[Os sublinhados e as palavras em maiúsculas são do original]
( I H S )
São Paulo, 10 de junho de 1939
Meu caro Dr. Alceu,
Lamento ser forçado a lhe tirar uma boa meia hora de trabalho com a narração de dois casos aos quais ligo a devida importância.
(…) Quanto ao sr., eu lhe disse que, efetivamente, nossas opiniões não têm coincidido em alguns casos, como do Integralismo, de Maritain etc. Mas que o sr. sempre se serviu com suma discreção e absoluta franqueza de sua posição, só me tendo feito em seu nome exclusivamente pessoal um único pedido referente ao “Legionário”. Esse pedido foi o de que cessássemos qualquer crítica àquele escritor, no que o sr. foi pronta e cordialmente atendido, e que eu não dissera a ele “x” uma única palavra que o autorizasse a supor que eu achava que, por detrás da “Agência”, o sr. estivesse tentando alterar uma situação tão correta.
Eu disse, ainda, ao “x”, que não ignoro que o sr. tem pontos de orientação do “Legionário” de que discorda, e que sempre apreciei a lealdade de sua reserva a este respeito, bem como a franqueza com que mo disse, em presença de D. José, quando apontou como escolho a evitar para o “Legionário”, um “certo sectarismo católico”, segundo suas palavras textuais. Mas apesar disto o sr. sempre teve uma atitude de cordialidade e respeito para com a orientação que temos mantido, e nada me levava a supor que o sr. se afastasse de uma posição tão elegante e correta.
Conto-lhe esta moxinifada toda, meu caro Dr. Alceu, pelo receio de que uma ou outra impressão mais apaixonada do “x” – sempre, aliás, sincero e bem intencionado – lhe tenha causado surpresa e desprazer.
Recebi, hoje, uma circular da “Spes” à qual respondi prontamente, e em sentido afirmativo. Nessa circular, vi incluído o nome do “Legionário” entre os órgãos aderentes da “Spes”, o que me faz supor que minha carta ao “x”, conquanto não respondida até agora, tenha entretanto conseguido qualquer aquiescência por parte daquele sempre prezado amigo.
Curioso é notar que meus expedientes protelatórios tiveram efeito contraproducente. O “x” disse ao José Pedro ter a impressão de que eu me escondia atrás do Conselho de Redação como “atrás de um presépio de cristal” (sic). A proposta que enviei foi feita de pleno acordo com o Machado, de quem o “x” aliás gostou muito. A parte financeira é toda de autoria do Machado.
* * *
Passemos agora ao outro caso.
O Fernando Furquim de Almeida, que já lhe apresentei em S. Paulo e que é meu amigo, tem por sua vez relações muito boas com um tal “y”, professor catedrático da Politécnica. Esse “y”, por sua vez, está intimamente ligado ao Adhemar de Barros.
Conversando com o Fernando, o “y”- que é um católico de água doce, se tanto – externou o desejo de mover uma grande campanha contra o José Carlos de Macedo Soares, e contra toda a bucha, pois que esta última estaria tramando contra o Adhemar. Mas o Adhemar tinha receio de iniciar tal campanha, e de com isto atrair contra si toda a oposição do Clero (sic). O “y” queria, pois, saber se o “Legionário” tomaria a iniciativa de tal campanha, publicando documentos reveladores sobre a bucha, provando que o Macedo lhe pertence de corpo e alma etc., documentos estes de que ele, “y”, é possuidor.
O Fernando me consultou. Evidentemente, o caso era complexo. Não tenho senão razões de queixas das mais amargas contra o Macedo. Mas tais queixas jamais me induziriam a considerar com simpatia qualquer campanha pessoal contra ele. O aspecto interessante da proposta do “y” consistia apenas em promover um desmascaramento amplo da bucha.
Entretanto, quem me garante que o próprio Adhemar não seja da bucha? E o Getúlio? Fazendo eu uma tal publicação, não me exporia a ver fechado o “Legionário” por ordem do Governo? Não haveria em tudo isto uma simples imprudência do “y”, que quereria jogar com o “Legionário” sem estar na realidade autorizado a implicar o Adhemar em tudo isto? De minha parte, o Fernando comunicou muito lealmente ao “y” estas apreensões todas, uma vez que, não conhecendo pessoalmente o mesmo “y”, não tenho razões para confiar nele.
O “y” teve uma atitude muito inteligente. Disse dar-me razão em meus temores. Mas propôs-se a me fazer comparecer a uma reunião com o Adhemar e o Ministro da Guerra, agora em S. Paulo. Nesta reunião, eu exporia todas as minhas dúvidas, e receberia do Ministro e do Interventor todas as garantias de que o Getúlio era simpático à campanha e não fecharia o “Legionário”. Mas o sr. compreende como tudo isto é aleatório…
O “y” informou, ainda, o Fernando de que o Governo trataria de ampliar tal campanha contra as forças secretas pelo Brasil inteiro, para o que ele procuraria pelo sr. para obter o apoio dos católicos do Rio.
Eu mandei, então, ao “y” o seguinte recado: 1) que meu comparecimento à aludida reunião não teria sentido, se eu não representasse ali os católicos; 2) que, estando vacante a sede, Mons. Ladeira jamais daria a quem quer que seja poderes para representar os católicos em tais assuntos; 3) que se a campanha iria tomar aspecto nacional, o “y” que se entendesse com o sr., e o que o sr. e o Sr. Cardeal determinassem, o “Legionário” faria, pois que Mons. Ladeira jamais se oporia ao cumprimento de qualquer ordem que ele recebesse do Rio.
Penso que tudo isto não dará em nada. O sr. conhece bem o ardor de minha luta contra todas as forças secretas. Mas duvido que essa seja a ocasião e o meio para se fazer qualquer coisa. Em todo o caso, o “y” irá à sua procura. Depois, o sr. faça o favor de me escrever. MAS NÃO ME MANDE POR MEIO DO “y” QUALQUER RECADO VERBAL, PORQUE O “y” É UM TEMÍVEL ESPADACHIM… DA LÍNGUA, segundo me informam.
Com um afetuoso abraço, peço-lhe desculpas por tanto tempo tomado, e espero com curiosidade suas informações sobre o caso do “y”.
Plinio
Nota: Clique aqui para consultar a vasta correspondência entre o Prof. Plinio e Alceu de Amoroso LIma (Tristão de Athayde), de 1930-1939.