Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera
 
Um precursor do anticomunismo de esquerda

 

 

 

 

 

Legionário, 15 de julho de 1945, N. 675, pag. 5

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Há certos analistas dos fatos políticos e sociais que são como as traças que roeram as margens de um velho exemplar da Bíblia existente na Biblioteca Nacional, deixando intacto o texto. É do número desses os que apresentam o nazismo e o fascismo como movimentos reacionários, encarnação viva da contra-revolução.

Podemos classificar esses equivocados inimigos do fascismo e do nazismo em dois grandes grupos: o grupo dos ingênuos e o grupo dos cegos voluntários. Os primeiros não percebem nem a burla de que são vítimas, nem os fatos gritantes que desmentem essa apreciação superficial do panorama político e ignoram onde vão terminar os cordéis que manipulam tais “reacionários”. Os segundos fingem ser vítimas dessa burla, percebem a verdade dos fatos e conhecem muito bem os senhores aos quais estão servindo mediante essa mistificação da opinião pública. Ambos os grupos, tomando os acontecimentos políticos em seu aspecto epidérmico, se fecham à evidência de que o nazismo e fascismo foram movimentos lançados pelas forças secretas para impedir e tolher a verdadeira reação contra a última etapa da revolução corporificada no Estado totalitário socialista.

E é interessante notar como sisudos sociólogos e trêfegos ensaístas políticos conseguem discorrer “durante” várias resmas de papel sobre a incoercível marcha do movimento revolucionário, como se se tratasse de um fato produzido pela evolução natural da sociedade sem haver por detrás dos bastidores uma série de cérebros pensantes encarregados do “planejamento” dos ideais por onde a humanidade forçosamente há de pautar sua vida econômica, social e política. Reagir contra o liberalismo ou reagir contra o comunismo, não seria reagir contra esse “brain trust” das forças secretas, que artificialmente vem tangendo a humanidade para o Super-Estado pagão (...), mas querer barrar a livre marcha da “nova ordem'”, da “idade nova”, é ser “obscurantista”, “intolerante” e, supremo insulto na pena desses inflamados arautos da revolução, é ser “reacionário”

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Se quem assim se exprime não é filho da Igreja, se é liberal, ou comunista declarado, nada temos que estranhar, e só nos pode mover a curiosidade de saber qual a sua classificação, no caso de acrescentar a essas incriminações a de nos colocar na repelente companhia dos nazistas e fascistas. Se tais sisudos sociólogos e trêfegos ensaístas políticos querem, porém, passar por católicos apostólicos “romanos” (e convém agora frisar a palavra “romanos” para evitar confusões), o caso muda de figura e passa a ser um escândalo a ignorância ou má fé que assim revelam.

Escândalo que revela uma grande ignorância ou requintada má fé quanto à apreciação do modo de agir de nossos inimigos, pois a tática da  pseudo-contra-revolução e da pseudo-reação não é nova. Como não é nova a acusação que os Pontífices Romanos vêm fazendo às forças secretas, responsabilizando-as pela revolução tanto em sua fase liberal como em sua fase bolchevista, revolução tão anti-social quanto anti-Igreja.

Veremos hoje como Napoleão foi um precursor de Hitler e de Mussolini ao servir de instrumento das forças secretas nesse torpedeamento da contra-revolução. Servirá este exemplo não somente para confirmar o que já dissemos sobre essa pseudo-reação, mas para nos alertar contra um certo anticomunismo esquerdista que já está surgindo entre nós.

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Desencadeada a revolução francesa e proclamada a Primeira República, eis como Monsenhor Jouin descreve a tentativa feita pela maçonaria para se antecipar à esperada reação:

Monsenhor Ernest Jouin (1844-1932), sacerdote católico, jornalista e ensaísta

“A direção dessa insurreição triunfante não demora a escapar das lojas, que se ocultam e são substituídas por clubes políticos, nos quais, entretanto, os maçons formam a maioria. Os chefes se sucedem, numerosos no poder. Ondas de sangue, bancarrotas, fome, instabilidade do poder, incerteza total, tudo isso devia fatalmente provocar um sentimento de fadiga, um desejo de retorno à ordem, à segurança, à calma.

“O terror constante, que não cessa mesmo na época do Diretório, amortece a sensibilidade, os nervos demasiadamente tensos não mais reagem, e a ideia da morte, que espreita noite e dia tão de perto, permite o nascimento e a consolidação das aspirações contra-revolucionárias. Dez anos de fome ininterrupta (1790-1800) despertam a lembrança da boa vida pré-revolucionária, sobretudo dos três últimos anos de colheitas fabulosas (1787-1789), a nova “liberdade” provoca saudades dos anos da antiga “escravidão”.

“Os chefes das forças secretas vêm com tristeza que a restauração da monarquia legítima se acha iminente: devem a todo preço impedir sua volta.

“Tornava-se necessária, portanto, uma sequência a essa revolução em que a onipotência da massa fosse abolida sem atingir os princípios de democratismo e de igualitarismo proclamados em 1789. Essa sequência foi achada, ou antes, a maçonaria acreditou tê-la descoberto, na pessoa de Napoleão Bonaparte.

