Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera
 
Começamos por onde a Rússia terminou

 

 

 

 

 

 

Legionário, 1º. de junho de 1947, N. 773, pag. 5

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Continua no cartaz o caso do imposto territorial rural, suscitado pelo anteprojeto de Constituição apresentado à Assembleia Constituinte do Estado de São Paulo pela Comissão Especial nomeada para redigir esse documento.

Durante a semana foram várias as manifestações publicadas pela imprensa e contrárias a essa inovação de tendência nitidamente comunista. Não faltaram também as vozes favoráveis à medida. E estas repisaram de preferência o argumento da autoridade. A medida é boa e sábia porque Einstein, por exemplo, é seu partidário. Que diria Einstein se Mendes Pimentel se manifestasse com o mesmo desembaraço sobre a teoria da relatividade? Comentamos recentemente a opinião de Einstein sobre o controle mundial da energia atômica e demonstramos que os méritos científicos do sábio relativista não o transformam em autoridade para assuntos estranhos à sua especialidade.

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Não é isso, porém, o que nos interessa.

Vamos assinalar o seguinte fato altamente significativo. A matéria contida no Anteprojeto da Comissão de Constituição sobre esta questão foi toda ela retirada do anteprojeto oferecido àquela mesma Comissão pelo Partido Comunista do Brasil. Não sofre essa verdade a menor contestação.

Com efeito diz o anteprojeto da Comissão de Constituição:

“Artigo 63 - O imposto territorial rural será cobrado na base do valor venal dos imóveis, exclusive benfeitorias, e será progressivo em função da área, levada em consideração a situação do imóvel.

“Artigo 64 - Será extinto o imposto vendas e consignações, salvo sobre artigos de luxo, bebidas alcoólicas e fumo.

“Parágrafo único - A extinção mencionada neste artigo se fará gradativamente, no prazo de .... anos, suprimindo-se o imposto em ordem da menor arrecadação dos produtos atualmente tributados, compensada a receita pelo aumento gradativo dos impostos diretos.”

E no artigo 100 se acha o seguinte:

“II - O Estado e os Municípios promoverão a desapropriação das terras, de preferência nas regiões de maior densidade demográfica e dotadas de melhores vias de comunicação, a fim de as lotear, sempre que os seus proprietários não as explorem em condições que tendam ao interesse coletivo.

“III - A incidência do imposto territorial rural objetivará precisamente o loteamento das áreas incultas ou mal aproveitadas, bem como das grandes propriedades.

“Parágrafo 2º - Na caracterização da pequena propriedade, a lei considerará não só a área, como o objetivo econômico, o valor venal, a localização do imóvel, a situação financeira do proprietário.”

Até aqui o anteprojeto da Comissão de Constituição.

Sobre a mesma matéria vemos o seguinte no anteprojeto do Partido Comunista do Brasil:

“Artigo 76 - O imposto territorial rural será cobrado na base do valor venal dos imóveis, exclusive benfeitorias, e progressivo em função da área levada em consideração a situação do imóvel.

“Artigo 77 - O imposto de vendas e consignações incidirá somente sobre artigos de luxo, bebidas alcoólicas e fumo.”

E no parágrafo 1º do Artigo 89:

“I - A incidência do imposto territorial-rural visará precipuamente o loteamento das áreas incultas ou mal aproveitadas, bem como das grandes propriedades, sobretudo nas regiões de maior densidade demográfica e dotadas de vias de comunicação.

“II - O Estado promoverá por sua conta a organização de núcleos coloniais, suas terras devolutas e em outras desapropriadas para esse fim, de preferência nas regiões de maior densidade demográfica e dotadas de melhores vias de comunicação.”

E no parágrafo 2º do mesmo artigo:

“Na caracterização da pequena propriedade, a lei considerará a área, o valor venal, a localização do imóvel e a situação social e financeira do proprietário.”

