Lembremo–nos do Céu, não nos esqueçamos do inferno

Sede do Reino de Maria, Domingo, 2 de junho de 1991

A D V E R T Ê N C I A

Gravação de conferência do Prof. Plinio com sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor.

Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá Dr. Plinio em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.

 

Em uma conversa com jovens da TFP brasileira, Dr. Plinio responde a uma pergunta sobre quais foram os efeitos que teve a leitura dos “Exercícios Espirituais” de Santo Inácio de Loiola.

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Sobre os Novíssimos tomados como um conjunto; os quatro Novíssimos do homem, como é que é então a coisa? O homem morre, o homem é julgado, e vai para o Céu ou vai para o inferno. Como é agora o negócio?

Bem, a primeira meditação que eu fiz na minha vida a esse respeito – eu não tenho boa memória – eu tinha mais ou menos entre 19 e 20 anos. Foi um pouco antes de eu entrar para a Congregação Mariana e começar a trabalhar no movimento católico, ou foi um pouco depois de ter entrado, foi nesse período intermediário.

Eu encontrei numa livraria – a livraria do Coração de Jesus que hoje não existe mais, e que é ali junto à igreja do Coração de Jesus; era uma livraria católica muito boa naquele tempo, hoje não é mais nada –, mas encontrei os Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola comentado por um padre Jesuíta chamado Pinamonti, mas que era um padre bem anterior. Pelo total do livro eu vi que era um livro já antigo e que quando era antigo parecia ser uma reedição de um livro mais antigo. De maneira que é um livro que deveria ter uns 60, 70 anos já quando eu li. Era uma edição bem feita e normal, muito correta, e simples, uma edição popular simples, em que vinham todas aquelas várias partes da meditação graficamente bem dispostas e tal.

Eu comecei a ler os Exercícios Espirituais desde o começo. E comecei me encantar desde logo pela lógica. Porque felizmente a Providência me favoreceu com isso, que desde pequeno eu tive um gosto extraordinário pela lógica. O que está bem raciocinado e é coerente me entusiasma! O indivíduo que diz coisas que a gente não sabe bem como se prendem, não sabe como é que uma coisa prende com a outra, como e que forma um raciocínio etc., etc., isto eu tenho uma repulsa natural. Isso é uma pataquada, não vale nada! A lógica me encantou sempre.

E quando eu comecei a ler esses Exercícios Espirituais, eu me lembro como hoje, era no meu quarto de dormir que era muito espaçoso, havia uma mesa de trabalho para eu fazer meu estudo – eu era estudante – ali mesmo. E eu aproximei-me da mesa, sentei-me numa cadeira comum, comecei a ler. Eu me lembro que foi a única vez na vida que uma pessoa calma como eu me retorci, mas literalmente, de entusiasmo e de contentamento. ±s vezes as pessoas se contorcem de receio, de medo de uma coisa perigosa qualquer; não sei, um aluno preparou mal um exame, vai levar bomba no exame, como é que é o negócio etc., etc. Ou então o médico vai dar um diagnóstico: “O que é que esse médico vai dizer? O que é que eu tenho?” Essas coisas assim.

Cheguei a estar, quando eu tinha talvez nove ou dez anos, cheguei a estar mal à morte com uma doença chamada crupe. Eu percebi que eu estava muito mal. Não me contorci. Mas diante da lógica de Santo Inácio, eu me contorci literalmente, e me contorci de entusiasmo, porque aquilo não tinha conversa. Aquela primeira meditação dele: “O homem foi criado! Não discuta, foi criado mesmo, e não venha com lorota, e agora vamos ver qual é a consequência disso.” A consequência é coerente, bem amarrada, é ta-ta-tá.

