Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera
 
Uma questão de coloração

 

 

 

 

 

Legionário, 15 de setembro de 1946, N. 736, pag. 5

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O nazismo e outros regimes totalitários viveram em um ambiente em que imperava como senhor absoluto o fato consumado. A coisa tinha que ser assim e acabou-se a história. De nada valiam argumentos e apelos ao direito, à justiça, ao bom senso, ao decoro. Os führers, duces e demais tuxauas (morubixabas, chefes importantes em determinado local, n.d.c.) eram logo guindados à categoria de homens providenciais e ai daqueles que ousassem discordar desse consenso unânime “planificado” pela propaganda oficial. Tudo, por definição, tinha que estar certo, por partir de onde partia. E assim, com a cumplicidade e a colaboração de uma elite de intelectuais, de cientistas, de artistas, de funcionários públicos, de conspícuos membros das classes chamadas conservadoras, se realizou a maior e mais infame obra de deformação de mentalidades de que há notícia na história, se excetuarmos o exemplo da Rússia, que aliás não é exceção por se tratar do mesmo espírito totalitário, apenas com sinal trocado.

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Vemos a continuação dessa atmosfera de fato consumado no modo como é atualmente encarado o problema do socialismo e do comunismo. O esquerdismo é um fato consumado, alguma coisa que necessariamente tem que acontecer no mundo político e social. Talvez possamos conjurar o perigo do comunismo, mas para isso deverão ser feitas largas concessões ao socialismo. Por outras palavras, o preço do afastamento do espantalho do bolchevismo será o próprio bolchevismo com outra coloração... Repete-se aqui a velha anedota do moço que possuía ampla liberdade de escolher a noiva, desde que ela fosse a filha do compadre do futuro sogro.

Na feira das soluções para o problema político e social do mundo moderno há mercadorias de todos os tipos, que vão desde a extrema esquerda até a extrema direita. Varia a forma, porém o paladar socialista é sempre o mesmo. Os espíritos turbulentos e biliosos ali encontrarão a solução revolucionária e bolchevista. Os pacíficos e abúlicos preferirão seguir a corrente fabiana, que é partidária dos métodos suasórios condensados na expressão “by ballot instead of by bullet” (pelo voto em vez de pela bala).

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Já afirmamos, porém, por várias vezes e voltamos a insistir que a nocividade do comunismo não se acha tanto nos meios violentos que emprega, mas sobretudo no fato de ser sua doutrina intrinsecamente perversa, enganadora, e destinada à perdição dos homens. Mudasse o comunismo de tática, deixasse o processo da revolução para procurar implantar-se pela evolução, e nem por isso passaria a ser mais aceitável. Os venenos mais perigosos são justamente aqueles facilmente confundíveis com inocentes alimentos benéficos à saúde. Ninguém, a menos que possua um gosto completamente depravado, deliberada e conscientemente ingerirá um líquido sabidamente venenoso e de paladar intragável. Do mesmo modo, as formas atenuadas de socialismo são mais perigosas que o comunismo, porque aquelas conseguem iludir a muita gente que não se deixaria levar pelos grosseiros sofismas deste último.

Mais perigosas são ainda as formas esquerdistas que nem sequer aparecem como tais. Dizia o finado Mussolini que a ação precede a teoria. Pois há muitos esquerdistas da mesma opinião do ex duce. Preferem deitar mãos à obra e realizar todo um programa de realizações socialistas, sem dar o nome aos bois e dispensando o aparato da definição de princípios. A esta corrente pertence, por exemplo, sir William Beveridge com o seu conhecido plano de Previdência Social.

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Mas a palma, nesta corrente, pertence ao nunca assaz citado Sr. Haroldo Laski, o incrível professor da Faculdade de Ciências Econômicas de Londres e guia intelectual do Partido Trabalhista britânico.

Como os maus exemplos em geral frutificam, vejamos como o Sr. Laski procura levar a Inglaterra ao comunismo pelo processo fabiano, apesar de todos os seus protestos de estar apenas fazendo “Democracia planificada”.

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Dois métodos recomenda o líder fabiano para a mudança das instituições políticas e sociais da Grã Bretanha no sentido socialista: 1) valer-se da oportunidade do estado de guerra para o estabelecimento de medidas coletivistas que em época de paz provocariam reação e repulsa. 2) A conquista do poder político pelo Partido Trabalhista. Eis suas próprias palavras:

“Não pretendo por um momento sequer negar o caráter urgente de uma mudança profunda nas relações produtivas em nossa sociedade; pelo contrário, tenho insistido em que é condição necessária para a expansão da esfera do bem-estar a base, portanto, sobre a qual somente será provável a conservação de um governo democrático na Inglaterra. Mas também sustento que a menos que esta profunda mudança se opere com um volume de aprovação suficiente para que uma violenta resistência ao mesmo pareça à classe governante uma cartada ilegítima, é provável, em nossas circunstâncias, que seja também um jogo ilegítimo, por parte dos trabalhadores. Disto retiro duas consequências: a primeira é que o clima mental para toda profunda transformação somente se nos oferece no período em que a gravidade de um perigo quebranta, em áreas muito extensas de opinião, as proibições normais do privilégio; a segunda dedução é que, se a oportunidade que agora se nos oferece não for aproveitada, a classe operária somente estará em condições de defender seu direito de levar a cabo tais transformações, quando, por meios constitucionais, chegue a governar o país”.

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Acrescentemos que nada impede o emprego de ambos os meios. Com efeito, quem não percebe como avançaria a causa do totalitarismo socialista na Inglaterra, na eventualidade de novo conflito armado, encontrando-se no poder a Sociedade Fabiana pelos testas de ferro do Partido Trabalhista? E se essa nova guerra for contra a Rússia soviética, aí é que teremos um primor de mistificação da opinião pública inglesa.

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Visa o comunismo o controle estatal dos instrumentos de produção e a coletivização da propriedade. Que pretende o trabalhismo inglês pela voz autorizada de seu mentor intelectual sr. Haroldo Laski?

“Não podemos esperar o êxito da democratização do poder econômico se aqueles que possuem e controlam a propriedade, especialmente na era das corporações gigantes, se acham em posição de adquirir privilégios especiais ou de atuar de maneira arbitrária. É difícil ver como podemos evitar o desenvolvimento de tais fatos, a menos que os instrumentos vitais de produção sejam da comunidade e estejam controlados por ela como um todo diretamente a seu serviço”.

Para isso propõe o Sr. Laski o controle estatal da oferta de capital e de crédito, através da “nacionalização do Banco da Inglaterra, dos bancos de depósitos comuns, das companhias de seguro e das sociedades construtoras”. Mais ainda: “O Estado deve possuir e controlar a terra”. “O Estado deve controlar o comércio de importação e exportação”. O que se deduz logicamente “do controle pelo Estado do capital e do crédito”. “Devem ser de propriedade do Estado, e estar sob seu imediato controle: o transporte (por terra, mar e ar), o combustível e a energia elétrica”.

Eis, em resumo, o que o Sr. Laski entende por uma “democracia planificada em seu livro “Reflections on the Revolution of our time”. E conhecendo os senhores a quem servem os fabianos, bem podemos prever o verdadeiro sentido desse eufemismo. O totalitarismo socialista procura se implantar no mundo “by hook or by crook” (de um jeito ou de outro, n.d.c.), valendo-se de todas as armas. E para um povo ordeiro e conservador como é o inglês, não há dúvida que os métodos do Sr. Laski são os mais eficazes. Nem por isso deixam de ser menos indecorosos e celerados, visando, como vimos, a mesma escravização totalitária do socialismo tanto nacionalista quanto cosmopolita.