Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera
 
Revolução visível e Revolução invisível

 

 

 

 

 

 

Legionário, 30 de novembro de 1947, N. 799, pag. 5

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O “romantismo católico” do século dezenove é irmão do “liberalismo católico”. Ambos tiveram por mãe a escola racionalista e deísta de origem anglo-germânica. E ambos agiram de parceria na obra de enfraquecimento da resistência católica contra a impiedade revolucionária, empregando nessa inglória tarefa as mesmas armas, isto é, um falso espírito de moderação e de conciliação, aliado à tendência de diminuir as verdades de nossa Fé à custa do sacrifício do “sentir com a Igreja”, que era substituído por uma oca presunção de “independência de espírito”.

Esta falta de docilidade em relação aos ensinamentos da Igreja foi, segundo Pio XI, responsável pelo atual caos social em que nos achamos. “Não haveria nem socialismo nem comunismo se aqueles que governavam os povos não tivessem desprezado os ensinamentos e as maternais advertências da Igreja; esses, entretanto, quiseram, baseados no liberalismo e no laicismo, erigir outros edifícios sociais, que de início pareciam potentes e grandiosos, mas que em pouco tempo se viram sem fundamento, e vão miseravelmente ruindo um após outro, como deve ruir tudo aquilo que não se apoia sobre a única pedra angular que é Jesus Cristo” (Encíclica “Divini Redemptoris”).

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É compreensível que os governos liberais hajam insistido nessa marcha para o abismo, pois em geral vêm sendo compostos por emissários do poder oculto que manobra os cordéis da trama revolucionária. Nada fariam, porém, tais sectários e inimigos declarados da Igreja se não encontrassem entre as fileiras católicas esses precursores da “mão estendida” que foram os românticos da corrente de Chateaubriand e os liberais da corrente de Lamennais. Eis porque semelhantes católicos merecem ser alinhados entre os mais perigosos inimigos da Igreja. Com efeito:

“Nestes tempos de confusão e de desordem, dizia Pio IX em 1861, não é raro se verem cristãos, católicos - mesmo no clero secular, e mesmo nos claustros - que têm sempre sobre os lábios palavras de meio termo, de conciliação, de transação. Pois bem, não hesito em declarar: esses homens se acham em erro e não os considero os inimigos menos perigosos da Igreja. Não, sejamos firmes; nada de conciliação, nada de transação com os homens ímpios; nada de transação proibida e impossível” (Alocução após o decreto relativo à canonização de 23 mártires franciscanos do Japão, 17 set. 1861).

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Estas palavras ainda hoje são oportunas. Também em nossos dias o romantismo e o liberalismo provocam verdadeiras devastações nas hostes católicas. E é essa atitude de falso espírito de conciliação e de falsa defesa dos inimigos da Igreja que constitui a maior força da revolução.

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Vejamos, por exemplo, o problema comunista no Brasil. Houvesse docilidade na observância dos ensinamentos da Igreja e tal “problema” deixaria de existir. Eis porque afirmamos que esses elementos que, em um país de maioria católica, como é o Brasil, criam ambiente nos meios católicos para essa falsa tolerância e para essa neutralização das forças de resistência ao mal, eis porque afirmamos que tais elementos são mais nefastos que os próprios comunistas.

Não é nosso esse juízo tão rigoroso. É do Vigário de Cristo na terra. Ontem, hoje e amanhã, a voz da Igreja em matéria de princípios é uma só. E falando em matéria de princípios assim se expressava Pio IX logo após os horrores da insurreição comunista de março de 1871:

“O que aflige vosso país e o impede de merecer as bênçãos de Deus, é a mistura dos princípios. Direi a palavra, não me calarei; o que temo para vós não são esses miseráveis da Comuna, verdadeiros demônios escapados do inferno: é o liberalismo católico, isto é, esse sistema fatal que sonha sempre conciliar duas coisas irreconciliáveis, a Igreja e a revolução. Já o condenei; mas o condenarei ainda quarenta vezes, se for preciso” (Alocução dirigida em 1871 a um grupo de peregrinos franceses).

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Uma outra característica desses católicos eivados de romantismo e de liberalismo, é a cegueira que demonstram no que diz respeito aos verdadeiros desígnios da revolução e aos seus verdadeiros mentores.

Promovendo uma cisão completa entre a tese e a hipótese, entre a teoria e a prática, entre o que é de direito e o que é de fato, facilitam sobremaneira a obra de subversão social que vem sendo realizada pelos inimigos da Igreja. Conforme as conveniências de “defesa” dos ideais ou das obras revolucionárias, ressaltam a liceidade da tese ou da hipótese, não entrando nunca, porém, na análise da intenção ou do elemento político, que se acha por detrás dessa atitude de fato ou de direito.

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Finalizemos com um exemplo. Vejamos o modo de agir do católico “neo-romântico” ou “neo-liberal” em face da Previdência Social. É todo elogios para o Plano Beveridge e para as suas caricaturas mais ou menos grotescas que vão surgindo pelo mundo inteiro. Em “tese” a segurança social é uma necessidade, sobre ela vêm-se manifestando os últimos Papas, de Leão XIII a Pio XII. Nem de leve admite ele, porém, a hipótese dessa Previdência ou dessa Segurança Social poder ser usada como instrumento para a implantação indireta do totalitarismo do Estado.

Não lhe entra na cabeça que possa haver no mundo quem combata medidas legislativas em favor da segurança social... pelo fato de desejar para a sociedade essa mesma segurança social.

Incompreensível para ele, portanto, o manifesto dos patriotas suíços que em 1925 combateram a “lei Schulthess”, que era o “plano Beveridge” helvético, baseados, entre outros, nos seguintes argumentos:

“Em 1922, a Grande Loja de França preconizava a nacionalização dos seguros.

“Em 1923, a Grande Loja de França pede a abolição do direito de herança e de doação.

“Mas se o Estado suprime a herança e a propriedade, porque vos segura o Estado, para vos sustentar, tem necessidade de vosso trabalho e de vossa produção.

“Em 1923, a Grande Loja de França pede o trabalho social obrigatório, ou seja o trabalho forçado.

“Mas se o Estado vos faz trabalhar, torna-se necessário que ele divida as tarefas, torna-se necessário que ele vos forme, que ele vos oriente.

“Em 1922, o Grande Oriente de França não se esquece que “há estreita dependência entre a ideia da obrigação do trabalho e da supressão da herança e a orientação profissional”.

“A orientação profissional ou “seleção dos indivíduos” supõe, por seu lado, o monopólio do ensino nas mãos do Estado.

“Em 1923, a Grande Loja de França declara “Uma organização racional do trabalho supõe a Escola Única”. É o último anel da cadeia que se deseja colocar em vosso pescoço.

“O Estado-Segurador se apossa de vós. Escravatura de bens, escravatura da carne, escravatura do espírito.

Lei mais dissimulada que esta jamais vos ameaçou. Um humanitarismo hipócrita e “scroc” vos leva ao despotismo infernal do Estado, ao comunismo. É um novo passo da revolução invisível e legal”.

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O espírito liberal e romântico que ainda persiste em certos ambientes católicos não somente amolece a resistência contra as formas ostensivas da campanha revolucionária, concretizada no socialismo da esquerda e da direita, mas também concede seu inestimável apoio ao neo-liberalismo de Sir William Beveridge e de Walter Lipmann, que com seu “planejamento”, sua “segurança social”, sua “redistribuição de rendas” e seu programa de “nacionalização dos meios de produção” de modo hipócrita e disfarçado, mas não menos perigoso, vai preparando as veredas para a implantação do Estado totalitário, meta final da revolução.


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