* Na morte, a possibilidade da felicidade inteira ou da desgraça completa

Quando chegou exatamente nos Novíssimos, eu disse: “Aqui fecha a questão”. Fecha a questão para quem tem fé, porque quem não tem fé não vale nada. Mas fecha a questão quer dizer: “Uma vez que o homem existe e morre… vem a morte, o julgamento, o Céu e o inferno, não tem conversa. E agora, eu, Plinio, portanto, tenho isto, e não escaparei disto porque é certo que eu vou morrer. E se é certo que eu vou morrer, é certo que eu vou ser julgado. E se é certo que eu vou ser julgado, eu tenho diante de mim a possibilidade de uma felicidade sem fim; depois total, perfeita, cuja perspectiva me encanta a alma, mas eu tenho também diante de mim a possibilidade de um inferno terrível!” E o padre Pinamonti fazia o comentário dele muito bem feito.

Ele quando descrevia o julgamento, a alma que acaba de morrer… está diante de Deus! É uma coisa que as pessoas não se dão conta em geral, quando vêem uma pessoa morrer – não sei se os senhores viram alguma pessoa morrer, são tão jovens que talvez não tenham visto. Quais são aqui os que viram gente morrer? É um bom número, mais do que eu supunha. Pois bem, quando a gente vê uma pessoa morrer, a gente fica naquela história: “Vive ou morre?”

Isso é uma pergunta secundária, a pergunta é a seguinte: “Vai ou não vai ser julgado?” Porque se morrer vai ser julgado, vai ser julgado ali, naquela hora.

Bem, se ele não morrer, então o juízo dele está adiado. Mas, “vai ser julgado” é uma coisa tremenda, porque pende o futuro todo, inteiro, a felicidade inteira do indivíduo é se ele for para o Céu, e a infelicidade, a desgraça completa do indivíduo é se ele for para o inferno.

* Nosso Senhor mostra a Santa Tereza o lugar que teria no inferno se não seguisse o bom caminho

Deus Nosso Senhor numa visão que Ele concedeu à Santa Tereza de Jesus – talvez tenham contado isto aos senhores no retiro, contaram isso ou não? A ida de Santa Tereza de Jesus ao inferno, ou não? Nosso Senhor Jesus Cristo quis, com fins de uma altíssima sabedoria que é continuamente a dEle, antes de Santa Tereza de Jesus morrer – uma grande Santa Carmelita mística do século XVI – ela estava em vida ainda, levou tempo para morrer depois. Mas ela já tinha recebido visões, revelações, coisas extraordinárias, comunicações celestes, etc., e era uma grande Santa. Mas ela era uma grande, grande santa.

Santa Tereza de Jesus falou com Nosso Senhor sobre o inferno, medo do inferno… Ele disse a ela: “Tereza, Eu vou lhe mostrar qual seria seu lugar no inferno se não tivesse seguido o bom caminho”.

Agora, imaginem a situação. A grande Santa Tereza hem! Era num inferno fundo, uma fogueira medonha! com fogo de ódio que queima tudo! No meio uma espécie de caixa que abria em dois, e ela seria condenada a ser posta ali dentro dobrada em dois e ficar queimando daquele fogo sem nunca poder se mover nem nada, durante toda eternidade, ali, fechada. Quer dizer, sem respirar nem nada. Isso a grande Santa Tereza de Jesus.

Agora, se isto aí era para a grande Santa Tereza, como é para um “estudanteco” de direito chamado Plinio em 192… quase trinta? Sei lá! E aí eu comecei a pensar… Os comentários do padre Pinamonti… Ele ilustrava com fatos concretos, ilustrava muito bem.

* Deixar de ser membro da Santa Igreja Católica, o mais terrível efeito da condenação eterna

E aí depois fala do Céu, a alegria etc., etc. Mas tudo isso não produziu em mim – produziu um efeito muito grande como os senhores estão vendo – mas não produziu em mim o efeito que produziu uma coisa que alguns anos atrás me veio à cabeça, e que produziu um efeito pior do que tudo. É o seguinte: “Quem vai para o inferno deixa de ser membro da Igreja Católica”.

