Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera
 
Bota de sete léguas na estrada do totalitarismo

 

 

 

 

 

Legionário, 23 de junho de 1946, N. 724, pag. 5

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Dizia Pio XI que a humanidade caminha para um estado pior do que o existente no mundo antes do Advento do Nosso Divino Salvador.

Com efeito, o totalitarismo socialista, do ponto de vista político e social, é bem representativo dessa regressão ao paganismo. Ensina-nos Allard que a política dos Césares foi sempre vizinha do socialismo, mantendo-se nos limites que separam a revolução violenta de um regime sensual e enervante, que conduz ao embrutecimento, condenada, como era essa política, para manter-se de pé, a dar cada dia uma mais ampla satisfação aos apetites populares. Célio e Dolabela chegaram mesmo a tentar fazer passar uma lei que concedesse aos locatários e inquilinos inteira remissão de seus aluguéis. César, porém, não podendo sancionar tal medida, se encarregou de pagar por um ano todos os aluguéis inferiores a 2.000 sestércios (antiga moeda romana, n.d.c.) no resto da Itália...

E através desse socialismo mitigado, pouco a pouco o cesarismo foi falseando as noções econômicas, a fazer entrever aos olhos cúpidos da massa uma nova organização da sociedade, uma repartição diferente dos bens deste mundo, “enfim uma espécie de terra prometida, na qual o Estado faria o papel de providência universal, e onde seria suprimida aquela lei do esforço que Virgílio, o mais perspicaz de seu século, cantou em versos admiráveis” (Paul Allard, “Escravos Cristãos”).

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Hoje vemos esses mesmos sinais de decadência que caracterizaram a ruína do Império Romano. Promete-se libertar o homem da miséria, do desemprego, da ignorância, da imundície, mediante a guerra, ostensiva ou camuflada, ao capital, à propriedade, a todos os direitos legítimos. Os indivíduos abdicam de sua liberdade e de sua iniciativa em favor do Estado, que em troca será a Providência dos cidadãos: dar-lhes-á alimentos racionados, casas em série, roupa padronizada, medicamentos, hospitais, escolas, creches, diversões e funerais...

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Em nosso último rodapé transcrevemos os comentários do velho jornal católico inglês “The Tablet” sobre um dos aspectos dessa escravidão totalitária através da “socialização da medicina”. Hoje transcreveremos mais alguns comentários do mesmo jornal sobre outras facetas dessa obra de iniquidade praticada por tartufos que, sob pretexto de desfazer as injustiças sociais, lançam o mundo no mais negro dos despotismos, por vezes em nome do combate ao comunismo...

Eis, portanto, o que diz “The Tablet”, em seu número de 2 de fevereiro do corrente ano sobre “O Estado paternal e o cidadão dependente” (THE PATERNAL STATE AND THE DEPENDENT CITIZEN):

“Ocorreu agora a muita gente que, três anos atrás, quando aclamaram o plano Beveridge, ainda estavam encarando o futuro em relação à experiência do passado. Deram boas-vindas ao plano Beveridge porque pensavam ser o desemprego a grande sombra que pesaria sobre o após-guerra; lembravam-se da deflação de 1920 e da grande depressão de 1929 a 1932. Essas pessoas podem agora ver mais claro que a dificuldade nacional de hoje é descobrir, não empregos para a população trabalhadora, mas uma população trabalhadora suficiente para todas as nossas atividades vitais. Já existe um conflito, com uma lacuna de cerca de meio milhão ainda não preenchida, entre o número de homens fixado pelas forças armadas como um mínimo para que nos possamos desincumbir de compromissos na Europa e na Ásia, e o número fixado pelos Ministérios encarregados do reerguimento industrial, como um mínimo que solicitam das forças armadas para realizar esse reerguimento.

“A população inglesa, propriamente dita, não pode crescer agora, mas pelo contrário, irá vagarosamente decrescendo através da próxima geração, mesmo que retome o ritmo ascendente através de uma contramarcha no andamento da curva da população, que a sobrevivência nacional exige de nós. Já está bem claro que o Governo deseja desencorajar a ideia de que na idade de 65 anos para os homens e de 60 para as mulheres, todo o esforço deve cessar. O novo Governo está repetindo os incitamentos financeiros do Plano Beveridge para que o povo adie suas pensões, mas uma proporção muito alta da população estará com sessenta ou além dessa idade dentro de vinte anos; e as melhorias do estado geral de saúde estão cada vez mais tornando possível uma revisão de nossas idéias sobre a incapacidade por motivos de velhice, de modo que as pessoas que já atingiram a casa dos sessenta devem pensar em apenas diminuir suas atividades, em vez de se aposentarem definitivamente. Os membros de gabinetes ministeriais, alguns dos quais já são sexagenários, e alguns até septuagenários, não devem insistir em seus pontos de vista demasiadamente pessimistas sobre a capacidade humana no último quartel da vida. A mudança da designação de “pensão por velhice” para “pensão de aposentadoria” foi feita por razões psicológicas, mas seria melhor chamar a esses benefícios simplesmente “pensões”, deixando de lado o aspecto de coisa compulsória que essas expressões insinuam.

