Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

No Horto das Oliveiras, a noite da Agonia

 

 

 

 

“Folha de Londrina”, 30 de março de 1983

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Sofreu Nosso Senhor, no Horto das Oliveiras, o tormento da solidão. Não da solidão que é calma, recolhimento, prece, a solidão que é o paraíso da alma verdadeiramente interior, mas a solidão criada pela indiferença geral, pela incompreensão e pelo ódio.

No momento em que o Senhor se preparava para morrer pela humanidade, forçoso seria que a seu lado estivessem todos os que ouviram maravilhados as suas palavras. Tal era o deslumbramento causado pelos seus ensinamentos, que os homens para O ouvir se embrenhavam pelo deserto, sem cogitar de agasalho nem de pão. No momento da dor e do perigo, onde estão essas multidões? Quando o Senhor fazia milagres, o povo empolgado O aclamava. Onde está agora este povo? Como explicar que a seu lado nem sequer figurem os leprosos a quem limpou, os cegos e os mudos que curou, os mortos a quem restituiu a vida? É que é fácil crer à vista do milagre, mas é difícil afirmar nossa Fé em face dos que não viram milagres, ou não querem crer.

Aclamar o Senhor em meio a uma multidão empolgada não é difícil. Mas sustentar os sarcasmos, a incompreensão, a hostilidade, nos ambientes em que se conspurca a Fé, é multo difícil. Vibrar de entusiasmo ouvindo o ensinamento do Senhor, é fácil. Mas pôr em prática seus mandamentos, quando, depois de passado o entusiasmo, cada qual retorna à inexorável trivialidade da vida cotidiana, é muito mais difícil. É inegável que as multidões se entusiasmaram pelo Mestre. Seu pecado não consistiu que o entusiasmo fosse fraco, mas em que ficasse apenas em entusiasmo.

E por isto, no Horto das Oliveiras o Senhor está só, e oferecendo por cada um de nós os méritos de sua imensa solidão.

*      *     *

Os apóstolos haviam deixado tudo, negócios, família, situação, para se consagrarem inteiramente ao Senhor. No cumprimento do dever cotidiano, souberam ser exímios. Não houve canseiras, nem calúnias, nem sarcasmos que os fizessem desertar. Entretanto, também estes deixam só o Senhor. Dormem acabrunhados, fugindo assim, no torpor do sono, à realidade da vida, pesada demais para seus ombros. Como explicar essa defecção? É que sua generosidade foi suficiente para as circunstâncias comuns da vida cotidiana, com seus pequenos reveses, com suas incontestáveis satisfações. Abandonaram tudo, é verdade, mas em compensação três deles viram a glória do Senhor do alto do Tabor e todos participavam aos olhos do povo das grandezas do Mestre. Praticaram até milagres. Foram assim arrancados ao anonimato obscuro e pesado que pareceria ser o normal de sua vida. A vida cotidiana lhes corria, pois, austera, mas muito suportável.

O Senhor, contudo, não se contenta com as almas que são generosas tão somente no teor miúdo da vida cotidiana. Um dia ou outro, uma tragédia vem para os que Ele prefere. Tragédia interior, ou tragédia exterior, uma coisa e outra em geral, e no mais dos casos várias tragédias que se sucedem até à morte. E estes homens fraquejam.

Na vida de todos os dias, não se prepararam para as grandes ocasiões, para as imolações enormes, para as renúncias completas. Afinal, chegada a hora de Deus, rompeu-se o quadro da existência normal e cotidiana. O momento da angústia, da perseguição e da dor chegou. Ei-los que dormem, deixando o Mestre.

Cada um de nós pode perguntar-se, tomando em consideração este quadro: até que ponto estou disposto ao heroísmo? Até que ponto estou pronto a deixar por Vós, Senhor, todas e cada uma das coisas grandes e pequenas que constituem o prazer de minha vida cotidiana?

Sei que por mim nada posso. Mas sei também que com Vosso auxílio serei capaz de tudo. Dai-me Vossa graça, para que eu não seja daqueles que "não podem vigiar uma hora convosco" (Mt. 25, 46). Para que eu não me deixe arrastar por tanta covardia, quero na minha vida cotidiana preparar-me para tudo "vigiando e orando a fim de não cair em tentação”.

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Ao longe, brilham as luzes da cidade eleita que, esquecida de Vós, agora se prepara para o repouso ou para o prazer. E aquela Jerusalém bem amada entre todas as cidades da terra, sobre a qual sopra agora contra Vós um vento de incompreensão culposa e de torpe hostilidade; aquela Jerusalém que não Vos quis conhecer, e em cujas muralhas agora se prepara o deicídio. Odeiam-Vos aqueles a quem amastes. Congregam-se para matar-Vos, precisamente aqueles a quem quisestes reunir à roda de Vós como a galinha com seus pintainhos. Sois, Senhor, o grande rejeitado.

Depois, ficou novamente ermo o Horto das Oliveiras.

Mas seu nome nunca mais se apagou da mente humana. Por todo o sempre, de todos os recantos da Terra, para ele afluíram e afluirão homens cheios de respeito, de gratidão e de amor. Consideram como honra e como graça, oscular a terra vulgar de que é feito. Levam para casa como jóias de valor as folhas das oliveiras que ali vicejam. Nunca um cristão sofreu dores e angústias, sem que elas se aliviassem no pensamento dos grandes tormentos do Horto. Dele se pode dizer que “bem aventurado o chamarão todas as gerações”, porque nele houve a intensa imolação de alma do Filho de Deus.


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