Porque existe a Igreja Militante, aqui na Terra. A Igreja gloriosa no Céu; e a Igreja padecente. Padecer é sofrer, portanto a Igreja sofredora. Qual é a Igreja sofredora? É o purgatório. As almas do purgatório têm o Céu garantido, mas têm que expiar antes de ir para o Céu.

Bem, essas são as três Igrejas, no inferno não há Igreja. De maneira que o sujeito fecha os olhos e está em estado de pecado mortal, automaticamente deixa de ser membro da Igreja Católica. Isso me produziu um efeito pior do que tudo. Deixar de ser membro da Igreja, era melhor deixar de existir. Bom, e isto me deu um pânico acentuado ainda mais do inferno.

* A determinação de salvar a alma e passar a vida lutando pela Santa Igreja Católica

Bem, eu estou falando aqui do inferno e não estou falando do Céu. Por que é que não estou falando do Céu?

Em primeiro lugar, é porque os senhores não me pediram propriamente que falasse do Céu e do inferno, pediram o efeito em mim do que eu…

O que eu resolvi? Foi que eu resolvi com uma firmeza muito maior do que antigamente: salvar minha alma, passar a vida lutando pela Santa Igreja Católica, e seguindo o caminho que com o favor de Nossa Senhora ao longo de todos esses anos eu tenho seguido. Uma confirmação vigorosíssima! Uma confirmação com mão de ferro.

* Incompatibilidade com a ideia de passar a eternidade sentado numa nuvem, tocando violino…

Agora, para terminar dizendo uma palavrinha sobre o Céu. Eu tinha – estou falando de minhas impressões naquele tempo – no catecismo eu ouvia falar que no Céu as almas gozam uma felicidade perfeita, e que, portanto, não lhes falta nada, etc., etc., e que quando chegar a ressurreição dos mortos no fim do mundo, os corpos dos justos se ressuscitam e se ligam às almas; ficam completos e vão para o Céu. Mas eu me perguntava assim, meio confusamente, não era uma pergunta – quando eu era menino – não era uma pergunta que eu me fizesse muito claramente, ficava confusa no meu espírito; era: “Como é que seria o Céu. O Céu mais ou menos como deve ser?”

Então, nas igrejas daquele tempo havia uma certa frequência de pinturas assim nas paredes, etc. – ainda algumas existem hoje – representando o Céu. Era um homem, ou uma senhora, ou uma anjo, de pé ou sentado tocando violino, no meio de nuvens. Sentado numa nuvem bem macia, eu quero crer que fosse fresca, agradável e tocando violino.

Eu dizia: “Mas que coisa curiosa, eu não tenho essa apetência de passar a eternidade tocando violino. Se nem aqui nessa vida eu tenho esse desejo de tocar violino, nunca peguei um violino na minha mão, nunca me passou pela cabeça de tocar violino… – eu ouvia em concerto uma coisa ou outra, outros tocarem violino; mas nunca me passou pela cabeça tocar violino –, como é agora esse negócio, chega no Céu, priiiipt! Eternamente! Eternamente! Não acaba! Depois não tem nem descanso! Ou será que às vezes ele deixa o violino nessas nuvens, a harpa também nessa nuvem e faz outra coisa? O que será que ele faz?”

É uma pergunta que eu me punha. É uma pergunta que é natural que os senhores se ponham também.

* O Céu empíreo

A título de curiosidade quais foram aqueles aqui por cuja cabeça passou essa pergunta? É quase todo o mundo, porque é uma pergunta que entra pelo espírito humano.

Foi muito mais tarde, foi uns, não sei bem, uns dez anos atrás que lendo um grande teólogo do século XVI, Cornélio a Lápide, eu tive a explicação do que era a coisa. Quando a alma está separada do corpo, o corpo se decompõe; nós morremos o corpo se decompõe. A alma está separada do corpo, a alma não tem nenhuma necessidade física, e ela vê Deus face a face e tem essa felicidade eterna. Mas necessidade física não tem nenhuma. Quando vem o corpo, quando restaura o corpo, há uma felicidade perfeita para o corpo, ligada à felicidade da alma.