“É essa pensão, de 26 shillings por semana, que é a atração principal do benefício que o povo receberá em troca de cerca de cinquenta anos de contribuição. Quando o “News Chronicle”, anunciando o plano, explica triunfantemente que “tereis que pagar essas contribuições desde o tempo em que sairdes da escola e vos empregardes, até chegardes à idade de aposentadoria aos 65 anos para os homens e 60 para as mulheres”, esse jornal parece não perceber que pesado encargo essas contribuições representam, pagas pela vida inteira; e que elas serão um encargo tanto mais pesado quanto mais pobre for o homem do povo, embora, como no Plano Beveridge, as pessoas mais próximas da miséria sejam excluídas do plano. Se uma pessoa ganha menos de 30 shillings, é claro que não pode ser obrigada a pagar 4 shillings e 7 pence por semana, a menos que se lhes imponham privações tais que ela se torne um encargo pesado para o fundo de previdência através do benefício-doença, isto se sobreviver, para gozar da aposentadoria por velhice, o que será pouco provável. São, portanto, tais pessoas isentas e excluídas do plano. Mas de 30 shillings por semana para cima, todos os trabalhadores terão que pagar a mesma contribuição. E isto se nos afigura completamente sem equidade para aqueles em regime de salários baixos, mas de emprego seguro, como os trabalhadores rurais e os empregados domésticos, cujas rendas em dinheiro são baixas, pois na realidade essas pessoas serão compelidas a se segurarem em excesso de suas necessidades, a se protegerem mais do que precisam contra o desemprego. Estimaríamos que o Governo tivesse tomado providências de modo a tornar a contribuição semanal compulsória mais baixa do que a fixada pelo Plano Beveridge e pelo Governo de Coalisão. Mas essa contribuição já se acha 4 pence acima da fixada por Sir William Beveridge, e o Governo faz compreender que dentro de cerca de cinco anos ela terá que ser aumentada com o crescimento dos encargos da previdência social.

“Há uma certa lei arraigada na natureza das taxas e contribuições compulsórias de toda a espécie, que as faz continuamente crescer em vez de diminuir. Se a instituição é um monopólio do Estado, pode ela duplicar suas taxas à vontade. O público britânico se iludirá se imaginar que o que aconteceu tão dolorosamente com o imposto sobre a renda, que modesta no início, cresceu de década a década, não acontecerá também com essa nova espécie de taxação. Ninguém podia levar a sério quem afirmasse, quando dos debates sobre o imposto sobre a renda, que os quatro pennies propostos por Lloyd George se transformariam de pennies em shillings dentro de uma geração.

“Há bem poucos anos atrás o povo inglês frisava, muito cônscio da grande superioridade de sua sociedade de homens livres, que o Governo do Terceiro Reich estava arrecadando metade das rendas nacionais, confiscando uma porção cada vez maior dos salários dos trabalhadores alemães e decretando como esses salários deviam ser gastos. Já estamos bem adiantadas neste sentido, palmilhando com botas de sete léguas a mesma estrada da servidão totalitária. Não podemos evitar a alta da taxação, pois temos grandes guerras a pagar e a evitar. Mas o fato de que há necessidade para tanta taxação direta é um forte argumento para se deixar o povo o mais livre possível no gasto e emprego do dinheiro que sobra depois da visita do coletor de taxas e impostos. A menos que todo esse plano de seguro nacional seja concebido como um pagamento em espécie - reminiscência do velho sistema pelo qual os homens eram forçados a comprar o que seus empregadores desejavam vender-lhes - a incursão feita nos salários é um cerceamento da liberdade do homem comum, em um aspecto muito vital: sua liberdade de gastar o que ganhou com o suor de seu rosto; de escolher entre duas alternativas; de decidir o que terá que amealhar e o que terá que destinar ao seguro dos riscos a que se acha exposto”.

Continuaremos.