Exaltação da Santa Cruz (14/9) – A Cruz só pode ser levada com humildade. Aplicações para o apostolado

Santo do Dia, 13 de setembro de 1966

A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.

 

Amanhã é festa da Exaltação da Santa Cruz. Dom Guéranger escreve o seguinte:

“Desde os primeiros tempos do cristianismo, a Santa Cruz do Salvador foi glorificada. Ele mesmo dissera: “Quando eu for exaltado, levantado sobre a terra, atrairei todas as coisas a Mim”. Constantino a reproduz em seu lábaro e Santa Helena a encontra no Calvário. Desde então a Exaltação da Santa Cruz torna-se uma festa na Igreja, festa que se tornará mais solene a partir do século VII”.

“No início desse século irrompeu uma guerra sangrenta entre gregos e persas que perdurou vinte e quatro anos. Os gregos sofreram contínuas derrotas; os persas, em vitórias contínuas, devastaram a Palestina, tomando Jerusalém e carregam da cidade todo o precioso, inclusive o Santo Lenho da Cruz”.

“Entretanto, em 621, o Imperador Heráclio, como que despertou de um letargo e inicia uma série de campanhas batendo os persas sem tréguas. Conseguindo a paz, reobteve os lugares santos. Em 629, o imperador grego embarcou de Constantinopla para Jerusalém, para levar a verdadeira cruz e dar graças ao Senhor pela vitória. Lá chegando, vestido de magníficas roupas como vencedor que era, tomou a cruz aos ombros a fim de levá-la à Igreja do Calvário, seguindo o caminho que fizera o Salvador. Entretanto, mão invisível deteve-o à porta do Calvário. Não mais conseguiu avançar, até que o Patriarca Zacarias o aconselhou a vestir-se mais simplesmente para imitar o seu Salvador”.

“Heráclio despojou-se de seus adornos, vestiu um hábito…”

Deve ser, provavelmente, hábito de monge.

“…e descalço, levou facilmente a cruz. Ela permanecia no estojo de prata, tal qual como fora levada. O Patriarca verificou se os sinetes estavam perfeitos. Abriu o invólucro com a chave, adorou o Santo Lenho e mostrou-o ao povo. Esse restabelecimento da Cruz tornou ainda mais solene a festa já anteriormente celebrada”.

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Santa Helena e o imperador Heraclio (575-641) com a Santa Cruz ante as portas de Jerusalém (Museu Provincial de Belas Artes, Zaragoza, Espanha).

O fato fala por si, mas ele tem um ensinamento que é muito interessante:  a advertência de que a cruz só pode ser carregada com espírito de humildade. O imperador do Império do Oriente, que era um império católico, tinha o direito a se vestir de modo esplêndido. Porém, quando quis levar a Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, o traje era inadequado, porque para celebrar os despojamentos e humilhações de Nosso Senhor, pede-se como corolário, os despojamentos e a humilhação daqueles que O estão celebrando. E a glorificação da humildade pede que os que a fazem se apresentem de modo humilde.

Então a Cruz parou e não foi para a frente senão depois do imperador ter tirado seus trajes e vestido um simples hábito de monge. Esse fato nos dá também um ensinamento muito importante: é impróprio um imperador se revestir das galas imperiais para carregar a Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, como é impróprio também fazer apostolado, que é de algum modo carregar a Cruz de Nosso Senhor, procurando qualquer coisa que lisonjeie nossa vaidade, com a projeção de nossa pessoa, exaltação de nossas qualidades individuais.

O livro de Dom Chautard, “A Alma de Todo Apostolado”, coloca a questão em termos inteiramente claros. O apostolado praticado por quem procura – a propósito da ação apostólica – manifestar dotes pessoais, atrair a admiração, adquirir influência e prestígio, este apostolado não tem as bênçãos de Nosso Senhor, não tem o favor de Nossa Senhora! E por causa disso resulta num apostolado estéril. A graça não circula através do apóstolo vaidoso. E sem a circulação da graça não existe apostolado. A ação apostólica é fundamentalmente uma transmissão de graça. E onde não há transmissão de graça não existe apostolado.

