Caminho magnífico, supremo para a devoção a Nosso Senhor Jesus Cristo: Nossa Senhora

Reunião de Recortes, 21 de março de 1992, Sábado, Auditório Nossa Senhora Auxiliadora

A D V E R T Ê N C I A

Gravação de conferência do Prof. Plinio com sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor.

Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá Dr. Plinio em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.

Tratado da Verdadeira Devoção a Nossa Senhora, de São Luís Maria Grignion de Montfort, tópicos números 61-77:

  1. “Jesus Cristo, nosso Salvador, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, deve ser o fim último de todas as nossas devoções.

“Nós só trabalhamos, como diz o apóstolo, para tornar todo homem perfeito em Jesus Cristo, pois é em Jesus Cristo que habita toda a plenitude da divindade e todas as outras plenitudes de graças, de virtudes, de perfeições; porque nEle somente fomos abençoados de toda bênção espiritual; porque é nosso único mestre que deve ensinar-nos, nosso único Senhor de quem devemos depender, nosso único chefe ao qual devemos estas unidos, nosso único modelo, com o qual devemos conformar-nos, nosso único médico que nos há de curar, nosso único pastor que nos há de alimentar, nosso único caminho que devemos trilhar, nossa única verdade que devemos crer, nossa única vida que nos há de vivificar, e nosso tudo em todas as coisas, que deve bastar-nos…

  1. “Se estabelecermos a sólida devoção a Santíssima Virgem, teremos contribuído para estabelecer com mais perfeição a devoção a Jesus Cristo, teremos proporcionado um meio fácil e seguro de achar a Jesus Cristo…”

Vamos analisar essa parte para depois prosseguirmos.

Nós ainda aqui devemos nos situar no tempo que vivia São Luís Grignion de Montfort para compreendermos bem o alcance do que ele diz aqui.

* Como se apresentava o mal na época de São Luís Grignion

O Mal se apresentava a ele da seguinte maneira. Como nós sabemos pela RCR [abreviatura da obra “Revolução e Contra-Revolução”], a Revolução existia. Terminada a Idade Média começou a Revolução, o fim da Idade Média foi o início da Revolução.  Mas, durante muito tempo, o mundo levou numa espécie de decadência lenta, cada vez mais se afastando da Idade Média, mas lentamente, gradualmente, de maneira que muito de bom ainda foi subsistindo se bem que em estado de deterioração, em estado de agonia.  Verdades que eram aceitas integralmente no começo dos tempos modernos, pelos meios dos tempos modernos começaram a ser apenas semi-aceitas e substituídas não claramente por uma negação, mas por uma semiverdade.

Por exemplo o seguinte: e esse exemplo é frisante.  No mundo, na sociedade em geral, havia exemplos de corrupção, e até exemplos de corrupção escandalosa. O exemplo da vida privada de Luís XIII foi bom, o de Luís XIV já foi um exemplo muitas vezes escandaloso.  O fim da vida dele, o último período da vida dele, foi um período regular, ele era viúvo de Maria Tereza D’Áustria e se casou com Mme. de Maintenon, marquesa de Maintenon e levou uma vida regular.  Não teve filhos dela, mas levou uma vida regular.

Mas anteriormente, ele teve concubinatos famosos com Mlle. La Vallière, Mme. de Montespan, e nos intervalos com umas e outras, e outras e tal.

Mas, ao par desses casos escandalosos, havia muita gente que vivia muito bem, viviam com regra, com compostura, com decência, embora – e aqui estava o veneno – afetando uma certa frieza pela religião, um certo desinteresse pela religião e procurando levar uma vida à maneira do católico, em nome de princípios que eram apenas os princípios católicos considerados do joelho até o tornozelo. Quer dizer, é uma parte muito pequena.

Por exemplo, a ideia de honra. Os senhores podem, hoje em dia, – é interessante a experiência, se alguns dos senhores quer formar uma equipe para fazer essa experiência pode fazê-lo – tomar qualquer jornal hoje, de qualquer idioma e procurar quantas vezes num determinado número desse jornal figura a palavra honra. Os senhores verão que é uma palavra que está quase completamente em decadência, em desuso, não se fala mais de honra.

