Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera
 
Capitalismo e capitalismo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 7 de setembro de 1947, N. 787, pag. 5

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A ser levada a sério a interpretação dada às palavras dos últimos Papas, em suas Encíclicas sociais, por determinados exegetas esquerdistas, a Igreja teria condenado o capitalismo.

Enganam-se os que apenas se preocupam com os ataques diretos dos comunistas contra o catolicismo. Muito mais perigosa que essa campanha aberta contra o nosso credo, vem a ser a tática do terreno comum, de que é exemplo essa verdadeira cabeça de ponte da luta contra o capitalismo, em que a irreflexão dos católicos os pode colocar a puxar brasas para a causa do totalitarismo socialista.

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Vejamos, portanto, qual a atitude da Igreja em face do capitalismo.

Diz o “Código Social de Malines” que “o regime capitalista, dentro do qual os homens contribuem para a atividade econômica, uns pelo capital, outros pelo trabalho, não é condenável em si”.

Por conseguinte, a ser real o que afirmam os tais exegetas, o Código Social de Malines, que passa por ser o “esboço de uma síntese social católica”, não teria sido fiel em sua interpretação da doutrina econômica exposta nas Encíclicas sociais dos Papas.

A verdade, porém, é bem outra.

Nem Leão XIII, nem Pio XI, nem Pio XII condenam o capitalismo em si, como fazem, por exemplo, com o socialismo. O que a Igreja condena é o capitalismo que se afasta dos princípios católicos e da própria lei natural, do mesmo modo que são condenados os desvios do trabalhismo ou de qualquer outro regime social ou econômico.

Neste sentido, é muito clara a linguagem de Pio XII na radiomensagem de 1º. de setembro de 1944:

“A consciência cristã não pode admitir como justa uma ordem social que segue como preceito ou que torne praticamente impossível ou vão o direito natural de propriedade, tanto sobre os bens de consumo como sobre os meios de produção. Mas essa (a consciência cristã) também não pode aceitar aqueles sistemas, que reconhecem o direito da propriedade privada segundo um conceito de todo falso, os quais igualmente se acham em contraste com a sã e verdadeira ordem social. Por esta razão, lá onde, por exemplo, o “capitalismo” se baseia sobre tais concepções errôneas e se arroga sobre a propriedade um direito ilimitado sem nenhuma subordinação ao bem comum, a Igreja o tem reprovado como contrário ao direito natural”.

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O trecho não deixa margem para dúvidas. O que o Santo Padre condena é o capitalismo “lá”, isto é, onde e quando se baseia em concepções errôneas, etc.

Na Encíclica “Quadragesimo Anno”, Pio XI mostra como Leão XIII considerava o regime capitalista, isto é, a ordem econômica na qual uns contribuem com o capital e outros com o trabalho. E acrescenta:

“Leão XIII pôs todo empenho em ajustar essa organização econômica às normas da reta ordem: de onde ser evidente que ela não é condenável por si mesma. E na realidade não é, por sua natureza, viciosa, mas viola a reta ordem quando o capital escraviza aos operários ou a classe proletária, com o fim e a condição de desfrutar a seu arbítrio e vantagem a empresa e mesmo toda a economia, sem fazer caso nem da dignidade humana dos operários, nem do caráter social da economia, nem da própria justiça social e do bem comum”.

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Segundo os documentos pontifícios, tanto esse capitalismo deformado, quanto o socialismo de nossos dias, tiveram ao liberalismo por pai. Nem se diga que houve incoerência por parte do liberalismo ao gerar esses dois monstros. O capitalismo liberal, longe de ser reacionário, não passa de uma simples etapa na jornada rumo ao totalitarismo socialista.

“As últimas consequências do espírito individualista no campo econômico” são, segundo Pio XI, “a livre concorrência destruiu-se a si mesma; a prepotência econômica suplantou o mercado livre; o desejo de lucro foi substituído pela ambição desenfreada do poder; toda a economia se tornou extremamente dura, cruel, implacável”.