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Note-se que o Partido Social Democrático, a União Democrática Nacional e o Partido Social Progressista também apresentaram anteprojetos à citada Comissão de Constituição. Preferiram, porém, os redatores ficar com o disposto no anteprojeto do Partido Comunista do Brasil sobre a política tributária...

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Vemos que tanto na versão do Partido Comunista como na versão da Comissão de Constituição a incidência do imposto territorial rural objetivará precipuamente o loteamento das áreas incultas ou mal aproveitadas, bem como das grandes propriedades.

Note-se que para as grandes propriedades não há a restrição ditada pelo fato de permanecerem incultas ou mal aproveitadas. A incidência do imposto visará, portanto, seu loteamento mesmo no caso de estarem sendo cultivadas com o máximo de proveito para a coletividade.

Outra conclusão importante é que a finalidade principal da incidência do imposto territorial rural não é promover maior justiça aos lançamentos tributários, mas ao confisco das terras através do gradativo aumento das exigências fiscais.

E esta medida atinge apenas a zona agrícola, o imposto territorial é apenas rural, isto é, exime de sua incidência as áreas urbanas. Ora, as indústrias e o comércio se localizam de preferência nas cidades. É o caso então de se perguntar: se a finalidade principal do imposto sobre as terras é acabar com a miséria e com as desigualdades de bens, como apregoam os demagogos, que estranha deturpação dos fatos é essa que dá como morada exclusiva dos tubarões e exploradores do povo o recesso de nossas fazendas e estâncias, beatificando em vida os industriais e comerciantes, os manipuladores e intermediários dos produtos agrícolas? Os açambarcadores de gêneros e de outras mercadorias seriam unicamente os fazendeiros e sitiantes, quando qualquer criança de rua tão bem sabe onde localizá-los dentro das cidades...

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Outro ponto indicativo do caotismo do projeto é o que se refere às áreas não exploradas em condições que atendam ao interesse coletivo. Tais áreas serão desapropriada e loteadas. Ora, bem podemos perceber como elástico esse critério do interesse coletivo. É uma porta aberta aos dirigentes da máquina estatal que possuam tendência socialista.

E a medida atingirá não os ricos, não os grandes consórcios industriais com ramificações na parte agrária, que possuam recursos técnicos e econômicos para explorar suas terras com grande eficiência, mas os pobres lavradores, os pequenos fazendeiros que heroicamente lutam no nosso hinterland contra as condições adversas do meio, desprovidos de maquinário, desprovidos de estradas, desprovidos de conforto e que muitas vezes mal tiram da terra o suficiente para a sua própria subsistência.

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Vários anos de “proteção” estatal ao nosso maior produtor agrícola, praticamente arrasaram com os cafezais de São Paulo. Para cúmulo da irrisão, vêm os mesmos senhores manipuladores da máquina estatal e resolvem “proteger”, não mais uma determinada cultura, mas a própria terra... Querem, por força, transformar o solo pátrio em uma Somália...

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No fundo, porém, o problema se resolve à luz da experiência russa. Ali o principal óbice à marcha do bolchevismo foi oferecido pelos proprietários rurais. Em todos os países o ambiente do campo é mais livre, o contato direto com a terra dá uma prosperidade mais estável, embora menos faustosa que a dos grandes centros urbanos, sendo maior a independência da economia agrária em relação à máquina estatal e mais imune à demagogia revolucionária.

O Estado totalitário se sente muito mais à vontade nas zonas industriais, onde tudo fica sujeito aos seus cordões de controle. Na “civilização” industrial do mundo moderno o homem se torna um simples escravo do poder público. Para trabalhar, para morar, para se alimentar, o proletário urbano se acha à mercê do Estado “Providência”.  De modo que a bolchevização desses centros industriais praticamente não oferece problemas. É uma questão de substituição mais completa dos capitães de indústria pelos comissários do povo.

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Querem,  portanto, aqui no Brasil, começar por onde o bureau político de Moscou terminou. Removem gradativamente a resistência da grande força social e conservadora representada pelo nosso interior agrário. E estarão facilitadas as veredas para o advento completo do totalitarismo bolchevista entre nós....


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