* A honra era a religião dos que não tinham religião

A palavra honra tinha no tempo de São Luís Grignion de Montfort, uma importância enorme. Muitos não roubavam porque era uma desonra roubar. É um pecado contra a honra roubar.

Muitos não faziam outras [coisas], como por exemplo, fugir no campo de batalha, ou trair, porque era uma desonra.  A honra era uma religião. E era a religião dos que não tinham religião.  E até isto era posto por muitos assim: “ele foi – nos necrológios, quer dizer quando o sujeito morre fazem no jornal uma notícia fúnebre, às vezes – ele foi um homem verdadeiramente de alma elevada, transformara a honra na sua verdadeira religião. Ele tinha um culto à honra”.

A ideia era que o culto à honra era um princípio abstrato, que o homem poderia ser um homem honrado sem ter fé, a fé era dispensável.  Isso ia se estendendo para quase todos os domínios da vida.

Virtudes, ainda havia muitas, mas virtudes praticadas com fundamento religioso, por amor de Deus, com apoio nos sacramentos, por gente que se dizia católica, apostólica e romana isso não.

O primeiro pensamento que ele desenvolve aqui, é recusar esta posição.  O centro de tudo é Nosso Senhor Jesus Cristo, e o que não é Nosso Senhor Jesus Cristo, não é nada.  Mas os senhores verão daqui a pouco que ele aproveita esse pensamento altamente verdadeiro para fazer face a outra máfia, e essa máfia se voltava contra ele.

Diziam que ele exagerava o culto à Nossa Senhora, que ele se preocupava muito com Nossa Senhora e nem um pouco com Nosso Senhor Jesus Cristo, e que o espaço que ele dava à Nossa Senhora na piedade dos fiéis, era um espaço roubado ao tempo, ao amor e a atenção que os fiéis deviam a Nosso Senhor Jesus Cristo.  Então, ele para provar que não era isto, que esta “máfia” (no sentido de calúnia, n.d.c.) é falsa, ele põe os pingos nos “is” no que diz respeito a Nosso Senhor Jesus Cristo, e mostra o pensamento dele sobre Nosso Senhor Jesus Cristo.

* O fim último de todas as nossas devoções é Nosso Senhor Jesus Cristo

  1. “Jesus Cristo, nosso Salvador, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, deve ser o fim último de todas as nossas devoções.”

Nossas devoções só têm, portanto, um fim último e esse fim último é Nosso Senhor Jesus Cristo.  Nossa Senhora não é, portanto, o fim último, Ela é um escalão intermediário, inapreciável, sublime, o mais sublime, o mais valioso, o mais venerável que se possa imaginar, mas Ela é um escalão. O fim último é Nosso Senhor Jesus Cristo.  Ele afirma categoricamente.  Ele agora continua:

“Nós só trabalhamos, como diz o apóstolo, para tornar todo homem perfeito em Jesus Cristo…”

Perfeito em Jesus Cristo é uma fórmula que equivale a dizer perfeito segundo Jesus Cristo, quer dizer, segundo a perfeição pregada por Jesus Cristo, e com a vida da graça procedente de Nosso Senhor Jesus Cristo, e que nos dá força para procurarmos a perfeição. Porque sem isto, ainda que nós admirássemos muito a Ele – de fato nós não poderíamos admirar sem o auxílio da graça – mas ainda que nós admirássemos muito a Ele, se não tivéssemos graças, não teríamos a força para cumprir esses mandamentos e ainda mais os Conselhos Evangélicos.

Então ele diz aqui:

“… pois é em Jesus Cristo que habita toda a plenitude da divinidade…”

É em Jesus Cristo que habita, em português os senhores sabem o que quer dizer isto. Quer dizer, é só em Jesus Cristo que habita. É Ele que faz isto, é Ele que sabe isto, equivale a dizer que é só Ele que sabe, é só Ele que habita.

Quando se pergunta: ele mora nessa casa? Alguém responde: “é, ele que mora aqui”. Equivale a dizer que ele não mora com mais ninguém, a casa é dele e ele é o dono da casa.  Os outros poderão estar ali de passagem, mas o morador da casa é ele.

“… e todas as outras plenitudes de graças, de virtudes, de perfeições; [estão em Jesus Cristo].”

Então, essa história da honra, abstração feita de Jesus Cristo, servindo de fundamento da virtude, é uma coisa que ele recusa completamente como uma forma de Revolução naquele tempo.

