Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera
 
As várias cabeças da hidra socialista

 

 

 

 

Legionário, 7 de dezembro de 1947, N. 800, pag. 5

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Há quem sustente que a oposição da Igreja ao socialismo se cinge ao terreno da filosofia de vida. Uma vez livre da feia crosta do materialismo e do ateísmo, o socialismo, considerado apenas como sistema econômico, passaria a ser aceitável como outro qualquer.

Ora, acontece que em geral o socialismo não é assim tão exigente e se satisfaz em ser apenas e justamente um sistema econômico... E quando a Igreja condena a expressão “socialismo cristão”, não faz esta distinção, mas afirma que mesmo “depois de suas concessões à verdade e à justiça” é ele incompatível com o Credo católico, “já que sua maneira de conceber a sociedade se opõe diametralmente à verdade cristã” (Encíclica “Quadragesimo Anno”, de 15 de maio de 1931, do Papa Pio XI). Eis porque “socialismo religioso, socialismo cristão são termos contraditórios”.

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Quem, portanto, assim procura dourar a pílula socialista comete pelo menos o equívoco de considerar o materialismo e o ateísmo como os dois únicos erros com os quais a Igreja não deseja transação... Ora, o que cabalmente nos demonstra a história do Cristianismo é que o socialismo tem sido sempre a consequência prática, no campo social, dos erros religiosos. E não nos consta que as heresias, tais como a dos ebionitas, dos gnósticos, dos pelagianos ou dos albigenses, fossem sistemas ateus ou materialistas, pelo menos de modo direto, embora levassem ao ateísmo e ao materialismo pelo desenvolvimento ulterior de seus falsos princípios.

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Há, porém, uma outra classe de advogados do conúbio do socialismo com a Igreja. Para essa corrente o mal do socialismo não estaria no fim por ele visado, mas nos meios que emprega para atingir e manter esse mesmo fim. Um socialismo não imposto pela violência, um socialismo evolucionista, que agisse pela persuasão e por processos “legais”, seria perfeitamente admissível. Os inimigos da sociedade, segundo essa corrente, seriam os arrombadores de portas. Outro tanto não se poderia dizer dos chantagistas e “scrocs” (estelionatários, trapaceiros, n.d.c). Muito lícita, portanto, seria a atuação dos vigaristas, pois é sabido que eles agem de parceria e conivência com suas vítimas. Do mesmo modo, desde que os socialistas galguem o poder com o voto popular, que é que os impede de promover uma “nova ordem” coletivista por medidas legislativas?

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Há outras formas de implantação do socialismo para estômagos ainda mais delicados. Para vencer a repugnância daqueles que acham que a passagem para o regime socialista pelo sufrágio universal e por outros golpes políticos não oferece garantias de lisura e de “fair play”, mesmo no caso da socialização dos meios de produção ser feita mediante indenizações, pois não basta tal indenização para afastar o caráter ditatorial dessa socialização por desapropriação, para vencer tal repugnância inventaram a jeitosa gazua do cooperativismo.

Já tivemos ocasião de declarar que nada temos contra o cooperativismo de âmbito privado, que pode ser elemento muito útil e eficaz na resolução parcial de determinados problemas de produção e de consumo. Não resta dúvida, porém, que ao lado desse cooperativismo sensato, há o cooperativismo enlouquecido, o pancooperativismo, o cooperativismo generalizado por toda a máquina econômica, que se prende nas malhas do poder estatal, e que não passa de uma nova forma de socialismo.

Podem gritar e esbravejar os “ortodoxos” e “puros” do cooperativismo. A verdade é que certos fatos e ideias, uma vez lançados em circulação, trazem consequências e ulteriores desenvolvimentos que os tornam independentes de alguns daqueles que de boa fé os provocam ou sustentam. Isto sem falar no “underground” que existe na suposta espontaneidade com que surgem tais fatos ou ideias.

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No caso do cooperativismo, não faltam autoridades para atestar sua deturpação no sentido socialista. Assim é que dizia o bem informado Albert Thomas, do Bureau Internacional do Trabalho: “O cooperativismo de Charles Gide e o socialismo de Jean Jaurès se entrelaçam”.

“Se o cooperativismo é socialista – diz Ernest Poisson – é que a República cooperativa e a República social são duas irmãs, é idêntico em suas (linhas) gerais o sistema econômico que uma e outra desejam realizar”. Mais ainda: “Abstração feita dos meios empregados para atingir a meta final, a República cooperativa integral, como a República socialista, criará a propriedade coletiva dos meios de produção e de troca. É assim que socialização e cooperativismo são dois termos muito vizinhos, senão idênticos”.

“Eis porque muitos cooperativistas se recusam a falar em cooperativismo socialista. Pretendem eles que esse adjetivo não acrescenta absolutamente nada à ideia cooperativa. É um pleonasmo que lhes parece por assim dizer moralmente injurioso; o cooperativismo não tem necessidade de se dizer socialista para o ser” (Ernest Poisson).

E acrescenta o mesmo autor: “Se a palavra socialismo fosse tomada no sentido puramente econômico, cooperação e socialismo seriam sinônimos e um e outro termo poderiam ser empregados indiferentemente: o fim, o ideal é o mesmo. Mas entre o cooperativismo e o socialismo há diferença de métodos e compreensão diferente dos meios de realização”.

E o teórico do marxismo Kautsky esclarecia: “O regime socialista não é senão uma cooperativa aumentada e generalizada”.

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Vemos, portanto, que entre esse cooperativismo e o socialismo nenhuma diferença de meta existe, variando apenas os meios empregados para atingi-la.

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Idêntica observação podemos fazer no que diz respeito ao socialismo e ao trabalhismo Fabiano. A diferença existente entre ambos é de métodos e não de finalidade.

Poderíamos ainda citar os franco-atiradores que existem por toda a parte, sem denominação específica e definida, como os que no Brasil e em outras partes do mundo apoiam e promovem medidas socialistas, de que são exemplo o ISSB, o anteprojeto de lei agrária recentemente em estudo em nosso parlamento, a última reforma tributária, etc.

Estaremos, portanto, na periferia do problema da revolução totalitária, se não considerarmos todas essas modalidades contundentes ou disfarçadas do socialismo como peças da mesma engrenagem.

Trata-se da mesma hidra. Nada adiantará esmagarmos uma de suas cabeças, deixando intactas as outras.


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