Em nossos tempos não somente se acumulam riquezas, mas se criam enormes poderes e uma prepotência econômica despótica nas mãos de muito poucos. Muitas vezes, diz Pio XI, não são estes nem donos sequer, mas simples depositários e administradores, que regem o capital à sua vontade e arbítrio.

Eis, portanto, facilitado o caminho para o totalitarismo do Estado. Concentrado despoticamente o poder econômico em poucas mãos, basta a desapropriação de umas poucas sociedades anônimas, de alguns poucos “trusts” e toda a máquina da produção e do consumo que lhe é caudatária, passará para a orbita estatal. E dentro desse regime o próprio povo já se acha transformado em “massa”, dócil instrumento dos totalitarismos.

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A que distância se acha essa ordem econômica liberal, em suas consequências totalitárias, da ordem econômica hierárquica, escalonada e orgânica desejada pela Igreja? Com efeito, como amargo fruto da concentração desse tremendo poder econômico nas mãos de uns poucos, e da redução da parte restante à simples “massa”, temos o quadro traçado pelo Santo Padre Pio XII em sua alocução de Natal de 1944:

“Nas mãos ambiciosas de um só ou de alguns, que a tendência egoística tenha artificialmente agrupado, o Estado pode, com o apoio da massa, reduzida a não ser mais que uma simples máquina, impor seu arbítrio à parte melhor do verdadeiro povo; o interesse comum permanece gravemente e por longo tempo ferido e com dificuldade se restabelecer”.

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Se quisermos livrar a humanidade do caos social em que ela se acha, não devemos, portanto, combater o regime capitalista em si mesmo considerado, pois, como diz Leão XIII, “não pode existir capital sem trabalho, nem trabalho sem capital”, quer se considere o capital móvel, mais comum na economia moderna, quer o capital imóvel, ou economia baseada na terra, característica dos velhos tempos.

E mesmo na economia artesã da Idade Média vemos operários que trabalham para os patrões mediante compensação por meio de salários.

O que devemos fazer será de novo reajustar essa organização econômica aos princípios católicos magistralmente expostos nas Encíclicas. Esse trabalho, porém, nada tem em comum com as explorações demagógicas feitas pelos esquerdistas e fascistas em torno do capitalismo. Hitler também deblaterava contra o capitalismo.

Agindo em coro com os revolucionários das várias correntes na luta contra o capitalismo “tout court”, o resultado não será carreado para a causa católica, mas para o totalitarismo socialista, dando-se apenas uma substituição de senhores: em vez do capitalismo privado, teremos o capitalismo de Estado, que é a etapa final do capitalismo liberal.

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Dessa economia liberal, preparadora do socialismo, é mãe a Revolução Francesa. E Napoleão foi o consolidador da revolução liberal em toda a Europa. É oportuno, portanto, lembrar um dos variados aspectos do inestimável concurso que esse aventureiro prestou à causa desse nefasto capitalismo liberal.

O fato vem narrado por Rohrbacher, ao descrever as guerras napoleônicas na Alemanha no ano de 1806:

“O eleitor de Hesse-Cassel foi despojado de todo o seu país. Havia acumulado muito dinheiro traficando com seus soldados; esse dinheiro ia cair nas mãos dos franceses, quando o judeu Amschel, seu comissário de finanças, declarou de sua propriedade particular e fez valer tão bem essa declaração que não somente o conservou, mas se enriqueceu a ponto de se tornar, sob o nome de Rothschild, uma das grandes potências europeias pela bolsa (Menzel, t. XII, l. 6, c. 25)” (Rohrbacher - Vol. 12, pag. 9).

Eis aí bem assinalada uma das fontes originais do “não menos” funesto e detestável internacionalismo do capital, ou seja o imperialismo internacional, para o qual a “pátria se acha onde se está bem”, no dizer do Pontífice da Ação Católica.

É contra essa “usura voraz” a que aludia Leão XIII e contra este instrumento político do capital, em mãos dos agentes da revolução mundial, que os católicos devem combater.


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