“… porque nEle somente fomos abençoados de toda bênção espiritual;”

Quer dizer, é só em união com Ele é que nós temos todas as bênçãos de Deus, fora disso nós não temos.

* Nosso Senhor Jesus Cristo é nosso único mestre, único senhor

“… porque é nosso único mestre que deve ensinar-nos…”

 Os senhores estão vendo como está martelada a ideia de que quem não está em nexo com Nosso Senhor Jesus Cristo, não é nosso mestre e não deve ensinar-nos.

“… nosso único Senhor de quem devemos depender…”

Esse ponto era muito sensível no tempo do absolutismo. Os reis tinham uma autoridade absoluta e muitos obedeciam aos reis com uma dedicação, uma seriedade, um entusiasmo do qual nós teríamos dificuldade em nos dar conta, hoje em dia.  Um desses, antes de morrer disse o seguinte. Foi um nobre francês ou espanhol, não me lembro mais, ele estava para morrer, ele disse: “se eu tivesse feito minha vida por Deus, tudo quanto eu fiz pelo rei, eu estaria certo de minha salvação.”

Quer dizer, o rei fez papel quase de Deus.  Este erro do tempo dele, ele refuta também. Obedecer ao rei, está bem, na medida em que obedecendo o rei se obedeça a Deus.  Se não se obedecer a Deus, o rei não serve de nada, é um agente de satanás que é preciso não obedecer, é preciso opor-se a ele enquanto ele, e na medida em que ele estiver desobedecendo a Deus.

“… nosso único chefe ao qual devemos estar unidos…”

Então Deus, Nosso Senhor Jesus Cristo é nosso Chefe, a Ele devemos estar unidos.

Isto é muito parecido com o que se poderia dizer do rei; e sobretudo o rei era tido como modelo pelos súditos. Assim como é o rei, tais devem ser os súditos.  Luís XIV, por exemplo, o rei sol, formou uma França solar, toda ensolarada, mas ensolarada de um modo bem laico. Resultado: é a ruína do mundo construído por Luís XIV.  Por quê?  Porque ele exatamente era um sol, mas ele não era um sol que se contentasse em ser uma simples estrelinha no firmamento de justiça onde o Sol verdadeiro era Nosso Senhor Jesus Cristo.

* Nosso Senhor Jesus Cristo é nosso único modelo, o único caminho que devemos trilhar, nossa única verdade que devemos crer, nosso tudo em todas as coisas

“… nosso único modelo…”

 O modelo não era o rei, o modelo supremo era Jesus Cristo.  O rei podia ser um modelo na medida em que ensinasse por seu exemplo, por sua palavras a obedecer a Nosso Senhor Jesus Cristo. Por exemplo, São Luís. São Luís rei teve uma influência profunda sobre seus súditos.

Há uma coisa linda que os colecionadores de moeda contam.  Na França – eu suponho que ainda seja assim – quando vinha um rei, cunhava-se moedas novas.  O rei cujas moedas têm menos valor na França, é São Luís. Porque quando ele morreu, o povo recolheu, e não gastou mais as moedas dele porque tinham a efígie dele e transformaram a moeda em medalha para uso próprio. Aí está certo e muito bonito! Porque o rei era um modelo terreno do modelo divino; e olhando para o modelo terreno, nós sentimos mais perto nosso modelo divino.  O rei era um degrau numa escada que nos leva a Nosso Senhor Jesus Cristo. Aí está bem.  Mas se afastar de Cristo não vale nada! Por mais brilhante que seja, isso aquilo, é nada, porque no fundo, o único é Nosso Senhor Jesus Cristo.  É isso que ele estava ensinando.

Os senhores vêem a oposição dele em relação ao espírito do mundo. Mas ao mesmo tempo como ele foi jeitoso. Se ele escrevesse isso como eu estou dizendo, eram capazes de agarrar o livro dele e mandar queimar pelo carrasco.  É o que faziam com os livros que atentavam contra a dignidade da realeza. Aqui ele escreveu de um modo velado, mas está claro para quem quer ler, e não se podia fazer nada.

