Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

A Nota da Semana

 

 

 

 

 

"O Século", 19 de junho de 1932

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O PD [Partido Democrático de São Paulo], em seu programa, propõe que se reconheça a Igreja Católica como sendo a da maioria dos brasileiros.

A título informativo, queremos esclarecer os nossos leitores sobre o alcance deste reconhecimento.

Nos Estados Unidos (cuja Constituição Federal é o original sobre o qual se decalcou a nossa), a imensa maioria da população é protestante. O esboroamento do protestantismo, decorrente da fragmentação de suas inúmeras seitas, fez com que, no entanto, cada seita protestante, considerada isoladamente das demais, seja muito inferior, numericamente, ao Catolicismo. Não se pode, portanto, dizer que, nos Estados Unidos, qualquer das religiões cristãs congrega a grande maioria dos norte-americanos em torno de si. No entanto, o Cristianismo, considerado de um modo geral, como abrangendo todas as Religiões, que professam a crença na divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo, constitui a corrente espiritual que predomina de modo quase exclusivo nos Estados Unidos.

Reconhecendo este fato, os legisladores norte-americanos têm considerado todas as religiões cristãs como credoras de certo amparo oficial, e da máxima consideração por parte das autoridades.

E por tal forma esta concepção tem afastado os Estados Unidos da prática do laicismo ridículo e obsoleto em que se atolou o Brasil, que o Presidente decretou um dia nacional de jejum, para obter de Deus que afastasse da América do Norte os perigos que a ameaçavam, e que cada ano, há um feriado nacional especialmente destinado a permitir ao povo que dê graças a Deus pelos benefícios recebidos. Todos os dias, antes de iniciar o Congresso Nacional seus trabalhos, prosterna-se aos pés de um capelão, que lhe transmite as bênçãos do Senhor. Em diversos Estados da União, a Constituição é promulgada em nome de Deus, se proíbe o divórcio a vínculo, e o ensino religioso é adotado nas escolas públicas. A Universidade Católica e os grandes empreendimentos católicos ou protestantes são bafejados pela proteção oficial. E as imagens e objetos para o culto gozam de isenção de impostos de alfândega.

Como, no Brasil, o Catolicismo é o que, nos Estados Unidos é o Cristianismo (pois que entre nós o Catolicismo é senhor da absoluta maioria dos brasileiros), claro está que, se quisermos imitar os Estados Unidos, deveremos conferir à Igreja Católica, entre nós, as regalias de que goza na América do Norte, regalias estas que em nada ferirão a liberdade de consciência das seitas dissidentes.

À primeira vista, poderá parecer que o programa do PD pleiteia para o Catolicismo apenas um reconhecimento estéril, despido de quaisquer vantagens concretas.

O fato de figurar entre os signatários o nome do Dr. Marrey Jr. que, como grão-mestre da Maçonaria, é inimigo irredutível dos católicos e do Catolicismo, confirma em parte esta suspeita. No entanto, parece-nos tranqüilizadora a assinatura do Dr. Vicente Ráo, que se lê ao lado da do Dr. Marrey. O Dr. Vicente Ráo não subscreveria o programa do PD, se não fosse sincera a intenção do PD de atribuir ao Catolicismo vantagens de ordem moral palpáveis. Efetivamente, o Dr. Ráo, que tem manifestado freqüentemente suas simpatias doutrinárias pelo Catolicismo, é por demais inteligente, para supor que uma regalia platônica seria suficiente para atrair o apoio dos católicos ao PD. E, por outro lado, é por demais honesto, para pactuar com a ignomínia de um camouflage político destinado a iludir as massas católicas zelosas dos interesses de Deus.

Nossos parabéns, portanto, e sinceros, ao PD pela atitude que assumiu.

O Dr. João Sampaio, líder perrepista, sentiu-se melindrado nos seus brios de laicista ferrenho, ao ler o programa do PD, e daí uma série de imprecações que S. Excia. despejou pela imprensa, contra a simpática atitude dos democráticos. Disse S. Excia. que convinha manter o laicismo da Constituição de 1891. Que a paz espiritual do Brasil o exigia. Que a Igreja não deveria perturbar esta paz com reivindicações imoderadas... etc. etc.

S. Excia. se tem em conta de abalizado conhecedor de nossos problemas públicos. Já que fala em Constituição, não será mau que tome uma pequena lição de Direito Constitucional. Meteu-se neste campo com muita infelicidade. Receberá de Pedro Lessa e de Ruy Barbosa uma severa repreensão. Mostrar-lhe-ão os grandes mestres que se pode ser laicista, sem por isto ser contrário a que, no Brasil, se concedam ao Catolicismo as regalias de que, nos Estados Unidos, goza o Cristianismo.

Vejamos o que dizia Pedro Lessa, sempre tremendamente laicista: - "Imbuídos dessas idéias (liberdade e igualdade) os americanos, sem embargo de manterem a mais plena liberdade de cultos, não julgam contrário à sua constituição o reconhecimento do Cristianismo como religião nacional" (Dissertações e Polêmicas, p. 10). - E mais adiante continua: "Se todas as confissões, ou religiões fundadas nos princípios do cristianismo têm direito a uma proteção igual, nunca se poderá censurar o legislador que, respeitando o princípio de igualdade, propulsar entre nós o desenvolvimento do catolicismo; porquanto dele podemos dizer o que do cristianismo em geral repetem freqüentissimamente todos os bons publicistas norte-americanos; se não é hoje a nossa religião oficial, ou legal, é inquestionavelmente a religião nacional do Brasil (op., cit. pp. 23-24)".

Nos "Elogios e Orações" (p. 311, ed. 1924), diz Ruy Barbosa, depois de ter enumerado todas as regalias do Cristianismo na América do Norte: "Aí está porque o constitucionalismo americano repele essa uniformidade atéia, cuja superstição professa a república no Brasil, e que não estava de certo nos intuitos dos seus fundadores". E na p. 312 acrescenta: "Foi sob esse pensamento que adotamos a constituição de 1891. Tínhamos então os olhos fitos nos Estados Unidos, e o que os Estados Unidos nos mostravam era a liberdade religiosa, não a liberdade materialista". E na p. 314 diz: "Antes da república existia o Brasil; e o Brasil cresceu cristão, cristão continua a ser até hoje. Logo, se a república veio organizar o Brasil, e não esmagá-lo, a fórmula da liberdade constitucional na república, necessariamente há de ser uma fórmula cristã".

Temos aí os dois maiores intérpretes da Constituição republicana, os dois mais indefectíveis paladinos da liberdade espiritual, a infligirem ao Sr. Sampaio uma severa lição de Direito Constitucional.

Mais realista do que o Rei, mas laicista e mais republicano do que Ruy que fez a República e o laicismo, o Sr. Sampaio se nos apresenta como um Quixote do positivismo, a ver atentados contra a liberdade espiritual onde não a há, assim como o lendário herói de Cervantes via gigantes imaginários onde apenas havia moinhos de vento.

Lembra-se S. Excia. do que sucedeu a D. Quixote quando investiu contra os moinhos? Acautele-se, pois...

Nota: O negrito é deste site.


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