De maneira tal que para resumir muito a coisa – porque já está durando demais essa palavrinha – enquanto a alma vê Deus continuamente, e nunca deixa de ver Deus, e nisto está a suprema felicidade da alma, ao mesmo tempo o corpo está junto com a alma, num lugar chamado Céu empíreo que é um lugar material onde fica o corpo. E então pode se sustentar que há móveis, cadeiras, casas, etc., etc., portanto, que essas casas formam ruas, etc., pode se sustentar que são de brilhantes, de esmeraldas, e que nesse lugar o corpo tem uma felicidade perfeita porque todos os instintos, todos os sentidos do corpo, sentem um bem-estar perfeito. Mas que há uma ligação entre esse bem-estar e a alegria que a alma tem do que vai vendo em Deus. Porque à medida que a pessoa vai vendo em Deus isso, aquilo, aquilo outro; vamos dizer, passa a mão numa coisa assim… Não é no couro que está aqui, vil! mas são coisas à maneira de super tecidos, que dão ao corpo uma alegria grande. Mas que tem relação com o que vai vendo em Deus.

* A conversa dos Anjos com os homens no Céu empíreo, pela harmonia de sons e luzes

Então, por exemplo, no Céu empíreo – diz o Cornélio a Lápide – sopram ventos harmônicos que emitem sons; esses sons são como vozes de anjo, os anjos não têm voz porque eles não têm corpo, eles são puros espíritos, mas eles se servem para se comunicar com o homem, servem-se das massas de ar para produzir compressões, descompressões e sons; os instrumentos dos anjos são o ar do Céu empíreo. O homem entende, e ele diz alguma coisa para o anjo e o anjo responde por música… Creio eu que pode responder também por sombras, por luzes etc., e tudo acompanhando, com relação ao que o homem vai vendo em Deus. Aí os senhores têm uma ideia do Céu muito mais atraente, suponho eu, mais convidativa do que a que dei há pouco.

* Pensem no Céu, é uma coisa santa, justa, boa; mas sobretudo pensem no inferno

Em vez de abandonar os senhores com a fisionomia pesada diante das ameaças do inferno, eu deixo um pouco mais animados… Mas sobretudo não esqueçam do inferno. Porque o homem é tal que colocado diante da tentação, para impedir que ele peque, nada melhor do que o inferno: “Olha, você apanha tal coisa, hem!” “Você tem tal prêmio!” O indivíduo tentado pode dizer: “Sim, eu sou moço ainda, tenho vinte anos, vou morrer com 80 ou com 90 anos, tenho 70 anos de… Isso deixa o prêmio para mais longe, eu agora quero gozar tal coisa”. Isso é a infâmia da natureza humana decaída pelo pecado original. Mas se for o inferno, não.

De maneira que pensem no Céu. É uma coisa santa, justa, boa. Para os senhores pensarem no Céu, eu estou dando aos senhores essa informação do grande Cornélio a Lápide. Mas sobretudo pensem no inferno. E os senhores se salvarão como eu espero da misericórdia de Nossa Senhora que me salve também, e um dia no Céu empíreo nos encontraremos…

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Para aprofundar o assunto, sugerimos a consulta e/ou leitura de:
* diversos artigos ou explanações do Prof. Plinio a respeito do Fundador dos jesuítas (Santo Inácio)
* bem como a excelente obra “O PARAÍSO – Considerações teológicas sobre o Paraíso celeste, visto principalmente enquanto lugar”, de autoria do Cônego Pierre-Joseph Pession e que neste link pode ser encontrado em uma tradução ao português.
E para a versão em inglês:
THE PARADISE, by Fr. Pierre-Joseph Pession (FULL TEXT) – Theological Considerations Expounded in the Form of Meditations on THE PARADISE Considered Mainly as a PLACE, its relations with the rest of the universe, connections with the life of trial of rational creatures, and on happiness, especially accidental, of Jesus Christ, Mary, the Angels, and the other elect.

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