“… com o qual devemos conformar-nos, nosso único médico que nos há de curar, nosso único pastor que nos há de alimentar, nosso único caminho que devemos trilhar, nossa única verdade que devemos crer, nossa única vida que nos há de vivificar, e nosso tudo em todas as coisas, que deve bastar-nos…”

De algum modo o rei é tudo isso.  Na França, os reis, no dia da coroação, tinham o poder milagroso de curar os doentes de certas doenças, escrofulose, por exemplo. ±s vezes, quando terminava a cerimônia da coroação, uma cerimônia esplêndida, pomposa, belíssima, de caráter essencialmente religioso, durante uma missa, etc., o rei saía da catedral com a coroa, com o cetro, e ia se meter no meio de filas intermináveis de doentes sofrendo de escrofulose, e o rei tocava a cada um e dizia: “Le roi te touche, Dieu te benisse”.  “O rei te toca, Deus te abençoe”. E muitos saravam da doença.

Quer dizer, os reis até podiam nesse dia, por um carisma dado por Deus, sarar certas doenças.  Mas o médico único é Nosso Senhor Jesus Cristo.  O Pastor único é Ele. O Caminho também.  Os reis devem ensinar o caminho quando ensinam o caminho de Cristo, fora disso não.

Eu quero mostrar nisso, aos senhores, o espírito de combate de São Luís Grignion de Montfort, ao mundo. Ao mundo, mesmo quando esse mundo tinha muita coisa de bom. Mas só porque esse bom estava cortado da raiz de todo bem, ele com todo fundamento dizia: “isto não é bem; isto tem uma aparência de bem, mas não é bem. Eu recuso, porque está cortado do culto, da adoração, do serviço do único verdadeiro Rei que é Nosso Senhor Jesus Cristo.”

* A devoção a Nossa Senhora é um caminho magnífico, supremo, mas é um caminho apenas para a devoção a Nosso Senhor Jesus Cristo

  1. “Se estabelecermos a sólida devoção a Santíssima Virgem, teremos contribuído para estabelecer com mais perfeição a devoção a Jesus Cristo…”

 Quer dizer, a devoção a Nossa Senhora é um caminho, é um caminho magnífico, é um caminho supremo, mas é um caminho apenas para a devoção a Nosso Senhor Jesus Cristo.

“… teremos proporcionado um meio fácil e seguro de achar a Jesus Cristo.”

Por Nossa Senhora nós nos unimo-nos a Ele. E é só porque Nossa Senhora é um caminho para Ele que nós nos voltamos para Nossa Senhora, porque o fim é Ele.

“Volto-me aqui, um momento, para vós, ó Jesus, a fim de queixar-me amorosamente à vossa Divina Majestade, de que a maior parte dos cristãos, mesmos os mais instruídos, desconhecem a ligação imprescindível que existe entre Vós e vossa Mãe Santíssima.”

Ele é um profeta e, então, está continuamente apontando os erros do século e apontando onde está a verdade, e aí ele aponta mais um erro: a devoção a Nossa Senhora está meio soterrada, está meio esquecida, e ele escreve, atua e proclama contra esse esquecimento verdadeiramente criminoso.

“Vós, Senhor, estais sempre com Maria, e Maria sempre convosco, nem pode estar sem Vós; doutro modo, Ela deixaria de ser o que é;”

A própria Nossa Senhora se por absurdo deixasse de estar unida a Nosso Senhor Jesus Cristo, deixaria de ser o que é.

“… e de tal maneira está Ela transformada em Vós pela graça, que já não vive, já não existe; sois Vós, meu Jesus, que viveis e reinais n’Ela…”

É uma frase de São Paulo: “Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim”.  Assim não é Nossa Senhora que vive, é Nosso Senhor Jesus Cristo que vive nEla.

“… mais perfeitamente que em todos os anjos e bem-aventurados…

“Maria está tão intimamente unida a Vós que mais fácil seria separar do sol a luz, e do fogo o calor; digo mais: com mais facilidade se separariam de Vós os Anjos e os Santos que a divina Maria;”

Vejam a expressão santamente audaciosa: “divina Maria”.  Ele acaba de dizer que só Jesus Cristo é Deus, só nEle habita a plenitude da divindade. Ele diz “divina Maria” por uma extensão da linguagem poética dos romanos que falavam do “divino imperador”, do “divino general”, do “divino poeta”, etc., para dizer que tinha alcançado o extremo da perfeição no seu gênero.

