Plinio Corrêa de Oliveira

 

A Mensagem de Natal - IV

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 28 de janeiro de 1945

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Mostrávamos em nosso último artigo que a democracia, no Ocidente, tinha evoluído em termos que tornavam extraordinariamente difícil aos católicos tomarem posição perante ela. Como democracia, era ela legítima, em tese. Mas, de fato, o regime da onipotência popular tinha redundado num esmagamento das "elites" e o regime da livre concorrência, em lugar de trazer consigo a vitória dos elementos mais capazes, fez do mundo o paraíso dos velhacos, dos aventureiros e dos charlatães.

Por fim, nem sequer essa democracia exagerada era uma verdadeira democracia. Ela se transformara sorrateiramente numa oligarquia de banqueiros, de industriais, de especuladores de bolsa.

Essa situação confusa gerava entre os católicos impressões diversas e, daí, o pronunciar-se entre eles novamente uma divisão, tendendo alguns a salvar a civilização cristã, apoiando-se nas correntes da direita, e outros apoiando-se nas da esquerda.

Na Alemanha e na França essa divisão assumiu aspectos agudos. Na Alemanha, por exemplo, eram numerosos os católicos, quer nas fileiras dos partidários mais entusiásticos de Hitler, quer nas de seus mais irredutíveis adversários. Na França, os católicos de certa ala prestigiavam o partido semifascista dos "Croix de Feu", e trabalhavam mais ou menos conscientemente para a restauração da monarquia. E os de outra ala procuravam estabelecer francamente um contato com os comunistas, praticando a chamada "politique de la main tendue".

Estávamos em uma época de entusiasmos delirantes. Quer de um, quer de outro lado, as ideologias políticas exigiam um apoio ardente, caloroso, incondicional. Aos poucos, os católicos que apoiavam o nazismo "só" por causa do Catolicismo, foram tendendo a se tornar mais nazistas que católicos. E os católicos que apoiavam as esquerdas e até o comunismo (!) também "só" por causa do Catolicismo, se foram tornando mais comunistas que católicos. Um falso ideal da organização política social e econômica das sociedades humanas penetrava assim nos meios católicos, aliás profundamente cindidos em matéria política.

Foi à vista disto, que Pio XI deu o primeiro grande passo para a solução, condenando em duas Encíclicas imortais, primeiramente o comunismo e, em segundo lugar, o nazismo. Essas duas Encíclicas deixaram bem manifesto que os católicos colaboracionistas da esquerda e da direita apoiavam, no fundo, correntes diametralmente opostas ao Catolicismo, e que, quer tivessem a vitória umas, quer outras, o resultado seria o esmagamento da civilização cristã.

O mais profundo elemento de divisão estava removido. Os ideais falsos para que tendiam ambas as correntes estavam condenados. Mas a grande crise contemporânea pusera a nu questões inteiramente novas. Para que o campo se abrisse diante dos católicos, no sentido de uma cooperação fecunda, era preciso que a Igreja não se limitasse a proscrever ideais falsos, mas definisse a doutrina verdadeira. Tarefa entre todas difícil, exigindo longa maturação, muito estudo, observação acurada dos fatos, Pio XI não a pode realizar no pouco tempo que lhe restou depois da "Mitt Brennender Sorge" e da "Mortalium Animos". Pio XII ascendeu ao sólio pontifício nas vésperas da guerra, e teve de vencer situações críticas que todos conhecermos. Espanta que, em plena conflagração, e assediado ainda por trabalhos de tanta e tal relevância, tenha tido tempo de lançar as primeiras diretrizes, claras e fecundas, a respeito da posição da Igreja diante dos novíssimos problemas de nossos dias. Foi, entretanto, o que ele fez na sua "Alocução de Natal".

* * *

Começa o Santo Padre por mostrar que a tendência que se esboça na Europa é no sentido de uma mais ampla participação do povo no poder público. E, logo em seguida, passa a tratar da democracia.

Na medida em que o resumo telegráfico permite fazer uma idéia exata do pensamento do Pontífice, vê-se que o Papa insiste sobre dois pontos fundamentais.

O primeiro é que a democracia não se deve constituir de modo a ser apenas uma multidão caótica e desarticulada. A sociedade humana não é um conglomerado amorfo de elementos, ela é um corpo vivo, que precisa ter seus elementos de diferenciação e especialização, sua organicidade enfim. Leão XIII já definira a necessidade das corporações. Vê-se que Pio XII vai mais além, que deseja uma sociedade toda ela organicamente composta. E esse pensamento se torna mais nítido, ao ler-se o que ele diz sobre as elites.

Qualquer que seja a participação do povo no poder público, diz o Pontífice, é preciso que haja elementos dirigentes e de escol, que saibam guiar o curso das coisas, sem o que a democracia se tornará inteiramente vã. Assim, pois, qualquer sistema de representação que entregue a direção dos negócios públicos a aventureiros, charlatães, demagogos de praça pública, por isto mesmo desvia a democracia do bem comum, e a volta contra sua própria finalidade.

Esses dois pontos são de uma imensa importância. Constituem as diretrizes essenciais da Igreja para o mundo de amanhã. E precisam de ser atenta e maduramente meditados pelos católicos, antes de tomarem posição e de se deixarem arrastar pela paixão política, no torvelinho dos dias que correm.


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