De maneira que fazer apostolado com vaidade é absolutamente tão inócuo quanto a gente procurar, por exemplo, desenvolver uma batalha de artilharia sem pólvora… Quer dizer, é ridículo, é uma coisa de gagá. O elemento dinâmico e conquistador no apostolado é a graça. E o homem que faz o apostolado pensando em quanto ele aparece etc., etc., esse homem não consegue absolutamente nada! E então isso é muito bom para nossa vida interior.

Há dias venho pensando em desenvolver esse pensamento aqui no “Santo do Dia” e relembrá-lo de vez em quando, porque é dessas verdades que os homens tendem a esquecer, e que são verdades fundamentais para o desenvolvimento de nossa vida espiritual.

Se estou fazendo apostolado com vaidade, posso estar certo de que eu estou fazendo apostolado estéril. Não adianta. A graça de Deus não precisa de mim. Suscitará um outro qualquer, me rejeitará. Ou, talvez pior, não suscitará ninguém, porque eu não quis ser fiel. Mas eu não conquistarei resultados apostólicos, porque estou fazendo uma ação maluca: estou pensando que a graça circula pelos meus lábios, que ela se marca nos olhos do homem vaidoso. E isso não pode acontecer. O homem vaidoso, orgulhoso é o apóstolo fracassado!

Digo isso com esse calor porque considero que a todo momento se deve dizer isso, e é uma coisa sempre boa de se lembrar. Não há melhor incentivo para evitarmos a vaidade no apostolado do que compreendermos a esterilidade do apostolado com vaidade. De maneira que vale a pena, de tempos em tempos, a gente rememorar isso.

Repetindo, então, de modo esquemático, a questão: apostolado é transmissão de graça. Apóstolo é veículo de graça. A graça vai para o homem fiel. Ela não vai através do homem infiel. E o homem fiel é quem não tem vaidade, entre outras coisas. Se ele for um homem vaidoso, quer dizer, se ele faz apostolado com obstáculos à graça que nele deve circular, ele liquida o apostolado.

Quantas vezes se vê gente, por exemplo, que se esbalda e se esforça por fazer apostolado junto alguém e não consegue resultado. Eu não digo por que não sou amigo de dizer as coisas assim na cara de uma vez, a não ser que note que existe uma graça no momento para tal. Mas vai se prestar atenção porque aquele apostolado não vai para a frente – apesar de prodígios de habilidade, de paciência, de jeito, de flexibilidade, sem resultado -, é claro que muitas vezes será porque aquele apóstolo opõe obstáculo. Está acabado.

Também Nosso Senhor foi o Apóstolo perfeito e não conseguiu muitos dos apostolados ao qual Ele se dedicou. Mas, em grande número de casos é porque o apóstolo opõe obstáculo. Se ele não opusesse, as graças aumentavam e aquele apostolado se movia. Por que fica parado? Vaidade, orgulho, querer mostrar-se, não fazer por amor de Deus, mas por amor de si mesmo. E este último, nesse sentido, é incompatível com o amor de Deus. Resultado: o apostolado não é abençoado e fracassa completamente.

Às vezes ouço algo do gênero assim: “Dr. Plínio, vamos fazer uma reunião no nosso Grupo, ou no nosso subgrupo, e eu não sei o que tem pelo ar, que a reunião não pega, aquilo não toca; é árido, acabamos nos olhando de um modo esquisito durante a reunião; acabamos rosnando um contra o outro, sai encrenca… não entrou uma benção”. Fico ouvindo e quieto, mas não é porque não saiba o que lá se passa: é porque um ou alguns se afirmam com vaidade pessoal. Afirmando com vaidade pessoal, a graça deserta.

E então dá aquele apostolado: “Olha, você devia fazer tal coisa, é melhor”. O sujeito em vez de ter vontade de fazer a coisa melhor por causa da advertência, diz: “Você é que deveria ter feito aquela tal outra coisa assim”. Diz um terceiro: “Olha, eu sempre disse a respeito de vocês dois tal coisa assim”. Acaba a reunião. O que ela foi? Qual a graça que circulou nessa reunião?

A gente vê as coisas magníficas que a Escritura diz da graça: é como uma luz, como uma vida, como um encanto que se espalha pelos lábios, é como um perfume. O que houve de luz, de perfume?…

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