Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Comentando...
 
Humildade e covardia

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 12 de janeiro de 1947, N. 753, pag. 2

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São Tomás de Aquino, Doutor da Santa Igreja

Na situação atual, tão sombria, em que as forças do mal se agrupam e se preparam para desferir contra a Igreja de Deus o golpe que elas pretendem seja decisivo, é oportuno que lembremos certos princípios da doutrina moral do Cristianismo, que dizem respeito à virtude da humildade e ao vício da covardia. De fato, a situação presente exige dos católicos uma atitude pugnaz, um espírito de luta, uma iniciativa pronta e uma coragem inflexível para, não só aparar os golpes do exército das trevas, mas desfechar uma ofensiva sem tréguas, que o prostre vencido por terra.

Mas, objetar-se-á, isto não será contra a humildade? A humildade, que é fundamento de todas as virtudes cristãs, não exigirá de nós um pacifismo “à outrance”, uma perfeita impassibilidade em face dos ataques dos inimigos, uma entrega de todos os pontos antes mesmo do início do combate? Não deveremos inclinar, doce e meigamente, a cabeça para o lado, e, com um sorriso beato, esperar as bofetadas?

Ora, um tal comportamento nada teria que ver com a humildade autêntica, porém, nada mais seria do que estupidez e covardia. Infelizmente, é preciso reconhecê-lo, há católicos que pensam assim, mas este modo de pensar é uma deturpação do verdadeiro espírito da Igreja. Semelhante deturpação se exprime em certa iconografia contemporânea, que nos apresenta, por exemplo, um São Sebastião efeminado e choramingas, que nada tem de comum com a fisionomia máscula e esplendidamente viril do mártir que afrontava a prepotência dos Césares, de que nos dão notícia as “Acta Martyrum”.

Toda a conduta da Igreja e dos Santos dá desmentido desse passivismo falsamente virtuoso, desde os Papas conclamando oficialmente as Cruzadas para a guerra santa, até São Vicente de Paulo armando, à custa de seus penitentes, uma esquadra para ir bombardear os turcos de Algéria. Não se poderia acabar, se se quisessem contar todos os exemplos semelhantes. Lamentavelmente, tais episódios viris são omitidos nas hagiografias correntes, que nos apresentam os Santos como verdadeiros potes de melado. Mas isto, repetimo-lo, é uma deturpação.

Lembremo-nos, antes de mais nada, da solene advertência de Jesus Cristo a seus Apóstolos e, através deles, a todos os fiéis: “Não penseis que vim trazer paz à terra; não vim trazer a paz, mas a espada” (Mt. X, 34). É verdade que Ele também disse: “Se alguém te ferir na face direita, apresenta-lhe também a esquerda”. Mas, comentando esta passagem, diz o Venerando Dom Duarte, em sua Concordância de tanta autoridade: “Jesus Cristo, esbofeteado pelo servo do Pontífice, não lhe apresenta a outra face. São Paulo, ameaçado de igual afronta por Ananias, responde-lhe que Deus o há de castigar, porque, devendo julgá-lo com a lei, contra lei o manda insultar. As palavras de Jesus encerram, pois, um ensinamento de paciência e de perdão; não devem ser tomadas ao pé da letra, posto que alguns santos o tenham feito por humildade”.

Para bem estabelecer o sentido da humildade, em face da covardia e da coragem, recorramos ao Doutor Universal, ao ínclito São Tomás. Então aprenderemos que as virtudes são conexas e harmônicas entre si, de tal forma que uma não pode existir sem as outras e vice-versa. Todas de tal modo se completam que, se uma delas existir isoladamente, se desnatura por completo; conservará apenas a aparência de virtude, mas já não é virtude, pode ser até um vício.

Ora, segundo a lição de São Tomás, a virtude que, imediatamente, completa a humildade, é a magnanimidade. Ouçamo-la: “No homem existem qualidades, que são um dom de Deus; e defeitos que proveem da fraqueza da natureza. Quando, pois, o homem magnânimo se crê digno de grandes coisas, é pela consideração dos dons que recebeu de Deus. Se ele sente em si mesmo uma grande força de alma, a Magnanimidade faz com que tenda aos atos mais perfeitos da virtude. O mesmo se diga do uso dos outros dons, como a ciência e a fortuna. A humildade, porém, faz com que o homem se tenha em pouca estima, por causa da consideração dos próprios defeitos. E também da mesma forma a Magnanimidade faz desprezar os outros na medida em que não correspondam aos dons de Deus... Mas a Humildade faz honrar os outros, e estimar os superiores, porque faz ver neles alguma coisa dos dons de Deus. E assim se patenteia que a Magnanimidade e a Humildade não são contrárias, embora pareçam tender para coisas opostas, pois o proceder de ambas é ditado por considerações diversas” (Suma Teológica, IIa. IIae questão 129, art. 3. ad 4). Portanto, sem a Magnanimidade, a Humildade deixa de ser Humildade, passa a ser pusilanimidade, e até mesmo covardia. Note-se que a Magnanimidade pertence à virtude cardial da Fortaleza, que se exerce principalmente nos períodos da guerra (Sum. Teolog. IIa. IIae. Q. 153, art. 5º.).

E, para terminar, recordemos o que diz São Tomás ao tratar da virtude da vingança: “É louvável sofrer com paciência as injúrias que se nos fazem; mas é sumamente ímpio perdoar as injúrias feitas a Deus” (Sum. Teol., IIa. IIae., Q. 108, art. 1 ad 2).


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