“Não desejamos de modo algum negar o valor de Napoleão. Admiramos seus talentos, seu conhecimento dos homens, sua força de vontade, sua faculdade excepcional de se valer dos acontecimentos, torcendo-os para sua causa. Não foi a esmo que escrevemos acima que a maçonaria “descobriu” Bonaparte, mas certamente ela não o criou. Pelo seu caráter, suas capacidades e sua mentalidade, ele era, talvez, o único homem capaz de continuar a revolução no sentido desejado pela maçonaria, e o único capaz de substituir o poder legal da dinastia legítima, inaceitável pela seita.

“Não se deve acreditar que os chefes ocultos prepararam Bonaparte desde o início de sua carreira militar para o papel que foi levado a desempenhar mais tarde. Entretanto, não foi sem ajuda de maçons (tais como Robespierre, o moço, e Salicetti) que ele começou sua ascensão vertiginosa na escala hierárquica, ajudado naturalmente por seus próprios talentos. De início provavelmente apenas essa carreira militar lhe estava reservada. Entra na vida política bem mais tarde, quando se insinua uma certa queda da opinião pública e nasce a necessidade de combater uma restauração, cada vez mais provável.

“Com efeito, como Napoleão, simples oficial de artilharia, desconhecido, não se sobressaindo mesmo por um exagerado zelo revolucionário, não indo atrás dos favores dos ídolos do dia, como poderia ele, apesar de seu incontestável talento, se distinguir a um tal ponto? Como explicar a rapidez extraordinária com que esse astro novo subiu no horizonte? Como os membros do Diretório, apesar de seu ódio e de seu medo, não o “suprimiram” como haviam “suprimido” tantos outros?

“A única resposta, acreditamos, que se pode dar a essas perguntas e que numerosos fatos confirmam, se acha na ingerência e na proteção das forças ocultas que viram em Napoleão o homem que podiam empregar para atingir seus fins.

“O jovem Bonaparte e sua família são protegidos por revolucionários notórios como Robespierre, o moço, Salicetti e Freron. Muito cedo frequentou os Jacobinos e apesar de seu desprezo pela populaça, adquiriu a reputação de bom revolucionário. Sua ação terrorista em Ajacio, durante a Páscoa de 1792, para isso muito contribuiu. Nessa época, à frente de um batalhão da Guarda Nacional, empenha-se em uma verdadeira batalha de três dias, sob pretexto de defesa da nova ordem.

“Uma das testemunhas da revolução, Lord Malmesbury, anota em suas Memórias: ‘Bonaparte tem a reputação de um jacobino feroz, mesmo de um terrorista’. E Drumont o trata igualmente de ‘jacobino zelozo’.

“É difícil julgar da sinceridade de seus sentimentos, mas seu jacobinismo, fosse talvez de fachada, lhe serve de cartaz, e seus talentos incontestáveis, seu conhecimento da natureza humana, aliados à sua falta de escrúpulos, lhe permitem chegar ao pináculo da glória, com a qual não podia certamente sonhar, em que pese toda sua ambição.

“Citemos uma mensagem enviada pelo capitão Bonaparte a Paris quando da tomada de Toulon em 1794:

‘Os que não foram feridos pelos obuses republicanos, foram mortos pelas espadas da Liberdade e pelas baionetas da Igualdade’. Esta obra prima da literatura revolucionária foi assinada por “BRUTUS BONAPARTE, cidadão SANS CULOTTE” (Felix Joly, Memorial sobre a Revolução, p. 591).

“Napoleão entra na maçonaria antes da revolução ou logo em seu início: este fato é confirmado por autoridades maçônicas tais como Ragon (Curso de iniciações), Clavel (História pitoresca da franco-maçonaria), Bazot (Le Globe, 1841) e por antimaçons como Neut (La Franc-Maçonnerie), Drumond (La France Juive), etc.

“Vê-se que em toda a sua vida ele se acha cercado de maçons. Bonaparte os distingue, os protege. O golpe de Estado de 18 Brumário é realizado com o concurso de dois maçons, dois apóstatas, Siéyès e o ex-bispo Talleyrand. De 25 marechais do Primeiro Império, 10 são maçons (Murat, Bernadotte, Kellermann, Masséna, Soult, etc.) e seus colaboradores mais próximos o são igualmente (Cambacérès, Eugène de Beauharnais, Lacipède, José Bonaparte, Descazes...)

“A maçonaria tinha necessidade de Napoleão para continuar a revolução; uma restauração da monarquia legítima seria o fim, o aniquilamento de todas as ‘conquistas revolucionárias’.

“Sob o Império”, escreve o iniciado Bazot, “a maçonaria se deixou sujeitar ao despotismo para se tornar soberana” (Bapst, Tableau Historique).

