Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera
 
“Eis que vos envio como ovelhas para o meio dos lobos”

 

 

 

 

 

 

Legionário, 2 de março de 1947, N. 760, pag. 5

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A realização, nesta capital, do Primeiro Congresso Brasileiro de Serviço Social, traz-nos ao espírito a seguinte interrogação: diante das raízes profundas do presente caos social existente em todo o mundo, não caberá ao serviço social um trabalho de Prometeu, uma vez que se limita a reajustar situações que representam as últimas repercussões do desequilíbrio social, como a avalanche de pequenas pedras arrancadas pelos grandes blocos que descem rolando pela encosta da montanha?

Com efeito, não podia ser mais sombrio o panorama que nos oferece o mundo de hoje.

Pobres sempre houve no mundo, mas nunca foi tamanho o contraste entre as duas classes extremas da escala social. O extremo luxo, o extremo poder do dinheiro, e a extrema miséria, a extrema fraqueza de recursos jamais se manifestaram no mundo em proporções tão ciclópicas desde o Advento do Divino Redentor.

O que vemos hoje é o completo reverso da tão caluniada era feudal. O poder concentrado dos novos barões feudais não se manifesta acompanhado pelo poder moderador dos princípios cristãos que na Idade Média conservavam as diferenças sociais dentro de um escalonamento orgânico, baseado no mérito e nas virtudes do trabalho honesto. A voz da Igreja era em geral obedecida e acatada e o que se podia então dizer das relações sociais entre os indivíduos, também se aplicava às relações internacionais, que se mantinham à sombra de um direito das gentes, fruto da doutrina católica e garantido em sua aplicação pela formidável força moral do Santo Padre, então árbitro universal dos conflitos entre os povos.

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Hoje, o ódio, a desconfiança, o (...), direito da força que suplanta a força do direito, o egoísmo que destrói a solidariedade entre os povos, as ideologias mórbidas, materialistas e anticristãs, ou farisaicamente cristãs e disfarçadamente materialistas, tudo isso avassala o mundo, um mundo que a grandes passos regride para o paganismo, obcecado pela preocupação de gozo, de conforto material, de prazeres dos sentidos, de livre expansão dos instintos e das paixões.

Após uma guerra conduzida com supremo desprezo pelos princípios acumulados por vários séculos de civilização católica, as relações internacionais continuam a ser mantidas na base da desconfiança, da corrida armamentista em busca de engenhos de guerra cada vez mais mortíferos e desumanos, da mania de perseguição, da tendência para soluções extremas e para o regime de ameaças, do emprego torpe da mentira e da dissimulação de intenções, das acusações recíprocas, da irresponsabilidade e da falta de apego à palavra dada.

Pratica-se a intriga e a espionagem em vez da diplomacia. Luta-se pelo predomínio universal e pelo controle absoluto, por uma nação ou outra, dos recursos bélicos decisivos, de que é exemplo a bomba atômica, com sua história tão recente e já tão cheia de crimes, de delações, de horror e de sangue.

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Ao lado da geral tendência para o gozo e para os prazeres, ao lado desse embrutecimento do senso moral e da gradativa ausência do próprio pudor, das comezinhas regras de trato cavalheiresco entre os homens, vemos que a própria estrutura dos Estados sofre uma involução nítida para as formas asiáticas e totalitárias, tangida a máquina política pela superstição do número. O número é tudo, a massa é onipotente e infalível. Em vão os teóricos do sufrágio universal se tornam afônicos de tanto bradar e gritar que nada se fará sem a educação do povo. A realidade é que o povo, mesmo quando alfabetizado, não mais se aproxima das verdadeiras fontes da verdade para a resolução dos problemas. Um relativismo universal pesa como chumbo sobre todo o orbe. E dentro desta tremenda confusão de idéias, vai fazendo caminho o princípio de que unicamente o número é que faz a lei, como em seu tempo já acentuava La-Tour-du-Pin.

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Com esse tácito consentimento dos povos, as rédeas do poder em todas as nações vão inflexivelmente caindo nas mãos de aventureiros de toda a espécie. De modo que, neste andar, aliado esse fanatismo e essa ignorância gerais da massa proletária, criada pela plutocracia, à conspiração dos novos césares e sátrapas conduzidos ao poder pela demagogia e pela insinceridade de propósitos, em breve o mundo estará mergulhado na mais tremenda noite totalitária, engolfado nos prazeres dos sentidos, possivelmente em certo setor gozando de um conforto material nunca visto, mas sofrendo da maior opressão contra os legítimos direitos da pessoa humana que jamais foi exercida, mesmo no vigor do paganismo antigo, antes que o mundo entrasse na fase de Redenção em que atualmente se acha.

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Diante desse repúdio da Graça que desceu sobre o mundo, com o nascimento de um Deus-Menino na Gruta de Belém, diante das proporções ciclópicas do mal organizado que desce sobre a humanidade, como poderá o serviço social conter a avalanche das misérias, sobretudo morais, que cada vez mais faz crescer o número das vítimas dos desajustamentos e das injustiças sociais?

Dizia Donoso Cortês que as nações são o que são não por causa de suas instituições sociais e políticas, mas por causa dos homens que se acham por detrás dessas mesmas instituições. Por outras palavras, não acreditava ele na eficácia da ação dos católicos para reformar essas instituições e através delas toda a nação, sem antes ser realizado o ingente trabalho de conversão, de reforma dos homens.

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Eis, portanto, razões para otimismo por parte dos agentes do serviço social, dada a escassez atual dos quadros desses denodados trabalhadores do campo social, e da grandeza e enormidade dos males a sanar. Não era outro o panorama, quando nosso Divino Salvador fez dispersar pelo mundo aquele pequeno número de Apóstolos e Discípulos. Com todo seu cortejo de violências, de rapina, de luxúria, de extremo poder e riqueza dos déspotas e senhores e da extrema miséria e abandono dos escravos e castas inferiores, o paganismo imperava, absoluto, por toda a parte. E foi através de um trabalho lento de reforma dos corações, foi um trabalho penoso e incessante de conversão dos homens, de restabelecimento da família em suas bases normais dentro da sociedade, da dignificação do matrimônio em seu aspecto sacramental, foi essa porfiada campanha em prol da dignidade do trabalho, da lei do repouso, do amor ao próximo, foi todo esse humilde e perseverante labor apostólico que em poucos séculos mudou a superfície da terra, fazendo que as próprias estradas construídas pelo imperialismo da Roma pagã, servissem para a propagação dos Evangelhos, criando essa verdadeira joia representada pela Cristandade e pela civilização ocidental.

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Neste exemplo do que vale a ação de um pequeno grupo inflamado pelo amor do próximo e pelo desejo de levar os homens à sua verdadeira felicidade, que é a bem-aventurança eterna, neste heroico enfrentar de situações adversas esteja o incentivo para o trabalho dos que hoje pugnam pela recondução da sociedade aos seus quadros normais, numa época em que as filas, os racionamentos e o delírio dos prazeres materiais fielmente retratam a barbárie do pão e do circo do império de Tibério César.


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