Plinio Corrêa de Oliveira

 

Comentando...
 
Natal

 

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 24 de dezembro de 1944, N. 646, pag. 2

  Bookmark and Share

 

Mais uma vez a humanidade vai ter a doce experiência do Natal. Mais uma vez, neste deserto árido e monótono, nesta terra desolada em que vivemos, vai deslumbrar a flor pura e fresca do Natal. A humanidade vai passar a seu lado, vai sentir-lhe o perfume suave, deterá o passo um instante ao embalo de uma recordação longínqua que não chegará a tomar forma; e, mais uma vez, passará adiante, os olhos cheios da miragem ilusória que flutua sobre o deserto ardente e implacável.

Porém, neste curto instante, o filho pródigo sentirá mais uma vez brotar em sua alma a nostalgia do lar paterno. Mais infeliz, contudo não saberá reconhecer a fisionomia daquele que o chama. Sentirá, apenas, um inesperado refrigério em seu coração cansado, uma doçura estranha em seu peito exausto.

Que é isto?! O filho pródigo já desconfia desta voz indistinta que o envolve, põe-se em guarda contra este apelo que o seduz. Nada de ilusões! Ele já foi tão enganado, ele já se enganou tanto! Não, ele já sofreu muito, ele já tem muita experiência para estar acreditando nestas miragens. Que é, pois, esta fonte que quer brotar em seu coração? Porventura poderá brotar água da rocha? Não, os seus lábios não provarão desta água, nem os seus ouvidos esta música interior que agora começou a dilatar o seu espírito. Nada de miragens! A realidade, apenas a realidade! E a realidade está ali: são os porcos, e as bolotas que ele disputa aos porcos.

E, no entanto, a água viva está correndo e, no entanto, a música está vibrando. Sim, parece que, em outro tempo, houve uma paz tão cheia, houve um sabor tão leve de uma vida tão bela, e houve um aconchego tão terno, e houve uma segurança tão tranquila, e houve uma limpidez tão serena, e houve um azul tão profundo, e houve uma água tão clara, e houve uma brisa tão leve, e houve palavras tão amigas, e houve amor, e houve alegria, e houve um lar...

Não, não houve nada! O filho pródigo, coberto de andrajos e de lama, venceu, mais uma vez. Em vão aquela face quis formar-se ante seus olhos; ele já a dissipou cheio de ira. Não, aquele mistério luminoso jamais afrontará com seu esplendor a miséria do filho pródigo. Esta miséria é seu apanágio, é seu triunfo, é sua glória. Ele a defenderá enraivecido, contra tudo.

E ele passa adiante, os pés feridos, o coração ferido, sedento e esfomeado, os olhos ardentes, a cambalear sob o sol em fogo, sempre além, sempre além, até o dia em que possa dizer: “Bendito aquele que vem em nome do Senhor!”


Bookmark and Share