Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera

Subversão branca na ordem legal

 

 

 

 

 

 

Legionário, 4 de maio de 1947, N. 769, pag. 5

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Por mais de uma vez alertamos a opinião católica contra os processos fabianos de infiltração socialista, isto é, contra as manobras usadas para a subversão branca da ordem social. Os próprios mentores do esquerdismo radical não ocultam esta distinção entre o comunismo por “revolução” e o comunismo por “evolução”, dando atualmente preferência a esta última modalidade.

Não é que os processos da ação direta tenham caído de moda. Trata-se apenas de uma questão de oportunidade. Mas em meios hostis aos avanços atamancados e violentos do bolchevismo, é claro que a tática do cavalo de Troia é mais sábia. Ninguém pode negar neste particular um grande senso das realidades da parte dos orientadores do totalitarismo esquerdista.

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O que, porém, não se compreende é a passividade, a docilidade criminosa com que muitos dos ostensivos adversários do comunismo vermelho se prestam a apoiar e a referendar essas manobras para a implantação, por vias «legais» e pacíficas, da ditadura socialista em todo o mundo.

Já fizemos referências pormenorizadas aos variados aspectos dessa infiltração socialista na Inglaterra através de uma legislação habilmente estudada e de medidas governamentais e administrativas que, no conjunto, promoverão lentamente, mas seguramente (“slowly but surely”) o que uma revolução armada fez de um momento para outro na Rússia, para não citar as tentativas frustradas em outros lugares.

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Não basta, para o combate eficaz ao comunismo, o fechamento das células do Partido ou de sua Juventude. Não bastam as medidas construtivas tendentes a resolver a premente questão social de nossos dias. É preciso sobretudo, que estejamos vigilantes e que não assistamos ao incêndio de nossas instituições sociais despercebidos da gravidade do que se passa diante dos nossos olhos, como no caso dessa sorrateira modificação fabiana de nossa estrutura jurídica, social e econômica, do mesmo modo que o povo de Coimbra assistiu, aplaudindo e dando vivas àquele famoso incêndio artificialmente provocado pelo próprio corpo de bombeiros...

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Dentro desta ordem de idéias, queremos fazer referência ao anteprojeto da Constituição paulista divulgado pela imprensa diária no correr da semana.

Não somos os únicos a notar e a denunciar o seu fundo comunista. Temos a corroborar o rigor de nossas observações o depoimento do Dr. Francisco Malta Cardoso, ex-secretário da Agricultura e um dos mais destacados estudiosos dos problemas agrários no Brasil.

Em artigo do “Diário de São Paulo” de 29 de abril, faz ele as seguintes graves declarações a propósito desse ante-projeto:

“Porque essa é a crua verdade: o anteprojeto publicado para receber emendas, no prazo mais curto possível e mais conveniente para evitar o alerta de todas as consciências, sob as roupagens vistosas do modernismo e da democracia, encobrindo mazelas e intenções maquiavélicas, é típica e estritamente comunista.”

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E depois de afirmar que “não lhe basta a invocação da proteção de Deus e da inspiração nos princípios eternos da solidariedade humana ou do bem estar social” (com o que estamos de pleno acordo, pois não se deve invocar o nome de Deus em vão e muito menos usá-lo como anteparo de propósitos subversivos e contrários à doutrina da Igreja), declara o Dr. Malta Cardoso, que nesse anteprojeto se trai “a veleidade da ditadura dos pseudo-representantes do povo, numa eventual e futura ditadura do proletariado, unipartidária e comunista por sua própria definição!”

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“Há mais e melhor”, continua o ex-secretário da Agricultura de São Paulo, “do que este suave preparo de terreno da almejada, ditadura do Partido Comunista, que a todos nos colocará fora da lei, tal como a compreendemos e nos está assegurado pelos estatutos constitucionais brasileiros. Rezam os arts. 65 e 66 do anteprojeto: ‘O imposto territorial rural será cobrado na base do valor venal dos imóveis, etc. Será extinto o imposto de vendas e consignações etc’...”

E depois de considerações tendentes a demonstrar que não se trata de uma simples substituição do sistema tributário vigente, conclui o D. Malta Cardoso:

“Reconheçamos a verdade, nem mesmo os astuciosos «meneurs» (condutores, n.d.c.), do anteprojeto da Constituição paulista quiseram ocultar o espírito da letra do art. 102 n. 3 do anteprojeto, tão certos estavam do triunfo de sua tentativa de subversão branca da ordem legal da propriedade rural brasileira. Pouco se lhes dão as heresias alegadas contra a grande e a pequena propriedade, a monocultura e a policultura, as culturas de subsistência e a produção da riqueza rural, as culturas intensivas e as extensivas, a economia individual e de família, na produção rural, e a industrialização dos processos de cultura, a socialização e a coletivização – o que lhes importa, nos termos claríssimos, constitucionalmente imutáveis e taxativos propostos, é que «a incidência do imposto territorial rural visará precipuamente o loteamento das áreas incultas ou mal aproveitadas, BEM COMO DAS GRANDES PROPRIEDADES».

Não há aqui o que esconder na tática revolucionária dos prolatores do inciso. A luta é contra o cerne da população conservadora brasileira, rica ou pobre, pouco importa, fazendeiros, estancieiros e sitiantes, para que sejam substituídos pelos futuros pequenos proprietários, grandes e pequenos gulags de amanhã, expurgados depois de amanhã para a formação final das grandes, imensas e totais fazendas coletivas, numa época de servos da gleba e das usinas, enfim, de escravização universal!

«Henry Georges plan, was a program of social reform, rather than a fiscal measure», comenta Buehler, e com ele, reconhecem todos os tratadistas do assunto, a começar pelo próprio corifeu da “single-tax” e seus sequazes. Quer a socialização da terra, pelo imposto, e a reforma agrária, suavemente, quem sabe...

Mas, voltemos ao sentido verdadeiro das idéias e das palavras, isto não é democracia: isto é comunismo!

De fato, o poder de tributar envolve o poder de destruir, como ensina Marshal, porém, a nós brasileiros, criados na tradição de nossos maiores e com os sonhos de ideais próprios, cabe impedir que sejamos vítimas de semelhantes mistificações e expedientes que visam a destruição do nosso sentido de viver, de nossa dignidade pessoal e de nossas instituições nacionais.

Destruída a fazenda, secularmente brasileira, o resto virá depois. Depois da luta desigual, travada pelos homens e armas escondidos no bojo do cavalo de Troia introduzido na Constituinte paulista, a aliança georgismo-comunismo.

Estará surda, muda e cega a democracia cristã brasileira?

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Como vemos por este depoimento, o socialismo fabiano «by ballot instead of by bullet» faz enormes progressos no Brasil... Remove-se a apropriação indébita da propriedade privada não através de assaltos à mão armada, mas pelo processo da grilagem legal...


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