Carnaval (coletânea de documentos)

1935-02-17 – Alegria por Decreto – A respeito do Carnaval no Brasil – “O que pode haver de sincero e espontâneo nesta alegria estabelecida por decreto municipal, reclamada pelos afixos das ruas e fomentada por um colossal derrame dos dinheiros públicos? Não seria absurdo que a prefeitura pretendesse decretar que, durante 3 dias no ano, todos os cidadãos devem ficar em casa e chorar? (…) Se reconhecemos que seria absurda esta tristeza por decreto, por que não reconhecer também que é artificial esta alegria promulgada por uma portaria da Prefeitura? Por que não reconhecer a insinceridade desta alegria que estoura por toda a parte, muito mais como um rito artificial e satânico de revolta contra as dificuldades da vida de cada dia, do que uma expressão sincera da alegria sincera e despreocupada, que há muito tempo desapareceu do coração dos homens, e que, certamente, os folguedos do carnaval não podem proporcionar?”

1935-03-03 – Perdoai, Senhor, nossa Pátria. É o Brasil de amanhã que Vos fala. Perdoai o Brasil de hoje! – “Enfim, um a outro, os carros [do corso] se sucedem. Em todos eles a vaidade acende chamas nos olhos. (…) Alguns usam máscaras de pano ou papelão. Mas a grande maioria usa a máscara de carne do seu próprio rosto. Todas estas máscaras riem. E não poderiam deixar de rir, uma vez que é preciso rir no carnaval. Atrás destas máscaras, porém, algumas almas choram, muitas bocejam entediadas, outras se contraem ansiosas, e outras mantêm a impassibilidade das irremediáveis desilusões (…) E, quando riem, não sabem os prantos que estão acumulando para amanhã (…) Passemos subitamente, para o Liceu Coração de Jesus. Centenas de moços. No silêncio da noite, terminam-se as últimas orações. “Perdoai, Senhor, os pecados do mundo. Aceitai o sacrifício que Vos oferecemos na manhã de nossa vida. É o sacrifício dos divertimentos que poderíamos fazer sem Vos ofender, mas de que não nos aproveitamos para resgatar os pecados dos que Vos ofendem. É o sacrifício, também, dos divertimentos que Vos ofenderiam, e que, por isto mesmo, nós queremos afastar para muito longe. Aceitai, ó Pai de misericórdia, a reparação que depositamos sobre vosso altar. Muitos riem, outros choram, quase todos, rindo ou chorando, pecam porque sofrem ou se divertem longe de Vós. Quando suportamos no silêncio o riso dos que não compreenderam nossa piedade, perdoai Senhor, as gargalhadas dos que Vos insultam no deboche e na imoralidade”.

1936-03-15 – O incêndio de Momo – Enquanto um S. Paulo cansado, endividado e esgotado, dormia no fim de uma orgia, outro S. Paulo vigoroso e idealista se levantava, emergindo do seio da Igreja para assaltar Momo, o carnaval, e todos os momos e carnavais perpétuos, que se sucedem na política, nas finanças, na literatura, na vida pseudocientífica deste pobre Brasil. Há um São Paulo novo, que a Prefeitura não auxilia a crescer, mas que se formará melhor na escola da pobreza do que na escola perigosa das subvenções. A Prefeitura está educando toda uma mocidade na roleta, no vinho, no deboche. A Igreja está educando, paralelamente a esta, uma outra mocidade, na escola da oração, da disciplina, do sacrifício, do patriotismo. Um dia virá, em que o Brasil precisará de uma e de outra mocidade. Havemos de ver com qual delas se arranjará, si com a de Momo, ou com a de Maria Santíssima”.

1940-02-04 – Carnaval e Retiro – “Um grande homem é, por definição, um homem capaz de refletir e de meditar. Implicitamente, um povo não pode ser grande, nem para as coisas do céu nem para as da terra, se não tiver o hábito da meditação”.

1940-02-11 – O carnaval agonizou – “Como dissemos, a polícia reservou ao corso a maior extensão que lhe seria possível. Essa extensão, o corso esteve muito e muito longe de a cobrir. (…) Enquanto isto, e enquanto uma verdadeira multidão de excursionistas procurava fugir à alegria de encomenda decretada para aqueles dias, retirando-se para o interior e o litoral, em sentido inverso uma verdadeira multidão de moços, provenientes de todo o Estado, se dirigia a São Paulo para os retiros espirituais. Os fatos falam por si, e não exigem comentários!”

