Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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Misticismo vermelho

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 5 de agosto de 1945, N. 678, pag. 2

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O cronista cinematográfico da “Folha da Noite” entrou-se de indignações porque certo filme, atualmente em exibição entre nós, faz pilhérias com os comunistas. Isto pareceu um tal sacrilégio aos olhos do cronista que ele se absteve de cotar a fita. Mais do que isso, suas considerações saíram inteiramente do âmbito cinematográfico, para se estabelecerem num campo puramente doutrinário, digamos dogmático, de onde lançou o seu solene anátema contra os blasfemos cineastas. Para o ardor de seu zelo, é um desacato insuportável explorar o ridículo dos adeptos dos soviéticos que libertaram tantos países do tacão nazista; pois a doutrina que inspirou estas libertações é algo de sacrossanto, que não pode ser objeto de gracejos. Em suma, vê-se que nada lhe seria mais agradável do que consumir o infame celuloide nas labaredas da Inquisição.

Ora, nós, jornalistas católicos, conhecemos ardores parecidos com este. Quando procuram na Religião Católica motivos para farsas ou pantomimas, o nosso zelo se exalta, porque a Religião de Cristo é o que pode haver de mais sério, em certo sentido, só o que há de verdadeiramente sério neste mundo. Trata-se de defender a honra de Deus, trata-se de nossa submissão absoluta ao único Absoluto. Diante disso todo zelo é legítimo, toda a indignação é justa, porque é o Santo dos santos que está em questão.

Vê-se, pois, que o comunismo está assumindo características de religião, com ascética, mística e dogma, exigindo submissões integrais e suscitando fervores de iluminados. Mas, como se trata de uma falsa convicção, com valores muito negativos, essa supervalorização absoluta do comunismo, não se faz sem uma completa perturbação espiritual, que impede a clara visão das coisas e dos fatos. Assim, o inegável heroísmo do soldado russo, que contribuiu tão poderosamente para a vitória contra o nazismo, passa a ser visto apenas como um fruto do comunismo. Porém, onde estava a inspiração democrática do comunismo, ao tempo do pacto nazi-soviético, quando a Inglaterra sozinha, sob um chuveiro de bombas, arcava com todos os ônus de salvar a democracia? Onde estava esta inspiração, quando a Polônia nas barbas da Rússia, foi estraçalhada pela Alemanha? E o que teria sido feito desta inspiração, sem o auxílio formidável da Inglaterra e dos Estados Unidos à Rússia?

E depois, esta história de libertar países do tacão nazista está mal contada. Será libertação colocá-los debaixo de governos títeres, manejados pelos cordéis do Kremlin? E será democracia a ditadura de um partido, com expurgos periódicos, exercer a mais ferrenha censura? Esta balela de democracia soviética não passa de uma “contradictio in adjecto”, que precisa ser liquidada, uma vez por todas.


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