Carta do Prof. Plinio para Alceu Amoroso Lima, 28 de janeiro de 1935 (II)

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[Os sublinhados e as palavras em maiúsculas são do original]
( I H S )
São Paulo, 28-I-1935
Meu caro Dr. Alceu
Apresso-me em responder sua carta, remediando o mau efeito de minha incorrigível distração. Realmente, a manifestação ao Alexandre é no dia 22, mas no dia 22 de Abril, uma vez que só a 1º. de Abril se abrirão as aulas da Faculdade de Direito.
Portanto, não foi possível qualquer combinação com Dona Odila. Esta, aliás, tem um admirável senso das coisas, e de bom grado nos “cede” o Sr., reconhecendo que há muito mais vantagem em que o Sr. fale para nós, do que para elas. Se todos os nossos companheiros de ação fossem assim! Se eles tivessem sempre presentes os superiores interesses da Igreja, e lhes sacrificassem invariavelmente os pequenos interesses associativos!
Quanto às suas outras perguntas: 1) Será, realmente, em nome da A.U.C., que o Sr. deverá saudar o Alexandre; 2) A manifestação terá lugar na Faculdade de Direito; 3) será provavelmente à noite; 4) estamos ainda na dependência do Diretor, que será substituído, pois que o atual foi eleito deputado federal; dele dependerá o realizar-se a manifestação em reunião da Congregação, ou não; 5) julgo dispensável o traje de rigor, caso a manifestação não seja em reunião da Congregação, mas caso se dê o contrário, seria conveniente o smoking, pois que nossa Faculdade é muito “cheia de dedos”; 6) até lá, o Alexandre não terá ainda feito o concurso de Filosofia, pois que, se tal concurso se realizar, parece que será apenas no fim do ano; 7) Salvo modificação nos horários da Central, os diurnos aqui chegam às 18 e ¾; assim, poderá a manifestação ser às 8, ½ ou 9 horas. Receio, em todo o caso, que o Sr. esteja muito atrasado.
Quanto às conferências de Agosto, está tudo excelente. Acho, porém, que as conferências nunca deveriam ser menos de cinco; é esta, ao menos, minha opinião. Outra coisa: se me permite, dir-lhe-ei que acho que o Sr. deve se preocupar menos com a duração de cada conferência. Quando do “Problema da Burguesia”, vi que isto o preocupava muito. No entanto, o auditório o ouviria com muito prazer por mais tempo do que falou. Ora, quanto mais extensas as conferências, tanto maior será o apostolado, porque maiores serão as coisas uteis que a burguesia pagã terá de ouvir.
Quanto ao programa, entreguei-o ao Paulo Cintra, vice-presidente da A.U.C. que aqui deve chegar dentro de alguns minutos. Mandá-lo-ei ainda nesta carta, ou em outra.
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Seguiu anteontem mais um “aucista” de nossa Politécnica, para o Convento. É o H. Ch. por quem tinha uma profunda simpatia. Entrou para os Jesuítas. Seguiu com mais dois Congregados e 5 meninos, todos para a Companhia.
Já é o 3º. aucista da Politécnica que entra para uma Ordem. O Svend para os Beneditinos, o L. para os Franciscanos; e agora o Ch. para os Jesuítas. Foram todos os três contemporâneos, e 2 deles chegaram a se diplomar.
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Gostei muito de sua saudação ao Afrânio de M. F. Julgo que uma das reparações que mais devem agradar à Nossa Senhora é justamente causarmos o bom escândalo, para reparar o mau escândalo, que por aí vai grassando. Imagine o efeito de um discurso como o seu – realmente apostólico, embora muito discreto e moderado – sobre muito zebedeu que ainda imagina que o Catolicismo só é coisa aceitável para beatas velhas e desiludidas de qualquer esperança de casamento! E esteja certo de que ainda há hoje em dia muita gente pensando assim.
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Passo, agora, para um tema diferente.
Não sei se o Sr. ainda se lembra de um paralítico, de que lhe escrevi há algum tempo. É um rapaz que, moço ainda, foi colhido por um acidente de automóvel em São Paulo. Sofreu a fratura da espinha, e está condenado a uma paralisia absoluta, que não só afetou as pernas, como também o tronco, e alguns órgãos, como os intestinos etc.
Ele era do Amazonas, e estava em S. Paulo de passagem. Paupérrimo, e sem parentes, foi vivendo da caridade pública, e suportando as dores mais atrozes, como Deus lhe ajudava. Sua miséria chegou a tal ponto que, por falta de pagamento, foi expulso mais de uma vez da pensão em que se abrigara, vendo-se de um momento para outro na rua, obrigado a ir para outra pensão, onde tivesse um pouco de crédito. Finalmente, entrou em contato com alguns estudantes de medicina, que começaram a se interessar por ele. Foi-lhe possível, então, com uma máquina de escrever que lhe foi fornecida, e que ele equilibrava sobre a cama, fazer cópias para estudantes, horas a fio, para ter com que viver. Note-se que seu estado nem sequer lhe permitia sentar-se, e que ele passou, assim, 5 ou 6 anos deitado de costas sem nem poder virar-se de lado, e com feridas nos omoplatas e em outros lugares, por causa da invariabilidade de sua posição. E é neste estado miserável, que, reclinado apenas, ganhava seu pão quotidiano.
Mas Nossa Senhora condoeu-se dele. Com o pouquinho de dinheiro que ganhava, ele começou a comprar um ou outro jornal, especialmente os do Rio, de que muito gostava. Começou a ler suas críticas e, através delas, começou a se interessar pelo Catolicismo, e pelos seus trabalhos.
Neste interim, eu fui apresentado a ele, conheci-o de perto e, naturalmente, lhe facilitei tudo quanto pude, principalmente pelo lado espiritual, porque, pelo lado pecuniário, o Sr. bem sabe que pouco posso.
Foi, portanto, por seu intermédio, que este coitado conseguiu aproximar-se de Nosso Senhor, e se integrou perfeitamente no Catolicismo, que é hoje seu sustentáculo. É congregado nosso, de Santa Cecília, e comunga sempre que seu estado lho permite.
Por outro lado, Nossa Senhora aproximou dele uma solteirona muito mais velha do que ele, muito rica, e que lhe tem servido de verdadeira Mãe. Ela lhe proporcionou o inestimável benefício de mandar vir para junto dele a Mãe e a irmã, que estavam em outros lugares, e pegou este pobre povo todo, e pôs em sua própria casa. Por outro lado, arranjou-lhe uma cadeira de rodas, um rádio, livros à vontade, aquecedor e mil e uma coisas de que seu precário estado de saúde e seu pobre espírito cansado precisavam urgentemente.
A solicitude com que a Providência lhe deu o pão da alma e do corpo depois de algumas provações, é realmente comovedora.
No entanto, a situação do rapaz continua melindrosa. Ele vive da caridade desta Sra., mas ela já perdeu, com a crise, grande parte da fortuna. Por outro lado, a parentela dos prováveis herdeiros está ganindo contra o Saraiva, taxando-o de “profiteur” etc. É, pois, perfeitamente natural que, por uma delicadeza de consciência, ele procure, o mais possível, arranjar médicos gratuitos, remédios gratuitos etc. para pesar pouco nos ombros da sua protetora.

[infelizmente o restante da carta não foi localizado]

Nota: Clique aqui para consultar a vasta correspondência entre o Prof. Plinio e Alceu de Amoroso LIma (Tristão de Athayde), de 1930-1939.

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