E na linguagem oratória católica tinha-se esgueirado esse modo de dizer, sem que se entendesse que era chamar de Deus, era apenas fazer um elogio assim “excelso”, quer dizer que procede do Céu.

“… porque Ela vos ama mais ardentemente e vos glorifica mais perfeitamente que todas vossas outras criaturas.”

Se tomar tudo quanto existe, de um lado: céu, estrelas, ventos, tempestades, flores, plantas, bichos, até homens que tantas e tantas vezes desobedecem a Ele, imagine que todos homens fossem perfeitos, tudo somado, não daria Nossa Senhora.

* Segunda Verdade: pertencemos a Jesus Cristo e a Maria na qualidade de escravos

“Segunda Verdade: pertencemos a Jesus Cristo e a Maria na qualidade de escravos”.

Isso é uma outra coisa que tinha encrenca também com os costumes do tempo. Os senhores vão ver daqui a pouco.

  1. “Do que Jesus é para nós, concluímos que não nos pertencemos, como diz o Apóstolo e sim a Ele, inteiramente, como seus membros e seus escravos, comprados que fomos por um preço infinitamente caro, o preço de Seu Sangue…”

Quer dizer o seguinte: Nosso Senhor Jesus Cristo é homem Deus, e como Deus Ele exerce sobre nós a plenitude de seus poderes, mas além disso… [vira a fita] … dos meios para isso, ofereceu um preço por nós, e assim, quem era nosso senhor e nosso dominador, ficou com as garras arrebentadas, e Jesus Cristo com sua batalha, com seu sacrifício, Ele se tornou o Senhor nosso.

Isso é uma alusão evidentemente ao sacrifício da cruz.  Ele, pelo sacrifício da cruz, derramando o seu sangue infinitamente precioso, Ele com o sacrifício da cruz nos redimiu. Se Ele não nos tivesse redimido, nós não teríamos direito de acesso ao céu, nós não nos teríamos salvo.  Mas Ele encarnado-se e sofrendo tudo quanto sofreu, ele expiou por nós, e dessa expiação veio que nós ressuscitaremos, e nós poderemos ir para o Céu. De maneira que quem comprou o Céu para nós foi Ele, mas se Ele é que deu “dinheiro”, quer dizer, Seu Sangue precioso, para nos comprar, nós não ficamos livres, nós passamos a ser escravos dEle.

Eu dou aos senhores um exemplo.  Imagine no tempo da escravidão que um homem visse um senhor de escravos no momento de matar o escravo.  Esse homem que visse isso era um homem livre também ele.  Ele ficou com muita pena e diz: “não, você me poupe esse homem, me dê esse homem.”

– Não, dar eu não dou, mas eu vendo.

– Quanto é que você pede por este?

– Eu peço todo seu patrimônio.  Eu tenho tanta vontade de matar esse escravo que a menos que você me dê todo seu patrimônio eu não lhe entrego esse escravo.   Mas se você me der todo seu patrimônio, você pode levar.

Esse homem entrega todo seu patrimônio e liberta da morte o  escravo.  Eu pergunto, ele não fica dono desse escravo?

Ora, Nosso Senhor Jesus Cristo entregou muito mais do que seu patrimônio, todo seu Sangue, e Ele quis que se ficasse claro com a lança de Longinus, nEle já morto, meteu a lança, ainda saiu uma certa linfa, um certo líqüido orgânico juntamente com sangue misturado. Aí saiu tudo, e ficou claro diante da História que não havia uma gota que Ele pudesse dar que não tivesse dado.  Aí Ele nos comprou a todos nós, e ficou Senhor nosso.

* Jesus Cristo se tornou em relação a nós como o corpo do homem é em relação a um membro do homem

Então, Jesus Cristo se tornou em relação a nós como o corpo do homem é em relação a um membro do homem.  Por exemplo, meu braço faz o que eu quero, ele faz parte de meu corpo e obedece inteiramente o que eu quero, ele faz parte do meu eu.  Assim também nós que fomos comprados por Ele, devemos obedecer a Ele como nosso braço nos obedece a nós.  Essa é a teoria muito belamente exposta que ele quer pôr em evidência aqui.