1940-02-18 – Conseqüências funestas do carnaval – Balanço dado pela imprensa carioca – A imprensa do Rio já poude fazer o cômputo sinistro das conseqüências do carnaval. Assim, na quarta-feira de cinzas os jornais publicaram nada menos de 3 suicídios, um assassinato e duas tentativas de assassinato decorrentes dos festejos de momo. O movimento de assistência foi enorme. Registraram-se 1818 casos entre acidentes, agressões, alcoolismo, atropelamentos, intoxicação alimentar, suicídios etc. Somente no posto central e nos postos do Teatro Municipal e avenidas, o número dos casos de socorro subiu a 1.086. No Méier da Central até Cascaduraforam socorridas 650 pessoas. O hospital Miguel Couto atendeu 183 pessoas. Hospital Getúlio Vargas e Carlos Chagas, atenderam 171 e 52 pessoas. Elevou-se a 200 o numero de crianças perdidas. Realmente, vale muito a pena que as autoridades públicas despendam vultosas somas para chegar a estes resultados!”

1942-02-15 – Pearl Harbor e o Carnaval – Idéias não são roupas que se vestem ou se despem. Se alguém procede, durante o carnaval, de modo extremamente leviano, é isto uma prova de que anteriormente já havia uma falha na couraça moral dessa pessoa. Por outro lado, se essa falha pode ter ocasionado a renúncia momentânea a certas atitudes e a certas idéias durante o carnaval, como é difícil voltar, depois, à primitiva linha de moral! Não nos iludamos. Erram, e erram miseravelmente, os que supõem que o carnaval constitui apenas um parêntesis de loucura. Ele é um tumor que explode, e através de suas secreções se pode bem avaliar todo o vulto da infecção que, de maneira mais ou menos disfarçada, já minava anteriormente o organismo.

1942-02-15 – Pearl Harbor y el Carnaval – Ideas no son ropas que se ponen o se sacan. Si alguien procede, durante el carnaval, de modo extremadamente liviano, esto es una prueba de que anteriormente ya había una falla en la coraza moral de su persona. Por otro lado, si esa falla puede haber ocasionado la renuncia momentánea a ciertas actitudes y a ciertas ideas durante el carnaval, ¡cómo es difícil volver después a la primitiva línea de moral! No nos engañemos. Se equivocan, y se equivocan miserablemente, los que suponen que el carnaval constituye apenas un paréntesis de locura. Él es un tumor que estalla y, a través de sus secreciones, se puede evaluar bien todo el tamaño de la infección que, de manera más o menos disfrazada, ya minaba anteriormente al organismo”.

1943-02-28 – Comentando… O carnaval e a guerra / Sob pretexto de cultuar a alegria, o Carnaval trai a alegria. Em verdade, que é a alegria carnavalesca? Embriaguez de álcool, embriaguez de éter, embriaguez de ritmo, em suma, a completa desordem do sistema nervoso, alucinação de pessoas que desejam fugir de si mesmas, porque em si mesmas morrerão de tédio ou de náuseaPara uma humanidade falsificada, idiotizada, brutalizada, que detesta a sua alma e não quer contemplar a sua própria face, só mesmo uma alegria falsificada: o Carnaval é inumano.

1944-02-27 – Processo de decadência do carnaval – Houve tempos, como vemos, em que o carnaval era uma indiscutível imprudência, mas não chegava nem de longe a ser uma indecência. Os costumes sociais eram bastante sólidos para coibir qualquer imoralidade, se já não eram bastante firmes para evitar qualquer imprudência. São Paulo tinha quadros sociais definidos, uma organização familiar forte e estável, costumes pautados por princípios morais ainda vivazes. E, entretanto, tudo isso, no espaço máximo de 20 anos, derivou para a promiscuidade, a indecência, o escândalo, a abjeção. Por que? Eis aí uma questão que vale a pena de ser feita”.

