Carta de Dr. Plinio para Alceu Amoroso Lima, 15 de novembro de 1937

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[Os sublinhados e as palavras em maiúsculas são do original]

 

( I H S )
São Paulo, 15 de novembro de 1937
Meu caro Dr. Alceu
Só mesmo os formidáveis acontecimentos da semana passada poderiam justificar o atraso com que respondo ao recado que o Sr. me mandou pelo Fabricio, segundo o qual uma séria moléstia de uma de suas filhas forçava o adiamento de suas conferências em São Paulo.
Em certo sentido, este adiamento foi providencial, pois que me dá ocasião para lhe fazer uma proposta diversa de nossa combinação inicial, proposta esta que, aceita, causaria o mais intenso prazer à nossa rapaziada.
Eu já tive oportunidade de aproximá-lo de Frei Angelo, aquele Capuchinho que o Sr. visitou aí no Rio, e que se encontra atualmente como Diretor espiritual de quase todos nós, em São Paulo. Frei Angelo é uma figura na qual brilha o mais puro das tradições franciscanas: precisão de princípios verdadeiramente impressionante, austeridade incomparável nos preceitos que dá, senso católico como não conheço em ninguém, inteligência absolutamente privilegiada, enérgico como um leão quando prega, manso como um cordeiro quando dirige as almas no Confessionário, e principalmente de um equilíbrio, de uma moderação no meio de toda a sua intransigência, de uma largueza de vistas no meio de todo o seu rigor, que verdadeiramente maravilham a todos. Ele é um presente de Deus a S. Paulo. Um fato entre mil, lhe provará quem é Frei Angelo. Em outubro pp., pregou uma série de sermões na Penitenciária, com tanto fruto, que foram necessários quatro Sacerdotes para confessar depois os presos, e houve cerca de 600 Comunhões!
Ora, Frei Angelo pregará, de 2 a 30 de janeiro,  um retiro espiritual fechado de 7 dias ao pessoal da A.U.C. e do “Legionário” (no fundo, é tudo farinha do mesmo saco, já se vê) na chácara dos Padres do Verbo Divino, em Santo Amaro. Este retiro será sui generis, porque, dada a sua duração excepcional, haverá certo tempo em que se poderá conversar, fazer palestras etc., sendo, evidentemente, a maior parte do tempo consagrada à meditação, ao silêncio e ao recolhimento.
A chácara é magnífica, e apresenta a vantagem de os PP. do Verbo Divino  manterem ali um Seminário cujos alunos têm uma voz ou por outra vozes excelentes, realizando ofícios litúrgicos verdadeiramente impecáveis e edificantes pela piedade com que são praticados. A assistência a esses ofícios é um dos grandes atrativos do lugar. Os seminaristas são todos moços de 16 a 30 anos, parte brasileiros e parte alemães.
Ora, seria magnífico, meu querido Dr. Alceu, se o Sr. viesse passar conosco estes dias. Tenho a mais absoluta e total convicção de que o Sr. gostaria e aproveitaria imensamente estes dias, por causa do Frei Angelo. Por outro lado, haveria oportunidade para o Sr. conversar à vontade com nossa gente, que será muito selecionada sob o ponto de vista do fervor, porque o retiro não será a não ser para os que fazem Comunhão diária. Deverão ser, talvez, uns 30 retirantes entre acadêmicos e formandos moços, entre os quais ainda me coloco eu, apesar de minha careca e de meus 29 anos, que completarei exatamente dentro de 28 dias! Como passa o tempo!
Vou iniciar uma série de orações diárias para conseguir que Nossa Senhora facilite sua vinda, que sei que não será fácil. Antes ou depois do retiro, o Sr. fará as conferências. Depende exclusivamente de si.
Soube que teve um êxito extraordinário a Semana de Ação Católica realizada no Rio. Que pena não poder ter eu estado presente!
Qual de suas filhas ficou doente? Pelo que me disse o Fabricio, ela este mal, mas felizmente já está fora de perigo, devendo apenas consolidar, em Teresópolis, a cura obtida. Faço votos pelo seu rápido e completo restabelecimento.
Eu gostaria muito de estar com o Sr. para comentarmos os últimos acontecimentos, que, tanto quanto parece no atual momento, constituem uma novidade para todas as correntes políticas do país.
No “Legionário”, escrevi um pequeno artigo em que tomei a posição que os católicos devem tomar, e que é de aceitar todos os regimes que não forem, na sua essência, contrários à doutrina da Igreja, trabalhando dentro dos quadros por suas leis fundamentais estabelecidas, pelo reinado de Nosso Senhor Jesus Cristo. Penso que o Sr., se ler o artigo, estará de acordo.
Sua resposta não é urgente. Responda somente depois de ter podido pesar perfeitamente as dificuldades.
Antes de terminar, há um assunto para o qual peço toda a sua atenção. Sobre este último, quero que o Sr. ou o Wagner me mandem uma resposta urgente.
Pouco antes do Sr. ir à Aparecida, o redator-secretário do “Legionário”, José Benedicto Pacheco Salles, escreveu a pedido meu uma carta ao Wagner – eu andava ocupadíssimo – transmitindo um pedido de D. Gastão Pinto, para que a “Ordem” publicasse um discurso pronunciado na Concentração Mariana de São Carlos a respeito, se não me engano, de sociologia católica. Dom Gastão tinha grande empenho em que a “Ordem” fizesse a publicação. Entretanto, não só o Wagner não respondeu, mas ainda o discurso não foi publicado. E D. Gastão está constantemente apertando por mim para saber o que houve. Peço-lhe, pois, que me mande dizer algo, podendo fazê-lo o Wagner em seu nome, para eu poder me justificar perante D. Gastão.
O discurso é da autoria de um Dr. J. N. Pinheiro, juiz de Direito em S. Carlos.
Se Deus quiser, quando o Sr. vier a S. Paulo, o “Legionário” já estará com suas oficinas inteiramente montadas, com uma rotativa e três linotipos. Já estaríamos em condições de fazer o diário, se não lutássemos com dificuldades de redação. Até lembra a frase do Oswaldo Aranha: tudo é grande, exceto o homem. Mas Nosso Senhor gosta de instrumentos humanamente pequenos. É o que nos anima.
Com um saudoso abraço para o Sr., recomendo-me muito aos seus.
Do amigo em Nossa Senhora,
Plinio

 

Nota: Clique aqui para consultar a vasta correspondência entre o Prof. Plinio e Alceu de Amoroso LIma (Tristão de Athayde), de 1930-1939.

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