Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera
 
Serão cegas as forças da Revolução?

 

 

 

 

 

Legionário, 23 de setembro de 1945, N. 685, pag. 5

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Certos autores agnósticos e mesmo alguns estudiosos católicos eivados de liberalismo costumam apresentar a questão social como o resultado de uma lenta evolução naturalmente realizada na sociedade humana, simples jogo de forças incoercíveis que através de processos por vezes revolucionários, vão libertando o mundo da opressão exercida pelas classes sociais mais elevadas (aristocracia ontem, burguesia hoje) sobre o povo, a plebe, os desfavorecidos da fortuna.

Os católicos, porém, que veem em Leão XIII o genial orientador de quem quer que procure penetrar no verdadeiro sentido dessa agitação que se vem verificando no organismo social, não podem olvidar as seguintes palavras do imortal autor da Rerum Novarum:

“Apenas Nós havíamos lançado mão do governo da Igreja, quando claramente sentimos a necessidade de resistir a um tão grande mal (a maçonaria), e de assentar contra ele, tanto quanto fosse possível, a Nossa autoridade apostólica. Por isso, aproveitando todas as oportunidades favoráveis, havemos tratado as principais teses doutrinais sobre as quais as opiniões perversas da seita maçônica parece haverem exercido a maior influência. Assim é que na Nossa encíclica “Quod apostolici muneris”, Nos esforçamos por combater os monstruosos sistemas dos socialistas e dos comunistas. Outra Nossa encíclica “Arcanum” permitiu-Nos esclarecer e defender a noção verdadeira e autêntica da sociedade doméstica, de que o matrimônio é a origem e a fonte. Na encíclica “Diuturnum” fizemos conhecer, segundo os princípios da sabedoria cristã, a essência do poder político e mostramos as suas admiráveis harmonias com a ordem natural, bem como com a salvação dos povos e dos príncipes” (Enc. “Humanum Genus”).

Bem compreendia Leão XIII o estreito nexo existente entre a ação das forças secretas e os erros e males que vem se esgueirando na vida econômica, na vida social, na vida política dos povos. E mais tarde, condenando os efeitos nefastos da penetração da campanha socialista e revolucionária nos meios católicos, diria Pio X: “Nós conhecemos demasiadamente bem os sombrios laboratórios em que se elaboram estas doutrinas deletérias, que não deveriam seduzir os espíritos clarividentes” (Enc. contra Le Sillon).

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Vejamos o exemplo da França. Como diz Frei Louis de Gonzague em sua admirável vida de Dom Vital, se a França teve a triste honra de servir de base de experiência da ação desse poder oculto, foi porque a seita nela viu o catolicismo mais potente que em outros países e susceptível, portanto, de fazer gorar seus planos sinistros. Era necessário primeiro destruir o obstáculo para marchar em seguida na conquista do mundo. Daí todo o esforço concentrado nessa Revolução que Joseph de Maistre classificou de satânica. Abstemo-nos de tecer comentários sobre a conhecida ação das forças secretas não somente durante o período do Terror, mas também no trabalho de pseudo-contra-revolução empreendido por Napoleão Bonaparte.

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Com a restauração, na pessoa de Luís XVIII, todo o trabalho da seita teve que ser refeito. A maçonaria atacou de início o tradicionalismo político. Pelo liberalismo e suas hipocrisias, conseguiu destronar os Bourbons e restabelecer a república. Depois, não a achando viável, procurou de novo substituir o tradicionalismo político francês por uma contrafação, encarnada no segundo Império, com Napoleão III à frente, homem profundamente ligado aos carbonários. Nessa mesma ocasião, foi organizada a Unidade Italiana para abrir uma brecha na fortaleza do catolicismo que é o Papado. Napoleão III prestou sua colaboração a esse atentado inominável.

A França pareceu reagir depois da guerra de 1870, e da Comuna, mostrando querer voltar ao tradicionalismo religioso e político. Foi o que as eleições de 1871 indicaram. Mas a seita conseguiu semear entre os representantes da nação francesa divisões que fizeram tudo abortar. O tradicionalismo político foi vencido em 1877 e desde então foi feita, lentamente e firmemente, a guerra ao tradicionalismo religioso. Começou pela escola neutra; em seguida veio a expulsão das congregações religiosas; o divórcio foi restabelecido – afinal a separação da Igreja e do Estado.

A leitura dos boletins do Grande Oriente convence a qualquer pessoa bem-intencionada de que todas as leis, todas as medidas antireligiosas, antimorais e antisociais tomadas pelo governo francês ou fabricadas pelo seu parlamento, foram discutidas e votadas nas lojas maçônicas muito tempo antes de aparecerem na Câmara ou no Senado. E neste sentido, entre outros autores católicos, Mons.  Delassus nos fornece uma documentação impressionante.