1964-07 – A tradição glorificada na mais celebre festa popular brasileira – “As massas urbanas da Guanabara, segundo a Revolução rosna por aqui e proclama descaradamente no Exterior, só sonhariam com comunismo.(…) No carnaval de 1964, trajados de rei e de rainha, ou à moda de fidalgos de antigas e faustosas cortes, desfilam os membros das escolas de samba, alegres em evocar nosso passado. Uma conhecida revista carioca estampou em sua reportagem sobre o fato um título bem característico: “Modestos operários e empregadas domésticas se transformaram, por uma noite, em reis, príncipes, condes, rainhas e marquesas. (…)   E tu, que afirmas que o povo odeia a tradição, o que dizes a isto, ó mãe da mentira, ó falaciosa Revolução?”

1970-02-08 – Entrevista à “Folha” sobre o Carnaval – “O Carnaval tem uma razão de ser na alma popular. Podem-se distinguir dois aspectos dessa razão de ser: de um lado é o desejo do maravilhoso que leva muitas pessoas a adotar fantasias magníficas que parecem tiradas das páginas das mil e uma noites (…). Grande parte do povo se entusiasma com tais mostras de aparato que elevam o espírito acima da vulgaridade pardacenta do cotidiano. Esta aspiração ao maravilhoso, profundamente digna de respeito ao meu ver, é de tal maneira inextirpável da alma humana que o próprio comunismo se serviu da exibição do que havia de mais feérico no velho cerimonial czarista, para empolgar e atrair recentemente o público parisienseQuando Bolshoi exibiu há pouco, em teatro da capital francesa, “Ivan, O Terrível”, um desfile do “czar” com todo esplendor de sua corte arrancou gritos de entusiasmo no público. Não era o comunismo que este aplaudia, era o esplendor da velha tradição moscovita. Ao lado deste veio “maravilhoso”, o carnaval apresenta também um aspecto de comicidade, em que o bom humor popular procura expandir-se saindo algum tanto da monotonia da vida comum. Também isto é – dentro das devidas medidas – compreensível. Contudo, haveria tola ingenuidade em imaginar que esses aspectos preponderam no carnaval de hoje. A agressão sexual desfechada contra o Ocidente por certa propaganda penetrou profundamente nos folguedos carnavalescos, dando-lhes uma nota de sensualidade pagã a qual como católico não posso deixar de verberar energicamente”.

1978-04-18 – Fatos diversos/breves comentários – Joãozinho 30: “Povo gosta é de luxo. Quem gosta de miséria é intelectual” – É bem isto. O povo se regozija com todas as pompas. Tem o senso do maravilhoso. É certa formação demagógica que leva muito intelectual a declamar contra o luxo, na suposição de assim agradar o povo. Por exemplo, quanto se engana a corrente “miserabilista” que, para tornar a Igreja popular, minguou, depois do Concílio, e fez fanar as pompas religiosas. Se os fautores dessa corrente tivessem pelo menos o bom senso de Joãozinho Trinta…”

1989-04 – Carnaval de hoje : há quase 50 anos se podia prever – “Todo o mundo, nestes dias, foge para as praias e para os campos. Para quê? Para descansar? Sim. Só para isto? Talvez não. Com efeito, chegados às praias, aos campos, o que fazem os excursionistas? Outro desabafo. Desabafam-se da civilização. Despem tudo quanto podem despir. (…) rubicundos e pletóricos meninões de todas as idades e de todas as profissões, desde o banqueiro, o industrial ou o comerciante até o modesto funcionário, passando pela classe intermediária dos doutores e professores. Tudo se desabafa, tudo se despe, tudo toma roupas com corte de traje proletário ou de mendigo (…) quebram-se as últimas cerimônias, desfazem-se os últimos recatos, dissolvem-se as últimas dignidades, e, terminados os dias de excursão, todo mundo volta para a vida de todos os dias um pouco mais inimigo da roupa, da linha, da cerimônia, do que fôra. (…) Daqui a 30 anos, é provável que o desabafo consista em usar só uma tanga, não limpar mais os ouvidos nem o nariz, nem as unhas, cuspir no chão, dançar samba descalço nos matos. Haverá tabas luxuosas, com diárias de 700 a 800 cruzeiros. Cada pena de tanga custará 100 cruzeiros(…). Uma tanga modelo cuja originalidade consistirá em ser de penas de pássaro de vários países, custará alguns dez mil cruzeiros. ‘Exagero, dir-se-á. Há 30 anos, havia uns catões que prediziam em que charco haveríamos de parar. E havia também uns toleirões que respondiam ‘exagero’. Os exageros não estavam nos profetas, mas nos acontecimentos que superaram as profecias'”.

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