Para os senhores terem ideia dos erros do tempo, não muito antes de São Luís Grignion de Montfort entre príncipes protestantes e católicos na Alemanha, tentou-se fazer um acordo pelo qual “cuius regio, eius religio”: conforme seja o rei, esta é a religião a que tem que obedecer seus súditos.  De maneira que um rei, ou um chefe temporal nobre da Alemanha daquele tempo, grão-duque, príncipe, margrave, etc., que tinha terras e tinha jurisdição sobre pessoas, se este passasse ao protestantismo, todos os súditos tinham que ficar protestantes.  Mas, se ele depois convertesse à religião católica, todos tinham que ser católicos.  Isso se exprime por esse aforismo latino que eu acabei de mencionar aqui.

Ora, isto é verdadeiramente uma coisa inaceitável para o católico.  Porque exatamente esta realeza assim com essa força, tem Deus, nós vivemos para Ele, mas eu não posso me convencer de que é verdadeira uma religião, só porque um babaquara qualquer – que por coincidência é meu rei, para minha infelicidade é meu rei – decretou que é verdadeira uma religião que eu tenho toda convicção que é falsa.

É afirmar um poder de outrem sobre mim que só Ele tem. Então recusa; fidelidade a Nosso Senhor Jesus Cristo.

* Duas maneiras de alguém pertencer a outrem e de depender de sua autoridade: a simples servidão e a escravidão

“Há duas maneiras, aqui na terra, de alguém pertencer a outrem e de depender de sua autoridade. São [elas] a simples servidão e a escravidão, donde a diferença que estabelecemos entre servo e escravo.

– Pela servidão, comum entre os cristãos, um homem se põe a serviço de outro por um certo tempo, recebendo determinada quantia ou recompensa.”

É, por exemplo, a relação de um criado ou de um operário moderno em relação ao seu patrão.

“- Pela escravidão, um homem depende inteiramente de outro durante toda a vida, e deve servir a seu senhor, sem esperar salário nem recompensa alguma, como um dos animais sobre [o qual] o dono tem direito de vida e morte…

  1. “A diferença entre um servo e um escravo é total:

1º “Um servo não dá a seu patrão tudo o que é, tudo o que possui ou pode adquirir por outrem ou por si mesmo; mas um escra¬vo se dá integralmente a seu senhor, com tudo o que possui ou possa adquirir, sem nenhuma exceção.”

Quer dizer, o escravo não tem nada, é um escravo.  O servo é um empregado.

2º “O servo exige salário pelos serviços que presta a seu patrão; o escravo, porém, nada pode exigir, seja qual for a assiduidade, a habilidade, a força que empregue no trabalho.”

É essa realmente a situação.

3º “O servo pode deixar o patrão quando quiser, ou ao menos quando expirar o tempo de serviço, mas o escravo não tem esse direito.”

Ele não pode deixar o patrão nunca.  Aliás, nem é patrão, é senhor.  Não pode deixar o senhor nunca.

4º “O patrão não tem sobre o servo direito algum de vida e morte, de modo que, se o matasse como mata um de seus animais de carga, cometeria um homicídio; mas, pelas leis, o senhor tem sobre o escravo o poder de vida e morte; de modo que pode vendê-lo a quem o quiser, ou matá-lo, como, sem comparação, o faria a seu cavalo”.

Ele não quer dizer que isto é de acordo com a doutrina católica, ele diz aqui: segundo a lei. É a lei civil romana dos tempos antigos.

No tempo da cristianização de Roma deixou de ser assim.  Mas em Roma era tão terrível isso, que às vezes o senhor queria matar-se; chamava um escravo e dizia: “olhe, tem um veneno aqui, e eu quero ver com que dor se morre com esse veneno, beba porque eu quero ver você morrer.”

O escravo não tinha outra coisa a fazer senão beber o veneno e começar a se torcer.  E o senhor ficava vendo aquilo, mas também podia não incomodar-se muito, sair da sala, entrar, fazer outra coisa, ou mandar matá-lo para que ele morresse mais depressa, para depois ir tratar de outra coisa, porque resolveu não se matar.  Então, não tem mais interesse em saber como aquele morre.  O escravo é um zero.

5º “O servo, enfim, só por algum tempo fica a serviço de um patrão, enquanto o escravo o é para sempre”.

