Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera
 
O império anti-soviético

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 15 de junho de 1947, N. 775, pag. 5

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No livro “Struggle for the World” o autor da “Revolução dos gerentes” nos oferece o último figurino criado para o tão debatido problema da unificação do poder político mundial. James Burnham tenta demonstrar a impossibilidade de um governo universal, que exerceria soberania suprema sobre todos os povos e a cujas mãos seria confiado o monopólio da energia atômica. É a utopia cosmopolita defendida por Einstein e por outros repetidores de recado.

Frisa o autor que um governo genuíno não é uma abstração. É composto por seres humanos de carne e osso, organizado em instituições e cimentado por um corpo comum de idéias. É preciso que os súditos, ou cidadãos, de um governo genuíno estejam dispostos a reconhecer livremente ou através de coação, que não há poder superior ao governo (Note-se: é o autor da obra quem fala...). É a isto que Burnham dá o nome de soberania, e sem soberania não há governo. Ora, diz ele, não há disposição, por parte das nações unidas, no sentido de abrir mão de sua soberania.

Chega Burnham assim à conclusão de que dentro de determinado limite de tempo, o livre e voluntário estabelecimento de um governo mundial é historicamente impossível. É impossível porque os necessários pré-requisitos históricos não existem. No mundo, de um modo geral, não há unidade, mas pluralidade cultural e, ainda por cima, a fratura superimposta em segmentos totalitários e antitotalitários.

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Isto quanto ao projeto de um governo mundial formado por discussão livre e deliberadamente aceito pelas nações componentes. Se, porém, acrescenta Burnham, considerarmos um império mundial estabelecido pelo menos parcialmente pela força e pela ameaça da força, a voz da experiencia histórica não mais ditaria a mesma conclusão negativa.

Por império mundial entende Burnham um Estado, que não abarcará necessariamente o mundo inteiro no sentido literal, mas que será uma potência política exercida por todo o mundo, estabelecida pelo menos em parte pela coação (inclusive a guerra, provavelmente, mas certamente a ameaça de guerra) e na qual um grupo de povos (sendo seu núcleo uma das nações existentes) enfeixaria em suas mãos mais do que sua igual parcela de poder.

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Tal império mundial, segundo o autor, não precisaria ser totalitário – isto é, não precisaria intervir em todas as fases das atividades sociais, mas exerceria poder “sobre certas questões chaves, tais como as relações exteriores e a política militar”. Haveria, com efeito, apenas uma tarefa absolutamente essencial para esse império mundial: a preservação do monopólio das armas atômicas e outras similares.

Conclui o autor de “Struggle for the World”: Entre as instituições existentes há duas, e duas apenas, que se apresentam como sérias candidatas ao monopólio do controle das armas atômicas. A América do Norte e a União Soviética são as únicas potências que possuem todos os requisitos – matérias primas, recursos industriais e pessoal treinado. A pendência da guerra atômica será, portanto, resolvida entre a América do Norte e a União Soviética. Esta pendência, diz o autor, será decidida em nossos dias. E dramaticamente lembra que no curso dessa decisão ambos os antagonistas podem ser destruídos. Mas que um deles pelo menos deve desaparecer.

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Até aqui um resumo das idéias expostas por James Burnham a respeito da formação de um império mundial, sob a égide da América do Norte, para disputar à Rússia soviética o monopólio e controle da energia atômica.

Vejamos, agora, qual a diferença essencial entre esse império chefiado pela América do Norte, de acordo com o balão de ensaio de James Burnham, e o governo mundial das grandes potências, preconizado por Einstein, Emery Reves e outros.

A diferença essencial é que esse governo mundial seria constituído inicialmente pela América do Norte, a União Soviética e a Grã Bretanha, “por serem, segundo Einstein, as três únicas potências que dispõem de grande força militar” ... Na aparência, o elemento novo é a cisão desse grupo em dois grupos antagônicos, dada a impossibilidade de um acordo. Quanto ao resto, o método de formação seria o mesmo, isto é, tanto em um plano, como no outro, tal governo ou império seria organizado quer as outras potencias aderissem, quer não aderissem, e em ambos os casos as nações perderiam a soberania em favor do novo poder mundial.