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O caso da França, porém, não é isolado e poderemos facilmente situá-lo dentro da ação desenvolvida pelas forças secretas no mundo inteiro para, através da propaganda revolucionária, lançar a humanidade na mais nefanda escravidão sob a tutela do Estado totalitário socialista, de que o nazismo foi um exemplo gorado (frustrado), dando assim aos povos livres mais tempo para respirar e para aliciar forças com que deter sua marcha, sob a forma do totalitarismo bolchevista.

Cumpre, porém, que estudemos, embora sumariamente, alguns pontos por onde a propaganda revolucionária mais comumente engana as pessoas de boa fé.

Não há dúvida de que a primeira sugestão lançada no mundo pela maçonaria para preparar as vias do novo templo que os iniciados querem levantar sobre as ruinas da civilização católica, foi a ideia da igualdade.

Nosso Senhor havia pregado a igualdade, mas uma igualdade que procedia da humildade que Ele soube colocar no coração dos grandes: “Vós, porém, não haveis de ser assim; antes o que é maior entre vós faça-se como o menor, e o que manda seja como o que serve”.

A esta igualdade de condescendência que inclina os grandes até os pequenos, a franco maçonaria substitui a igualdade do orgulho que dita aos pequenos que eles têm o direito de se acharem ao nível dos grandes ou de abaixar os grandes até eles. A igualdade orgulhosa pregada por ela dita tanto ao bruto quanto ao infortunado: “Vós sois iguais às mais altas inteligências, aos poderosos e aos ricos e vós sois o número”.

A palavra “liberdade” tinha outro significado: a igualdade perfeita não deve se achar senão na liberdade total, na independência de cada um com relação a todos, depois da ruptura definitiva dos laços sociais. Nada de mestre, nem de magistrados, nem de pontífices, nem de soberanos; todos são iguais pelo nível maçônico e livres de seguir seus instintos; tal é o significado total das palavras: igualdade, liberdade.

A ideia da igualdade orgulhosa, que a maçonaria com suas maquinações fez entrar nas entranhas do mundo, disse o historiador Gustave Bord, é a mais nefasta, a mais terrível que se possa imaginar. A substituição da ideia de igualdade, à ideia de hierarquia, destrói toda ideia social. Ela conduz a sociedade aos piores cataclismos.

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Foi em 12 de agosto de 1792 que a maçonaria achou haver chegado o tempo de desvendar esse mistério e que o segredo era inútil.

Até então os jacobinos datavam os fastos (registros públicos de fatos ou obras memoráveis) de sua revolução pelos anos de sua pretendida liberdade. Nesse dia, Luís XVI, depois que os rebeldes cassaram seus direitos ao trono, foi levado cativo para a Torre do Templo. Nesse mesmo dia a assembleia dos rebeldes decidiu que à data da liberdade se ajuntaria então nos atos públicos a data da igualdade. Esse decreto foi datado no 4º. ano da liberdade; o primeiro ano e primeiro dia da igualdade.

Nesse mesmo dia, pela primeira vez, estourou enfim publicamente o segredo tão caro aos iniciados e prescrito em suas lojas com a união de um juramento inviolável.

Coisa curiosa: era estritamente proibido aos franco-maçons de apresentar aos profanos essas duas palavras justapostas: igualdade, liberdade. “Esta lei, diz (o padre jesuíta francês Augustin) Barruel, era tão bem observada pelos escritores maçons que nunca a vi transgredida em seus livros, posto que eu havia lido um grande número deles e dos mais secretos. Mirabeau mesmo, quando parecia trair o segredo da maçonaria não ousava revelar senão uma parte, citando liberdade aqui, igualdade de condições lá. Ele sabia que os tempos ainda não eram chegados e que seus irmãos, três-pingados não podiam perdoar-lhe o haver, pela justaposição dessas duas palavras, despertado a atenção sobre o sentido que elas podiam tomar, esclarecida uma pela outra”.

A palavra liberdade, considerada sozinha e por si mesma, apresenta ao espírito não uma coisa misteriosa e secreta, mas uma coisa conhecida e eminentemente boa. É mesmo o dom mais precioso que foi concedido por Deus à natureza humana. O que a coloca em uma região tão superior à ocupada pelos animais; o dom de praticar atos que não são necessitados e que, por conseguinte, trazem consigo a responsabilidade e o mérito. A palavra igualdade, aplicada ao gênero humano, indica que, na diversidade das condições, a origem comum e o fim último também comum dão a todas as criaturas que a compõe uma mesma dignidade.