Napoleão é a revolução coroada, é a consolidação, a continuação de suas conquistas. Durante sua coroação em Notre-Dame, Napoleão I “com a mão sobre o Evangelho, jura conservar os princípios da revolução” (Imbert de Saint-Amand). E cumpre esse juramento.

“Um fato em geral pouco conhecido é o da publicação de uma última lista de proscrição de emigrados por ordem do Imperador Napoleão, a 15 de novembro de 1807 (H. Forneron, Histoire générale des Emigrés). Esse ato sublinha bem seus sentimentos em relação aos homens “do passado”, em relação a esse próprio passado. Deixa em vigor uma série de leis do período revolucionário, mas abole tudo o que lembra o antigo regime. Os que adquiriram bens da Igreja e dos emigrados, podem ficar tranquilos: o Imperador não lhes tomará as terras, as casas, os castelos e outras riquezas adquiridas muitas vezes à custa de delações e execuções sumárias. Napoleão é filho da revolução e não prejudicará suas conquistas. Para tranquilizar seus partidários, protegidos pelo seu Império e dóceis ao seu mando, não hesitará diante do assassínio inútil, indesculpável, do duque d'Enghien.

“Foi o general Bonaparte que enviou em 1796 à ‘primeira legião lombarda uma bandeira verde, branca e vermelha, encimada pelo nível (esquadro) maçônico”, escreve a iniciada Maria Rygier no livro “A Maçonaria italiana em face da guerra e do fascismo” (as cores dessa bandeira são as do grau 33) e, segundo a mesma autora, “a declaração dos Direitos do Homem foi pregada aos povos pelos soldados do Império, esses cruzados dos tempos modernos.”

O general Bonaparte e seus exércitos levam longe, por toda a Europa, a infecção revolucionária e maçônica e o Imperador Napoleão continua a se servir dessa arma envenenada. Por toda a parte em que penetram os soldados do Império, para ali levam com eles as idéias maçônicas e revolucionárias; sua palavra de ordem é: Liberdade, Igualdade, Fraternidade.

“As forças secretas esperavam transformar o império europeu de Napoleão na república europeia, ou talvez universal, e presta seu concurso ao revolucionário coroado.

“Quanto a ele, pensa no futuro, sonha com sua dinastia que eclipsará por sua força e sua grandeza, todas as antigas dinastias. Tenta destruí-las e persegue-as tanto pela força das armas como por uma propaganda subversiva. Diverte-se em substituir os soberanos legítimos por suas criaturas. A maçonaria crê se servir de Napoleão mas, de fato, é ele que a utiliza para seus fins pessoais, e desde que os chefes das forças ocultas percebem o equívoco, mudam de tática, e de amigos e colaboradores, se tornam inimigos do Imperador.

“O astucioso Talleyrand arrasta Napoleão à aventura da Espanha, inútil e perigosa. Na Alemanha, os maçons Fichte, Gruner e Frics fundam o “Tugendbund”, sociedade política de renascimento nacional. Na Espanha o maçon Tilly organiza uniões nacionalistas, as chamadas “juntas”. Em toda a Europa, os maçons e seus irmãos aliados, os carbonários, se tornam inimigos encarniçados da França, ou do Imperador, e desencadeiam uma campanha de reconstituição nacional, de libertação do domínio francês. Os gritos até então entusiastas de “viva o Imperador” vão se abafando. Napoleão vê sua autoridade diminuída; seus colaboradores (não tinha amigos) não põem o mesmo empenho em executar-lhe as ordens, e começam as murmurações. Sua fuga da Rússia, onde abandona à sua sorte os seus exércitos, nada faz senão diminuir o seu prestígio. Sua estrela se apaga.

“Vem Waterloo, a derrota, o exílio.

“Não pretendemos insinuar, porém, ainda uma vez, que foi unicamente a maçonaria que abateu Napoleão I do mesmo modo que ele não deveu unicamente a ela suas conquistas. Mas com os numerosos meios de que dispõe a terrível seita, ela favoreceu sua rápida ascensão e quando reconheceu o erro em que caíra (ou dele já havia sugado o que queria), assestou contra o Corso todas as suas forças. Nessa luta encarniçada da maçonaria universal contra Napoleão, foi este que sucumbiu.

“Tendo chegado ao poder supremo com o concurso da seita, ele, depois de lhe prestar inestimáveis serviços, passou a não realizar suficientemente suas esperanças, acelerando por isso mesmo seu próprio declínio e sua queda”.

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Não é perfeito o símile entre a pseudo-contra-revolução liberal de Napoleão e a pseudo-contra-revolução bolchevista de Hitler? O futuro desmentirá o juízo que agora apresenta o nazismo como um movimento de reação. Hitler figurará nos fastos da revolução maçônica universal como um “sans-culotte” da categoria de Napoleão Bonaparte, guardadas as proporções quanto ao grau de inteligência de cada um.

E oportunamente veremos como a quinta-coluna e o espírito de Munique ajudou a “estrela” de cinco pontas de Napoleão, mostrando assim mais uma “coincidência” entre os dois “reacionários” de encomenda...