* Nada há que mais absolutamente nos faça pertencer a Jesus Cristo do que a escravidão voluntária, conforme o exemplo da Santíssima Virgem, que se declarou a escrava do Senhor

  1. Só a escravidão, entre os homens, põe uma pessoa na posse e dependência completa de outra. Do mesmo modo, nada há que mais absolutamente nos faça pertencer a Jesus Cristo e a sua Mãe Santíssima do que a escravidão voluntária, conforme o exemplo do próprio Jesus Cristo, que, por nosso amor, tomou a forma de escravo, e da Santíssima Virgem, que se declarou a escrava do Senhor…
  2. “Devemos pertencer a Jesus Cristo e servi-lo, não só como servos mercenários, mas como escravos amorosos…”

Aqui fica a coisa. É que o servo é um criado, é um operário, trabalha legitimamente por seu interesse. O escravo não, o escravo de amor é aquele que ama tanto a Nosso Senhor Jesus Cristo que trabalha sem recompensa porque quer que Ele seja o Rei do Céu e da Terra, e quer lutar pelo reino dEle na Terra. Ele aceita tudo, todas as humilhações, faz todos os esforços, e não espera recompensa nessa Terra. Mais ainda, a recompensa celeste ele a deseja e aceitará, mas não é a única razão determinante de seu serviço.

Santa Tereza disse muito bem falando a Nosso Senhor: “ainda que não houvesse Céu eu te amara, ainda que não houvesse inferno eu te temera”.

Se poderia dizer: “ainda que não houvesse Céu nem inferno, eu te servira”.  É a relação da perfeita escravidão da criatura para com seu criador.

[Nota: houve um lapso e o item 72 foi lido depois do 73]

  1. “Só a escravidão, entre os homens, põe uma pessoa na posse e dependência completa de outra. Do mesmo modo, nada há que mais absolutamente nos faça pertencer a Jesus Cristo e a sua Mãe Santíssima do que a escravidão voluntária, conforme o exemplo do próprio Jesus Cristo, que, por nosso amor, tomou a forma de escravo, e da Santíssima Virgem, que se declarou a escrava do Senhor…”

Ela quando disse ao anjo: “eis aqui a Escrava do Senhor”, as traduções dizem: “eis a Serva do Senhor”, mas é ancílla é escrava. Ela é escrava de Nosso Senhor, Ela tinha dado tudo a Deus, e por isso Deus deu a Ela o que deu. Porque Deus é de uma generosidade que ninguém jamais conseguirá vencer.  Se nós nos dermos inteiramente a Ele, Ele dará a nós o incalculável, ou seja a Mãe dEle.  Mas maior será a generosidade dEle, se nós dermos tudo a Ele não para receber uma recompensa, mas porque Ele é Ele. Só, por mais nada, por serdes Vós quem sois. Porque Ele é Ele, dou tudo, sejam quais forem os resultados. Aqui está dado.

Isso é a perfeição da atitude do católico em relação a Nosso Senhor, a Nossa Senhora e de algum modo em relação à Santa Igreja Católica.  Quer dizer, também à Igreja a gente deve servir inteiramente, não só sem receber recompensa, mas mesmo recebendo apenas injustiças e ingratidões, porque Aquela é a celeste Igreja de Deus, nós vamos servi-lA e nós vamos fazer com alegria, embora incompreendidos, pisados, postos de lado, é à Igreja que nós estamos servindo; a coisa está bem feita.

“… que, por efeito de um grande amor, se dedicam a servi-lO como escravos, pela honra exclusiva de lhe pertencer.

* Os homens, que a Revolução Francesa proclamou livres, sempre são escravos: ou do demônio ou de Jesus Cristo

“Antes do batismo éramos escravos do demônio; o batismo nos fez escravos de Jesus Cristo.”

Isso é de um antiliberalismo tremendo. Em nenhum momento nós, que a Revolução Francesa proclamou homens livres e iguais, nós fomos livres nem iguais, nós fomos sempre escravos, nascemos escravos do demônio, porque não fomos batizados, não pertencíamos ainda a Igreja Católica e sobre nós, portanto, não se tinha aplicado o efeito reparador, resgatador do batismo.  Fomos batizados, ficamos automaticamente escravos de Nosso Senhor Jesus Cristo. Antes do batismo éramos escravos do demônio, o batismo fez-nos escravos de Jesus.

