Plinio Corrêa de Oliveira

 

A música e a civilização chinesa

 

 

 

 

 

Eremo do Amparo de Nossa Senhora, 9 de março de 1987

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Durante almoço em sede da TFP brasileira próxima à cidade de Amparo (em São Paulo), o Prof. Plinio comenta sobre as reversibilidades do espírito humano. E dá, a título de exemplo, a relação da música chinesa com seu povo e sua civilização.

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Há pouco, um rapazinho chinês lá da Austrália, que está em São Paulo, me ofereceu uma cassete com música chinesa. Conversamos um pouco, o alguém propôs que ouvíssemos a fita de música chinesa. Eu ouvi. Bem, eu estava ouvindo a fita e me entreteve ouvir a fita da música chinesa. Eu tinha muita curiosidade de saber como era a música chinesa.

Todos nós ouvimos um pouco de música chinesa: uns gongos, umas pancadinhas, mas aquilo também...  não se desenvolvia o que é que era? Bom, em certo momento eu notei que .. eu era do mesmo sentir, de maneira que nós por um movimento natural, como quem pisca eu percebi, senti, ou eles pediram, não me lembro bem, mas eu conheci de qualquer forma que eles estavam querendo um comentário.

Fiz o comentário. Enquanto eu fazia o comentário, eu estava percebendo o se-guinte: observando a música chinesa e a mim mesmo. Que enquanto em parte eu descobria como era aque-la música, ouvindo a musica –  mas em parte eu descobria lembrando de aspectos da alma chinesa que eu conheci e procurando dentro da música esse aspecto.

E pelo intercruzamento das duas coisas, chegava a fazer um unum. Unum aliás que ficou incompleto, é preciso que se diga, porque há uma coisa muito bonita no negócio, até eu queria que o Gugelmin depois passasse para a fita o que eu vou dizer agora, se é praticável, não sei, para o chinês lá ouvir.

Eu estava dizendo que a gente ouve aquela música, aquela música não é chinesa em estado puro, é uma música chinesa adaptada para o music hall norte-americano e que aquela dança vigorosa e gênero music hall [norte-americano] e dentro está uma música chinesa.

A música chinesa a gente percebe que não é como a música ocidental uma série contínua de notas feitas para produzirem um efeito contínuo sobre o espírito, mas que é uma verdadeira acupuntura da alma – eu sei que a acupuntura não é chinesa, é japonesa – mas há analogias possantes – por onde eles emitem uns sonsinhos: bim, bom, bim. Depois plon! Pen, pen! Que são uma série de sons e de coisas que produzem na alma efeitos intensos, mas por assim dizer, sons monossilábicos.

Seria como se pessoas conversassem, D.om Luís, apenas por monossílabo. Então Dom Luís me dissesse: ahn! Eu respondesse: uhm! E... estávamos entendidos e assim desenvolvemos uma prosa. Assim são os sons monossilábicos: bim, bom, bim, bom, etc., lá vai a coisa.

Bem, e eu assim mesmo ocidentalizei porque não é bem isso.

Eu esqueci de dizer na fita o seguinte: é que cada som é muito preparado para ser quintessenciado e para ser muito bonito. Como nós tocamos cascatas de notas, nós temos aquelas... eles não: é uma varinha que bate numa coisinha que produz um sonsinho, um outro... muito “raffinés” (requintados).

Mas são assim sementinhas de som isoladas e destinadas a produzirem na alma um longo eco e é este eco que é no fundo a música. E a gente distingue ali bem da música norte-americana, ocidental, etc., etc.

O que está ali em jogo, não é a pura e simples música norte-americana, é o tipo de música norte-americana moderna, post Hollywood.

O chinês, mais chinês que eu conversei na vida, foi um bispo durante o Concílio.

Recomendaram-me durante o Concílio para ir procurar o bispo X da ilha de Formosa. A ilha de Formosa naquele tempo passava por muito mais direitista do que ela era na realidade. E eu tinha curiosidade de conhecer, fui lá ver o bispo.

Ele estava num convento, num convento que não era um convento  chinês, é um convento qualquer de Roma, ele estava lá como hóspede, falava bem o francês, recebeu e ele me deu, esse homem a impressão singular do seguinte: sabem dessas penas de pavão que tem em cima aquele olho bonito, aquela coisa, então aquilo vai assim e em cima alarga.

E me deu a impressão de uma pena de pavão em que estava em cima a cabeça dele.

Esguio, sem ser caricatamente esguio. Era esguio à maneira de um pescoço de cisne, uma coisa assim. Impressionava muito bem o esguio dele. Esguio, gentil, começou a falar comigo e naturalmente a conversa entrou em coisas da China.

