“Considero que Lenine é o mais eminente político de nossa época; sua memória pertence não só à União Soviética, mas ao mundo inteiro. Estou persuadido de que é dever dos intelectuais chilenos tomar parte em todas as iniciativas destinadas a comemorar o centenário do nascimento de Lenine“. Segundo a conceituada revista madrilenha “Fuerza Nueva”, de 11-5-70, estas palavras foram pronunciadas no período preparatório da campanha mundial comemorativa do centenário de Lenine, pelo prócer pedecista chileno, sr. Máximo Pacheco, ministro da Educação do simpático país andino.
A meu ver, ilustram elas perfeitamente a pretensa eqüidistância que a Democracia Cristã afeta manter entre o capitalismo e o comunismo. Como se sabe, Lenine foi, no processo revolucionário russo, o mesmo que Robespierre, Danton ou Marat no processo revolucionário francês. Ou seja, um perfeito celerado. A DC, sempre pronta a censurar com frenesi qualquer medida de força adotada contra o comunismo no Ocidente, proclama, entretanto, aos quatro ventos, que Lenine foi um grande homem na força do termo. Isto é imparcialidade?
Considere o leitor que o Ministério confiado ao sr. Máximo Pacheco pelo presidente pedecista Eduardo Frei é o da Educação. E não terá surpresa em saber que nas escolas públicas do Chile se executou todo um programa de comemorações do centenário de Lenine. E assim se dará conta do imenso proveito que o comunismo aufere quando está no poder a Democracia Cristã.
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É lógico que, vendo em Lenine a maior figura de nosso século, a DC não hesite em empregar de quando em vez os métodos fortes, tão do agrado do déspota vermelho. E isto não só contra os grandes, dos quais o PDC se proclama inimigo sistemático e irredutível, como dos pequenos, desde que estes últimos contrariem, por pouco que seja, os programas “sociais” da corrente.
Assim, “El Diario Ilustrado” de Santiago, folha das mais proeminentes da imprensa chilena, publicou em seu número de 11 de agosto corrente, uma historieta — fortemente documentada com fotografias — que nos deixa ver bem claro o que é o despotismo democristão.
Na província de Santiago, pelas regiões de “El Paico”, havia uma propriedade rural onde todos, patrões e empregados, se sentiam felizes. Ninguém ali queria saber de reforma agrária. Sem embargo disto, a CORA (órgão incumbido pela lei de reforma agrária de efetuar a partilha socialista e confiscatória de terras) ali interveio, a fim de obrigar todos a serem felizes, não da felicidade que possuíam e amavam, mas da felicidade que a Democracia Cristã lhes queria impor. Por isto, foram divididas as terras. Desgostosos, os proprietários se retiraram. E os trabalhadores agrícolas também. Fugiram todos da “felicidade” socialista. A CORA, lenineanamente, não pestanejou. Chamou gente de outros lugares, para tentarem a aventura da “felicidade” que os habitantes naturais da região haviam prudentemente recusado. E, como veremos, a gente que vinha era, à imagem da CORA e da DC, biliosa e façanhuda.
Isto se demonstrou com um episódio tipicamente agro-reformista. Encravada na propriedade de “La Red”, havia uma como que ilhota pertencente a terceiros, e que a partilha compulsória não atingiu. Era a moradia de uma família de honestos e exemplares trabalhadores rurais, que serviam aos donos de “La Red” há mais de 30 anos, e haviam recebido destes, em recompensa, a doação do imóvel. Ou seja, da casa e de uma certa extensão de terra circunvizinha. Modelo, como se vê, de perfeitas relações entre patrões e empregados.
Ninguém se surpreenderá sabendo que, não atingida pelo confisco, a família assim beneficiada — Castillo Guajardo é seu nome — quis permanecer sob o teto que legitimamente recebera.
Essa vizinhança não agradava entretanto aos recém-chegados. E muito menos à CORA. Pois os Castillo Guajardo se manifestavam contrários ao agro-reformismo democristão implantado em sua pátria. Os partidários da CORA iniciaram, então, contra a infeliz família, uma guerra de nervos. Começaram por ameaçá-la de expulsão à viva força. Depois, a perseguição mudou de aspecto: foi cortada a energia elétrica da modesta habitação. E foi recusado qualquer trabalho nas terras da CORA aos Castillo Guajardo. Por fim, a casa foi cercada com arame farpado, de sorte a reduzir a família à exclusiva ocupação da moradia, e impedi-la de usar a meia quadra de chácara na qual tinha uma plantação e criava aves. Essa medida foi expressamente ordenada pela própria CORA.
Qual o crime dessa família modesta, ordeira e operosa? — Não foi um crime só. Foram dois:
1) Ficar firme em sua propriedade, quando o superpotente organismo encarregado de fazer a reforma agrária não queria, no lugar, proprietários autênticos, mas simples usuários, como os há nos “kolkhozes” da Rússia Soviética:
2) Pensar e dizer que entendem a felicidade dos trabalhadores manuais e dos pequenos proprietários de outro modo que não o da DC.
O recorte de “El Diário Ilustrado” não diz, infelizmente, como terminou o caso. Mas o que até aqui ficou narrado é um expressivo pano de amostra do que são a ideologia, o temperamento e o estilo da DC.
E não espanta que o prócer pedecista instalado no Ministério da Educação seja tão fogoso entusiasta de Lenine.
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PDC, grupos do Terceiro Mundo, tudo é uma coisa só. Também os sacerdotes do Terceiro Mundo se pretendem eqüidistantes dos dois grandes blocos, o socialista e o capitalista. Porém, na realidade, trabalham afincadamente pela eliminação da propriedade privada em toda a América Latina. Assim d. Helder, falando à imprensa ao partir recentemente para os Estados Unidos, se manifestou infenso à propriedade privada. Na Argentina, os padres do Terceiro Mundo acabam de publicar um pronunciamento, no qual também se mostram também favoráveis à implantação do coletivismo.
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Como podem estas doutrinas, tão radicalmente contrárias à Igreja, vicejar com o rótulo de cristãs? De quem é a culpa?
O fenômeno é por demais complexo para que a resposta a essa pergunta possa ser dada em algumas frases. Mas vem a propósito citar aqui uma observação do grande De Maistre (Soirées de St. Petersburgo” — La Colombe, Paris, 1960, pág. 33):
“As falsas opiniões assemelham-se à falsa moeda, que é cunhada por grandes culpados, e em seguida utilizada por pessoas honestas, que perpetuam o crime sem saber o que fazem“.
Essa honestidade salobra e pardacenta é a dos inocentes úteis. Dos “idiotas utiles”, diz-se muito mais incisivamente e sobretudo mais adequadamente, em idioma castelhano.