“Importa, pois, que os cristãos sejam escravos ou do demônio ou de Jesus Cristo.”

Não tem por onde escapar. Se a gente em favor de qualquer poder do mundo, medo da imprensa, medo da televisão, medo dos banqueiros, vontade de ficar rico, de ficar célebre, o que for, nós nos afastarmos da obediência de Jesus Cristo, naquele ponto ficamos escravo do demônio.

  1. “O que digo absolutamente de Jesus Cristo, digo-o também da Virgem Maria, por Jesus Cristo…”

Vejam bem. Então em relação a Nosso Senhor isto é absolutamente verdadeiro.  Em relação à Nossa Senhora é verdadeiro por referência a Nosso Senhor Jesus Cristo.

* Os privilégios que Nosso Senhor Jesus Cristo enquanto homem-Deus possui, a graça deu a Nossa Senhora

“… escolhendo-a para sua companheira inseparável na vida, na morte, na glória, em seu poder no céu e na terra, deu-lhe pela graça, relativamente à sua majestade, os mesmos direitos e privilégios que ele possui por natureza.”

É uma afirmação terrível e admirável. Os privilégios que Ele, enquanto homem-Deus possui, a graça deu a Nossa Senhora.

“Tudo o que convém a Deus pela natureza, convém a Maria pela graça”, dizem os santos…”.

É uma expressão tremenda! Admirável! Cheia de conseqüências.

  1. “Se a Virgem Santíssima, é a rainha e soberana do céu e da terra, não possui Ela tantos súditos e escravos quantas criaturas existem? Não é razoável que, entre tantos escravos por constrangimento, haja alguns por amor, que, de boa vontade e na qualidade de escravos, escolham Maria para sua soberana?”

Então, o que está dito aqui é o seguinte: Nossa Senhora, muitos homens não A escolhem por escravos por um ato livre de vontade, podem sê-lo por constrangimento.  É bonito que o sejam também por liberdade.

“Pois então os homens e os demônios terão seus escra¬vos voluntários e Maria não há de tê-los?”

É eloqüentíssima a pergunta.

“Seria desonra para um rei se a rainha, sua companheira, não possuísse escravos sobre os quais tivesse direito de vida e morte, pois a honra e o poder do rei são a honra e o poder da rainha; e pode-se acreditar que Nosso Senhor, o melhor de todos os filhos, que deu a sua Mãe Santíssima parte de todo o seu poder, considere um mal ter Ela escravos? Terá Ele menos respeito e amor a sua Mãe do que teve Assuero a Ester e Salomão a Betsabé? Quem ousaria dizê-lo ou pensá-lo sequer?”

Quer dizer se o rei tem escravos, o bom rei, bom esposo, bom filho, dá alguns desses escravos para servirem à rainha.  Nós devemos ser os filhos amados de Nosso Senhor Jesus Cristo a quem Ele dá esse privilégio: “vós servireis a minha Mãe”.  Foi o que Ele fez do alto da cruz com São João:  “Mãe, eis aí teu filho.  Filho, eis aí tua Mãe”.

Ele diz a Ela: “Mãe, eis aí vossos escravos”.  E nos diz a nós: “escravos, eis aí vossa Senhora.”

  1. “Por que me detenho aqui a provar uma coisa tão evidente? Se alguém recusa confessar-se escravo de Maria, que importa? Que se faça e se diga escravo de Jesus Cristo. É o mesmo que ser escravo da Santíssima Virgem, pois Jesus é o fruto e a glória de Maria.”

Quer dizer, havia alguns no tempo dele que eram contrários ao culto de Nossa Senhora embora dizendo-se católicos.  Eram jansenistas. Então, ele falando desses jansenistas, cujo convento de Port Royal des Champs – aliás, Luís XIV mandou magnificamente arrasar – esses indivíduos diziam que eles não eram escravos de Maria, eram escravos de Jesus.  E ele termina dizendo: se eles são seriamente escravos de Jesus, não adianta não querer ser escravo de Maria, porque se eles são escravos de Jesus, eles não dispõem de si, Jesus é que dispõe, E Jesus dá seus escravos a Maria. E agora engulam essa com farinha.

 

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