Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera
 
Ingenuidade ou conivência

 

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 20 de abril de 1947, N. 767, pag. 5

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Segundo São Tomás de Aquino, o prudente é um homem de ação. A opinião corrente é que a prudência é a virtude de agir sem arrebatamentos ou inconsiderações, mas embora a temeridade e a precipitação lhe sejam vícios opostos, o fato é que o ato próprio da prudência consiste em mandar com energia e decisão quando chega o momento oportuno.

Nada, portanto, mais oposto à virtude da prudência que esse medo de agir, esse pavor de atitudes claras e desassombradas que hoje transforma o católico em um indivíduo dominado pelo complexo de inferioridade, sempre agachado pelos cantos, receoso de ferir a susceptibilidade dos inimigos da Igreja pelo livre e sincero confessar das verdades de nossa Fé que se contrapõem aos desígnios dos mentores da subversão social.

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O prudente é o homem reto, dotado da prática dessa vivacidade de espírito que é o traço característico de todo homem verdadeiramente sagaz. Não se deixa levar pela prudência da carne, que lhe faz buscar o prazer como fim último de nossos atos, e nem evita, por comodismo e por complacência com o mundo, entrar em conflito com aqueles que procuram criar embaraços à causa do bem e da justiça.

Uma das utópicas balelas dos “prudentes” de hoje é pensar que se possa pregar a verdade e praticar o bem sem criar inimigos e despertar o ódio dos maus.

Peguemos ao acaso qualquer santo, dos que mais se eximiram na prática do amor do próximo. “Se o mundo vos odeia, dizia o Divino Salvador, sabei que, primeiro que a vós, me odiou a mim. Se fosseis do mundo, amaria o mundo o que era seu; mas como não sois do mundo - antes eu vos escolhi do mundo - por isso é que o mundo vos odeia”.

Vejamos o que sofreu um São Vicente de Paulo nas mãos dos jansenistas. E antes dele, o que dizia o suave e não menos caridoso e intrépido São Pedro Canisio, no aceso de sua campanha missionaria na Alemanha protestante dos dias de Lutero. “Bendito seja o Senhor que torna seus servidores ilustres pelo ódio que os hereges fazem explodir contra eles na Polônia, na Boêmia e na Alemanha. Pelas calunias atrozes que difundem contra mim, esforçam-se por me retirar uma reputação que não pretendo defender. Fazem a mesma honra a todos os padres. Dentro em breve talvez passem das ameaças aos golpes e às consequências mais cruéis” (Carta de São Pedro Canisio ao Geral da Companhia de Jesus).

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A complacência com o mal, insistimos, é outra característica dos falsos prudentes. Esta uma das razões pelas quais Santo Inácio de Loiola proibiu a leitura das obras de Erasmo nos colégios da Companhia. Erasmo, apesar de se confessar católico, não sabia ter nem a coragem de consciência nem a intrepidez dos homens verdadeiramente geniais. Em suas cartas publicadas após sua morte, mostrou ainda mais explicitamente professar essa indiferença perante o mal, esse latitudinarismo egoísta que, aos olhos de Santo Inácio, era mais culpável que a própria heresia.

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Segundo essa falsa prudência, o mal não deve ser combatido. E costuma ser farisaicamente invocado o próprio interesse do bem nessa condescendência com o mal, pois o efeito do combate ao mal, segundo esses homens mornos, seria favorável à propaganda e ao recrudescimento desse mesmo mal.

Ora, em seu tempo já dizia São Gregório Nazianzeno que “a doçura dos príncipes endurece os hereges e estes não são jamais vencidos pela clemência...”

Teve também o desassombro de sustentar esta opinião o Padre Laynés, segundo Geral da Companhia de Jesus, ao procurar dissuadir Catarina de Médici de seu propósito de conceder templos aos huguenotes.

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“A concessão de templos, favor publicamente concedido aos novos hereges, diz o Padre Laynés, será funestíssima à verdadeira Religião; porque, quando os templos são recusados a essas seitas, elas se extinguem pouco a pouco; se, pelo contrário, se permite aos hereges possuir templos, seus ministros podem conservar seus ritos e suas cerimonias por longos anos. É assim que vemos ser sustentada durante vários séculos a heresia de Ario e diversas outras seitas, tais como as dos gregos, dos armênios, dos  etíopes, dos coptas, que são nestorianos, a dos valdenses e dos boêmios. Elas perseveram até os nossos dias, com grande dano para o Cristianismo, porque tem templos e ministros. Pelo contrário, as seitas dos novatianos, dos frígios, dos valentianos, dos marcionitas, dos paulinianos e de outros hereges, aos quais, por edito público, o Imperador Constantino retirou as capelas e as igrejas, e aos quais foi proibido se reunirem, seja em público, seja secretamente, foram logo extirpadas, como se lê no 3º livro da História Tripartita”.

“Temos também o exemplo dos judeus e dos sarracenos, que receberam ordem de sair da Espanha se não se convertessem. Uma notável parte dos que ali permaneceram, posto que fossem batizados, porfiaram na infidelidade durante vários anos, porque lhes foram deixadas as sinagogas e as mesquitas. Mas depois que estas lhes foram retiradas, tornaram-se sinceramente católicos.”

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E mais adiante: “Que não se creia que, se a gangrena ganhar o corpo social, esteja no puder dos governantes paralizá-la à sua vontade e que, se o fogo dessa heresia crescer com concessão dos templos, eles poderão extingui-lo quando bem entenderem. A licença desenfreada da carne, que os novos predicantes favorecem de modo tão afrontoso, encontra grandes atrativos nos corações. E se um dia esses sectários se acharem com força, é certo que nada pouparão para destruir em França o culto católico, como o fizeram em Saxe, na Inglaterra, na Dinamarca e em outros Estados do Norte.”

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Estes argumentos enviados a Catarina de Médici pelo teólogo da Santa Sé no Concilio de Trento valem hoje para o problema do comunismo. Os comunistas que primam pelo realismo de vistas, que pensarão no íntimo da opinião dos católicos “de água doce”, segundo a qual o combate frontal ao bolchevismo só lhes pode ser útil? Eles que por processos violentos extirparam completamente o culto oficial católico da Rússia, hão de rir da ingenuidade desses falsos prudentes ou então dirigirão um piscar de olhos significativo aos traidores que sustentam esta opinião apenas para facilitar a marcha da bolchevização universal.


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