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Ao tentar justificar essa perda de soberania, procura James Burnham demonstrar que tal governo mundial não pode ser conseguido do modo como as 13 colônias norte-americanas se uniram para formar os Estados Unidos, dadas peculiaridades de língua comum, forma comum de cultura, dependência de uma única potência, a Inglaterra, e a compreensão de que a falta dessa união abriria portas ao domínio dessas colônias pelas potências europeias – requisitos que faltariam às nações que devem fazer parte desse império mundial.

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Vemos, assim, que o autor mostra uma visão muito estreita, ao procurar nas lições da História a demonstração objetiva de sua tese.

Somente podemos compreender um império antagônico ao império soviético se este império estiver assentado sobre princípios opostos à ideologia comunista. O que distingue a civilização ocidental é o Cristianismo. Ora, não é esta a primeira vez que o Ocidente se vê ameaçado pelo Oriente pagão.

Carlos Magno e seus ancestrais livraram o Ocidente cristão da ameaça muçulmana. E Carlos Magno foi o primeiro detentor do poder encerrado pelo Sacro Império do Ocidente.

Ora, o Cristianismo é organicamente contrário a todo e qualquer panteísmo religioso, seja o panteísmo social do comunismo, seja o panteísmo político do império romano dos Césares. Enquanto o império romano do paganismo se compunha de províncias dependentes de Roma, o Santo Império do Ocidente se compunha de reinos independentes. O que unia todos esses países era o mesmo conceito da sociedade dos povos cristãos – a Cristandade, e não o argumento da força.

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O mesmo ideal comum fez a união das armadas Cristãs já em plena Renascença, sob o Pontificado de São Pio V, para conjurar nova ameaça de extermínio da civilização ocidental pelos infiéis muçulmanos. A batalha de Lepanto esmagou do século dezesseis até nossos dias o poderio dos turcos.

Por que hoje não se poderá realizar essa união dos povos cristãos em torno de um ideal comum em vez de ser usado o espantalho das armas atômicas?

A resposta nos dá de Bonald:

“O gênero humano pode ser considerado como reunido em uma sociedade universal, sob o poder supremo de Deus e das leis gerais da humanidade; mas as nações cristãs ou civilizadas formam uma sociedade especial sob as leis do cristianismo, aplicadas às relações das nações entre si. Assim devia ser, assim devíamos desejar que fosse. Mas, infelizmente, assim não acontece. E por que? Porque os diferentes povos entre os quais o gênero humano se acha divido, qualquer que seja sua fé em Deus, Poder Supremo invisível, não reconhecem um mesmo poder religioso, único poder supremo visível que os poderia unir entre si e formar entre eles uma única sociedade universal”.

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Não basta a afirmação de James Burnham de que é preciso um império para se opor ao império soviético. As próprias vacilações e mesmo cumplicidade das nações unidas em relação ao expansionismo soviético, estão a indicar que essa luta, cuja necessidade ninguém em sã consciência pode negar, deve ser realizada não apenas entre dois impérios que se disputam o domínio sobre o mundo, mas entre duas concepções de vida diametralmente opostas. De um lado o jugo do totalitarismo socialista e de outro a liberdade introduzida no mundo pelo Cristianismo. De um lado as nações transformadas em províncias escravizadas aos comissários do povo através de governos títeres, de outro a união de nações soberanas sob a liderança de uma nação cujo maior poder material pode ser usado como uma dádiva de Deus para a salvação da humanidade.

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Na exposição de Londres, em 1862, sobre o friso da cúpula de um colossal edifício, lia-se a seguinte inscrição em latim: “A vós, Senhor, pertence o Império, a Vós o poder, a glória e o louvor; porque tudo o que existe sobre a terra e no céu vos pertence”.

Eis o verdadeiro império que deve ser instaurado sobre a face da terra. O império construído como os antigos israelitas construíram Jerusalém: em uma das mãos a espada para combater os inimigos da Cristandade tanto os que claramente repudiam a lei de Deus e sua justiça, quanto os que farisaicamente se plantam na porta do templo, sem entrar e sem deixar que os outros galguem seu recinto, na outra mão os instrumentos com que edificam a Cidade Santa, a Jerusalém terrestre, a Cristandade, prelúdio da conquista da Jerusalém celeste, razão de ser de toda nossa luta neste mundo.


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