos civis. Eis o nosso desideratum, a nossa máxima aspiração. Será difícil? Não o acreditamos. Bastará para esse efeito um esforço de coesão dos nossos valores, direitos sociais e mesmo políticos que possuímos, e que nos são garantidos, como a todo o cidadão, pelas próprias leis vigentes. Não conseguiremos, no primeiro esforço, restabelecer os direitos de Jesus Cristo e de sua Igreja? Nem por isso nos devemos desalentar.

Trabalhemos sempre, dentro do respeito que devemos aos poderes constituídos, para arredar o que impede a reivindicação de direitos conculcados. O reconhecimento desses direitos é incontestavelmente uma aspiração nacional. Os próprios republicanos estão disso convencidos. O momento do Poder das trevas passou felizmente, para dar lugar à reflexão dos homens de Estado. Direis que a Lei fundamental encerra essas medidas de exclusão? E nós vos responderemos que, não sendo da essência do regime político estabelecido, essas medidas poderão ser dela rechaçadas. Tratando-se da salvação pública, faço justiça em pensar que todos se unirão, ainda com sacrifício da própria vontade e do que está feito.

Importa muito ao fim da ação católica distinguir as categorias dos Estados separados da Igreja: uns o são por simples negação, outros por influência do falso espírito liberal. Os primeiros não favorecem a Igreja, mas deixam-na completamente livre; os outros não só não a favorecem, mas lhe negam toda a liberdade, à excepção da que não lhe podem deixar de reconhecer.

Sem justificarmos a separação que vemos feita entre nós, que somos um povo católico e nação nascida e criada à sombra da Cruz de Jesus Cristo, parece-nos que até agora, ocupamos a primeira categoria, devido à sabedoria ocasional dos que nos têm governado. Isso, porém, não basta. É preciso, repetimos, volvermos aos foros de nação católica, de que não é lícito abdicar.

Assim, pois, a atitude dos católicos deve ser, como já indicamos, a de reivindicarem os direitos de nação católica; e, enquanto isso não se efetua, suprirem, por uma ação coletiva, à que nos falta por parte do Estado: é o Adjutor fidelis, associando-se o Laicato ao Clero em tudo quanto se refere aos interesses da Igreja, favorecendo seu ministério sagrado por todos os meios ao seu alcance, concorrendo para os atos do culto divino, afervorando-se no espirito cristão e na obediência às suas leis, na educação cristã dos filhos e em manter no pé conveniente toda a vida cristã e católica em suas múltiplas manifestações.

Para as circunstâncias atuais, se faz preciso que o Laicato católico apareça e se torne realmente poderoso aparecimento e poder que obterá pela união de forças, postas em contribuição sob a diretriz dos superiores eclesiásticos.”

(1) Leão Xlll, Encícl. Immortale Dei, 1º de nov. de 1885.

(2) Síllab. Prop. 55.

(3) Omnes nos in unum corpus baptisati sumus. – I Cor. XII, 13.

(4) Le Droit Publique Ecclésiastique.

(5) Act. IX, 3.

(6) Debes (...) advertere potestatem tibi non solum ad mundi regimen, se maxime ad Ecclesiae praesidium esse collatam.


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