Assim a maçonaria não via nenhum inconveniente, pelo contrário, via toda a vantagem em aparecer como glorificando a liberdade ou então como glorificando a igualdade. O que ela não queria de jeito nenhum fora de suas lojas, e o que queria pelo contrário na penumbra de suas reuniões secretas, era que essas palavras fossem apresentadas juntas e unidas. A compreensão do que tinha a intenção de colocar nessa união, eis o que ela queria que fosse apreendido pelos seus adeptos e ocultado ao vulgo. Eis aqui seu mistério. E este mistério deve ainda hoje ser esclarecido, por que a maçonaria não cessa de mistificar o público com estas palavras, que ela e os seus tomam num sentido e as pessoas honestas noutro.

Notemos de início que gênero de igualdade a maçonaria exaltava em suas lojas. Todos os maçons eram irmãos. A igualdade que ela estabelecia entre eles indicava que o que ela havia tomado por missão de estabelecer no mundo, não era a igualdade que temos de nossa comum origem e de nosso destino comum, mas a igualdade social, aquela que deve abolir toda hierarquia, e por consequência toda autoridade, fazendo reinar a anarquia.

A palavra liberdade justaposta a de igualdade vinha acentuar este significado. Ela vinha dizer que a igualdade desejada não se encontrava senão na liberdade, isto é, na independência de todos com relação a todos, depois da ruptura dos laços que ligam os homens uns aos outros. Portanto, nada de mestres nem de magistrados, nada de padres nem de soberanos e por conseguinte nada de subordinados de qualquer espécie que seja: todos iguais sob o nível maçônico, todos livres, com a liberdade dos animais, podendo seguir livremente seus instintos.

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Não se comete injustiça contra a maçonaria quando se afirma que o segredo que ela tinha escondido sob essas palavras liberdade e igualdade, era a Revolução com todos os seus horrores. Citemos o que disse John Robinson, professor de filosofia natural e secretário da Academia de Edimburgo. Ele fizera parte da maçonaria na segunda metade do século XVIII e chegou ao grau de mestre escocês. Com este título visitou as lojas de França, da Bélgica, da Alemanha e da Rússia. Em 1797 publicou o resultado de suas observações em um livro intitulado “Prova das conspirações contra todas as religiões e todos os governos da Europa, urdidas nas assembleias secretas dos iluminados e franco maçons”.

“Vi, diz ele, formar-se uma associação que tem por fim único destruir, até sua base, todos os estabelecimentos religiosos e de derrubar todos os governos existentes na Europa. Vi esta associação difundir seus sistemas com um zelo tão firme que ela se tornou quase que irresistível; e notei que os personagens que mais se salientavam na Revolução Francesa eram membros dessa associação, que seus planos foram concebidos segundo seus princípios e executados com sua assistência”.

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O liberalismo, em seu aspecto político e econômico, entretanto, já cumpriu sua missão revolucionária, que era a da desagregação da sociedade, até seu advento assentada em bases tradicionais e cristãs. Depois dessa grande tarefa, para continuação do “grande mistério de iniquidade” de que nos fala São Paulo, vigorará ainda o grande princípio liberal, que é a liberdade do homem em face ao seu Criador e em face da Santa Igreja. Cairá somente a máscara hipócrita das liberdades populares, do direito de opinião e de outras iscas que constituem uma das etapas intermediárias da luta que as forças do mal vêm movendo contra o Cristianismo, para chegar à plena eclosão das idéias guardadas no arcano da Sinagoga de Satanás: o Estado totalitário socialista.

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Eis porque não pode haver reconciliação entre a Igreja e a Revolução, pois a Revolução é nítida e claramente anti-Igreja. E muito se iludem os que de boa-fé acham que os dirigentes desse movimento revolucionário são apenas pobres equivocados que desconhecem a solução que a Igreja dá para a questão social. No meio da grande massa que uiva e berra na praça pública nos meetings comunistas, bem podemos perceber o impressionante número dos que se deixam inconscientemente levar pelas paixões e utopias acesas em suas almas pelas sereias da “Nova Ordem proletária”. Mas por detrás dessa massa ignara a que faz menção o Santo Padre Pio XII, se acham os seus manipuladores: são estes que constituem os cem olhos das forças “cegas” da Revolução. E a estes é que move o ódio satânico a que o Santo Padre Leão XIII faz alusão, quando mostra o nexo existente entre os vários aspectos da luta desencadeada pelas forças do mal contra a Santa Igreja. Por onde se vê que somente acharemos solução para a questão social, se seguirmos fielmente as diretrizes da Igreja, contra as quais investem as forças da Revolução.

Se formos fiéis à Igreja, nossa causa será invencível, pois contra a Sé de Pedro não prevalecerão as portas do inferno.