Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Comentando...
 
Alimentação e socialismo

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 14 de outubro de 1945, N. 688, pag. 2

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O brasileiro alimenta-se mal, e cada vez tende a alimentar-se pior. A questão não é apenas de escassez dos gêneros alimentícios, problema que só surgiu recentemente, em consequência da profunda desorganização social que vai lavrando. Até há bem poucos anos, considerávamo-nos, e com razão, o país da abundância, da fartura. Perdurou até uma data recente, que as últimas gerações alcançaram, o sistema patriarcal das mesas lautas, superabundantes, mesmo nas casas modestas, onde os convivas de última hora não causavam qualquer apreensão ou transtorno. Porém, mesmo nesses tempos de abastança, alimentavamo-nos mal, não quantitativa, mas qualitativamente. Não soubemos nos adaptar, como povo, às condições básicas de nossa terra e de nossa alma. Entre o nosso povo, de um lado, e as condições materiais do país, de outro, não se estabeleceu essa intimidade radical, que é o fundamento das verdadeiras culturas. Permanecemos até certo ponto, estrangeiros em nosso próprio território. Disto é exemplo flagrante a existência de um “problema” alimentar.

Deste fato de não sermos bem nacionais em nosso país surgiu uma repercussão espiritual muito interessante e significativa: esta mentalidade flibusteira e liquidacionista, pela qual muitos perdem inteiramente todo o senso de responsabilidade para com o passado e o futuro da nação, não se percebem mais incluídos num organismo social de caráter eminentemente histórico, e, por causa disso, tratam o seu país como uma colônia de habitação transitória, da qual se quer obter apenas a máxima vantagem num golpe de fortuna, suceda o que suceder. Daí provém esta profunda instabilidade, que tem sido a constante de nossa evolução histórica, em que tudo fenece mal desabrocha, em que as mais preciosas tradições se arruínam antes de se formarem plenamente, e mal alcançam a existência embalsamada dos museus. E, como contragolpe, como reação frustra da consciência contra esta impotência e traição, surge, autêntico fruto do ressentimento, um complexo também muito interessante e significativo: o nacionalismo agressivo, eriçado, jacobino, verde-amarelo, isolacionista, petulante, declamatório, demagógico, doentio, pronto a exaltar todos os defeitos nacionais como a denigrir as qualidades mais evidentes de outros povos, improfícuo e estéril, e que vende a Pátria na primeira oportunidade. Tal sentimento tem inspirado não poucos movimentos de opinião entre nós.

Acontece, porém, que, nesta desadaptação do brasileiro com o meio, podemos destacar dois aspectos distintos. De um lado, vemos uma grande massa da população que, com esta sabedoria inconsciente e instintiva, vai procurando aos poucos tal adaptação, e, por vezes, até certo grau já a tem realizado. É daí que surgiu quanto tem havido de especificamente nosso e que faziam prever instituições, arte e etos nacionais. Mas, por outro lado vemos a constituição de umas pseudo-elites, de formação acosmística; inteiramente segregadas do ambiente físico e cultural, perfeitamente marginais em nossa evolução histórica, que tanto poderiam existir aqui, como em qualquer outra parte do mundo. Estas pseudo-elites interferiram naquela marcha orgânica de nosso povo, truncaram-na, frustraram-na, ao invés de a orientarem, como teriam feito verdadeiras elites, e, por isso, são responsáveis por toda esta desordem que agora se observa. Os membros destas pseudo-elites quiseram tirar um Brasil de suas cabeças, talhado pela bitola de suas idéias; e como a realidade viva opusesse resistências orgânicas a suas elaborações cerebrinas, eles passaram a odiá-la. Aí está a origem desta cisão, pela qual um brasil burocrático despreza, persegue e oprime o Brasil brasileiro, acusando-o de todos os males que padecemos, e considerando-se possuidor da ciência de todas as soluções.

Ocorreram-nos estas considerações quando, ainda a propósito da questão alimentar brasileira, vimos a sugestão do sr. Josué de Castro, Professor da Universidade do Distrito Federal, de ser aproveitada uma proposta do sr. Barbosa Lima Sobrinho, apresentada ao Conselho Federal do Comércio Exterior, em novembro do ano passado. Esta proposta aconselha a criação de uma Comissão e Conselho autárquicos da alimentação nacional, em cujo programa figurariam os seguintes pontos:

“a) mais equitativa divisão das terras, com o combate sistemático ao latifundismo, principalmente nas contingências em que grandes áreas cultiváveis permaneçam improdutivas nas vizinhanças dos grandes centros urbanos; b) combate à monocultura sem zonas de abastecimento circunvizinhas; c) aproveitamento fracional das terras circunvizinhas dos grandes centros urbanos para a agricultura de produtos alimentares, principalmente substâncias perecíveis corno frutas, legumes e verduras; d) mecanização intensiva de nossa lavoura”.

Como bem observa o comentarista econômico da Folha da Manhã, onde encontramos as informações acima, tudo isto foi tomado de empréstimo ao programa do Partido Comunista e “mostra a ignorância de seus autores em relação às condições ecológicas de nossa produção agrária”.

A ditadura do Instituto de Açúcar e do Álcool deixou-nos sem açúcar; a do Departamento Nacional do Café deu cabo do café; se vier a do Conselho Nacional de Alimentação, morreremos de fome.


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