E ele começou a pronunciar nomes de pessoas e de lugares da China o que ele pronunciava a la chinês e aí eu via como era o chinês falado por um chinês. E ele falava por exemplo de Mao-Tse-Tung, – nós dizemos Mao-Tse-Tung porque como os jornais escrevem, a gente fala, não é? –– Mao-Ti-tong!

A gente tinha a impressão de bater de gongo. Assim outras palavras, mas vamos dizer, Chang-Kai-Chek, Xangai, essas coisas assim. Mas nós pronunciamos como eu estou dizendo, não é? Tudo isso para ele era diferente, fino e feito como uma música e uns sonsinhos. O senhor está vendo Mao-Tse-Tung... e notem hein, ele era muito esguio, não tinha nada de feminino, perfeitamente um homem e nada de... um varão, mas com as graças dele e ele falava por exemplo, não gostava de Mao-Tse-Tung, não é? Ele dizia: Mao-Tse-Tung tomou conta da China, falava com raiva, mas na hora de sair o Mao-Tse-Tung, Mao-Tse-Tung, a gente via que toda a vida era concebida por ele assim à maneira de impressões breves, riquíssimas, muito atraentes. A gente poderia ficar uns minutos, eu tinha vontade de dizer para ele o seguinte: "Eu vou pegar um martelinho e cada vez que eu bater na mesa diga outra sílaba. Agora vamos ver".

Mao-Tse-Tung. Mao... pare, agora não diga a outra. Pec! Tse... Pec! Tung!... Repita o Tung cinco vezes. Tung! Tung!

Não sei se o senhor nota que está sendo dito por ele uma série de coisas em profundidade, não é? Não assim como nós estamos falando aqui. É uma outra coisa. O que é que é? Não sei dizer porque eu também nem sei dizer Mao-Tse-Tung. Era preciso saber elaborar a coisa.

Eu estava falando no automóvel [sobre] o papel do bibelô na cultura deles. Por exemplo, figurinhas chinesas, um hominho carregando um pau com duas cestas na ponta, tudo esculpido em marfim. A gente vai ver aquilo levou seis meses para esculpir. Mas é uma coisa que a gente pode passar não sei quanto tempo olhando para aquele hominho.

Eles não fabricam, não produzem coisas coletivas. Eles produzem coisas assim individuais, monossilábicas de uma grande expressão, de uma grande categoria.

Agora, eu percebo que isto que eu estou pondo nos "cornos da lua" de fato tem alguns lados suspeitos. Tem qualquer coisa de budismo dentro disto – e o que tem de pobre, porque é uma pobreza dentro disto. Não é um arquipélago de riquezas, não é uma coisa... não forma um continente. Agora aí seria preciso pensar um pouquinho para ser capaz de dizer. De momento eu não tenho para dizer. O pouco que eu tenho para dizer é isso.

O senhor veja por exemplo, o pagode. O pagode não é propriamente como uma torre ocidental, cada ponta do pagode que se levanta assim deixa o pensamento em suspense. Se o senhor me perguntar, eu prefiro enormemente a torre de Notre Dame, mas eu gostaria muito que houvesse um pagode católico dentro do qual se celebrasse o culto da Imaculada Conceição, é inteiramente evidente que eu gostaria.  E aí vai a coisa tanto quanto eu seja capaz de exprimi-la.

(Pergunta: Então eles não devem ter uma visão do universo?)

Tem. Não sei qual é, mas eles têm.

Por exemplo, uma coisa que não me passou pela cabeça está passando agora pela primeira vez. Eu falo abundantemente, falo em voz alta, e quando quero persuadir faço o que todo mundo faz quando quer persuadir no Ocidente: em vez de produzir por pequenos toques e atrair, eu monto um cerco. Quando eu saí, o que é que esse bispo estaria pensando de mim debaixo desse ponto de vista? Ele terá notado alguma inflexão de minha voz?

Ele terá notado algum modo de ser meu? Terá feito comparação com os modos de ser dele?  Se ele se sentiu em certo momento apertado por um raciocínio, ele terá tempesteado interiormente contra a lógica dos ocidentais? Ele terá lamentado a carência de poesia do que eu dizia?

Eu não sei. Era preciso que ele me falasse com franqueza – com que eu não duvidaria falar com ele – começa por aí: olhei também para a cara dele e fiz lá as minhas reflexões. Que reflexões ele terá feito sobre a minha?

Por exemplo, nós estranhamos os narizes deles, o senhor pode imaginar a estranheza que eles têm com os nossos? Ele tão esguio, o que terá pensado de minha natureza gorda?

O senhor dirá: "Mais provavelmente não pensou nada, foi tratar de outra coisa".

Eu digo: "É possível, mas fica sempre de pé que uma impressão de fundo de cabeça fica. Como é que terá sido essa impressão? Somos diferentes demais para se poder ter uma ideia de conjunto, é uma coisa simplesmente fantástica, não é?