Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera
 
Ainda a demagogia da nova ordem proletária

 

 

 

 

Legionário, 2 de dezembro de 1945, N. 695, pag. 5-6

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Recentemente fazíamos alusão à corrente demagógica que, pelo mesmo curto-circuito lógico, que fez o incrível sr. Fiuza afirmar que o mundo deve ser dirigido por técnicos pelo fato de estarmos na época da energia atômica (!!!), sustenta que a nova ordem a ser instaurada no mundo pertencerá ao proletariado por se basear no trabalho. Mostramos, então, que a sociedade, fruto da civilização católica, sempre se baseou no trabalho – não porém nesse conceito parcial e material de trabalho, mas no trabalho social, que obedece a uma hierarquia de valores – e que não é desempenhado por uma única classe, mas por todo o corpo social.

Hoje veremos, em resumo da “Questão Social” de Mons. Olgiati, as origens socialistas dessa palavra de ordem que os iniciados lançam aos quatro ventos e os caçadores de novidades vão repetindo inconscientemente, por estar na moda...

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De que depende o valor das mercadorias? indaga Marx. Unicamente do trabalho do operário. Portanto todo o fruto, todo o lucro deveria pertencer a este. O patrão, chamando a si tal lucro, não passaria de um explorador.

Nas mercadorias, explica Marx, é preciso distinguir um valor de uso e um valor de troca. O segundo seria independente do primeiro, e consistiria unicamente no trabalho socialmente necessário, no trabalho social cristalizado nos produtos. Tal trabalho humano seria medido pelo tempo necessário em uma dada sociedade para a produção de um objeto e constituiria o único elemento comum existente em todas as mercadorias e que torna possível sua troca.

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Uma idêntica distinção se deveria fazer na mercadoria-trabalho. Essa teria um valor de troca, determinado pelo tempo requerido à sua produção e reprodução e, por conseguinte, pelo custo ordinário dos alimentos necessários a sustentar a vida e a manter a força. E teria também um valor de uso que consistiria no exercício da força no ato do trabalho. O capitalista paga o valor de troca da mercadoria-trabalho e exige todo o valor de uso. E visto que os dois valores não são iguais, a mais-valia, a Mehrwert, passa para as mãos do capitalista, verdadeiro sanguessuga dos assalariados.

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Como se vê, a condenação socialista do capitalismo se acha intimamente ligada à teoria socialista do valor. Se esta se esboroa, arrasta aquela em sua queda.

É estranho que nesta sua teoria Carlos Marx, que em outros assuntos demonstrou um vivo sentimento da realidade das coisas, se tenha perdido nas nuvens de uma abstração vazia e inconcludente.

Nas mercadorias não existe um trabalho abstrato, nem indistinto, nem igual, mas um trabalho concreto, qualitativamente distinto e diverso. “Como conseguiremos, exclama Vilfredo Pareto – como conseguiremos colocar na mesma plana o trabalho de Michelangelo e o de um escultor incapaz, e os classificar como um trabalho igual e indistinto? O trabalho de Molière e o de um literatóide de terceira categoria seriam por acaso iguais e indistintos?... E que coisa será essa força de trabalho da sociedade inteira? Se se tratasse de um único e mesmo trabalho, que não excedesse a outro senão pela força material, isto se poderia compreender. Todos os homens de uma sociedade, empregados a acionar uma bomba, e elevando uma quantidade de água a uma certa altura, produzem uma certa quantidade de quilogrâmetros: eis a força de trabalho da sociedade. Mas quando se trata de trabalhos heterogêneos, como poderemos somá-los? Qual será a força de trabalho de uma coletividade composta de um Alexandre Dumas e de um copista, de um Pasteur e de um caçador de ratazanas, de um Edison e de um idiota?

“Quando, prossegue o mesmo autor, se procura precisar que significam estas palavras: ‘quantidade de trabalho, trabalho cristalizado, etc.’ esbarramos com dificuldades insolúveis, mesmo quando se trata de trabalhos da mesma qualidade: ‘Temos vinho branco ordinário de uma lira a garrafa; a quantidade de trabalho cristalizado que exige não é diferente daquela contida nesse vinho do Reno que vale 10 liras a garrafa. Muito trabalho cristalizado, que deve achar-se no canal do Panamá, nada vale, ou quase nada. O trabalho cristalizado contido no canal de Suez vale muito. Constroem-se estradas de ferro que valem alguma coisa, e outras que nada valem, porque consomem renda em vez de produzi-la. E poder-se-ia continuar esta enumeração ao infinito”.

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Mas agora, objeta Marx, como se pode resolver o problema levantado por Aristóteles, qual o elemento comum que se encontra nas mercadorias e torna possível sua troca?

“É francamente para maravilhar - responde Cathrein – que Marx, sem aduzir nenhuma prova que possa afirmar com tanta segurança que, com exclusão do trabalho, nada há de comum nos objetos produzidos. O próprio Aristóteles lhe dará a resposta, visto que esse grande pensador ensina abertamente que nas mercadorias se deve achar um elemento comum, pelo qual elas se possam confrontar e medir entre si; e que este elemento ou medida comum de todos os valores de troca é a necessidade, isto é, a aptidão do artigo fazer uma necessidade do homem ou, em outras palavras, a sua utilidade, e não uma utilidade abstrata, mas concreta, de um dado objeto, em um dado dia, em determinadas circunstâncias.

Eis o elemento comum preparado.

Suponhamos o caso de um negociante que conduz a uma parte da Europa alguns navios carregados com diversas espécies de madeira. Com que norma serão fixados os preços dessas mercadorias? Porventura apenas de base a fadiga, o dinheiro e tempo gastos em transportá-las? Não, por certo, pois assim todas as qualidades de madeira deveriam ser vendidas pelo mesmo preço, o que não é o caso. Os compradores se guiarão principalmente pelo uso que farão desse material. A madeira melhor e mais durável terá mais alto preço. O cedro e o ébano são madeiras finas e, mesmo prescindindo do custo do trabalho para lavrá-la, têm maior valor que o pinho e o abeto. Outros exemplos podem ser citados. Não negamos que o trabalho influa sobre o valor de troca, mas afirmamos que não é o único elemento a constituí-lo. Dizemos que o elemento que dá a um objeto o valor de troca, é “principalmente” a utilidade e a aptidão a satisfazer as necessidades do homem. E assim caem todas as consequências que Marx deduz de sua asserção contra o moderno capital privado. E sobretudo cai a teoria da mais-valia.

Marx faz provir a mais-valia apenas do operário. Entretanto na produção da mais-valia não concorre apenas o operário com o trabalho, mas também o capital. Sem matéria prima e sem meios de produção o operário nada poderia fazer.

A produção é fruto do trabalho, não há dúvida, mas não é fruto exclusivo do trabalho, mas também do capital. E sem contar o trabalho de direção que comumente o capitalista desempenha, nada valerá o risco a que se expõe, adiantando o capital, aguardando a venda da mercadoria, e enfrentando a incerteza do êxito?

Erra, portanto, o socialismo científico quando condena a propriedade individual dos meios de produção e considera como vampiros todos os capitalistas. O lucro do capitalista é legítimo.

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Resta saber até que ponto é legítimo. Mas não será o abuso de um direito que constituirá razão para condenar o uso desse mesmo direito.