Auditório São Miguel – Sexta-feira, 16 de fevereiro de 1979, Santo do Dia
A D V E R T Ê N C I A
O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.
Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.
As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.
“Vamos ver como deixaram a sua cicatriz no magnífico castelo, as sacolejadas do passado. Porque a vida neste mundo é um “vale de lágrimas”. O que equivale a dizer que o mundo sacoleja continuamente e que nós nos machucamos uns aos outros. Sobretudo para os filhos da luz de encontro aos filhos das trevas. Quando o filho da luz é bobo, o machucado é ele. Quando não é bobo, é o filho das trevas. É muito simples a regra…”
Bem, depois desse sacolejar contemporâneo, nós vamos passear pelas placidezes do passado. A tela já está posta para os slides.
São slides do famoso castelo de Vincennes que devem ser passados agora para os senhores. Me parece que seria mais interessante eu dar alguns dados históricos do castelo antes de serem passados os slides. Depois, então, nós vamos aos slides.
Há uma das modestas obras-primas do espírito francês — porque o espírito francês é tal que tem obras-primas de toda ordem e até no gênero modesto — é este livro que está aqui e que se chama “Le Guide Vert” [de Michelin]. É um guia de Paris. Eu acredito que aqui tenha só uma parte do que há em Paris, não é, Sr. Mário? Ou é Paris inteira, não pode ser?
(Sr. MNC: Esse livrinho é só sobre Paris-Paris, depois há outros que pegam nos arredores de Paris, etc.)
Ah bom, então é isso. Então aqui vem as referências todas a respeito do Castelo de Vincennes, em que eu destaquei aquelas que mais poderiam interessar aos senhores e que não são tão poucas.
Nelas nós vamos ver como deixaram a sua cicatriz no magnífico castelo, as sacolejadas do passado. Porque a vida neste mundo é um vale de lágrimas. O que equivale a dizer que o mundo sacoleja continuamente e que nós nos machucamos uns nos outros. Sobretudo para os filhos da luz, de encontro aos filhos das trevas. Quando o filho da luz é bobo, o machucado é ele. Quando não é bobo, é o filho das trevas. É muito simples a regra dessa luta.
O Castelo de Vincennes é qualificado por esse Guide Vert, que é muito bem escrito, é um primor de resumo, de descrição, de talento, é qualificado por esse Guide Vert de Versailles da Idade Média. Nesse Versailles da Idade Média, infelizmente, uma grande parte não resta. E do Vincennes de hoje, há duas partes inteiramente distintas. Uma é uma parte que o Guide qualifica muito bem, de um altaneiro e de uma altaneira e severa torre, mais bem dito um “fière et sévère Donjon”. Um Donjon, altaneiro e severo. E depois um conjunto — são as expressões do Gide também —, majestoso do século XVII.
O castelo de Vincennes foi começado a construir no século XI e São Luis adornou o castelo com uma “Sainte Chapelle” e várias vezes morou lá. Ele gostava muito de animais, ele era um caçador de primeira ordem, mas ele gostava tanto dos animais que não só ele gostava de os matar, mas também gostava de os ter vivos. E ele fez ali, o que talvez tenha sido o primeiro Parque Florestal da Europa, que era uma larga extensão que era cercada, em que era proibido matar os animais. Ali dentro era proibido caçar, para ele ter a alegria de passear ali, no meio das belezas do bosque, e encontrar os animais sem susto nem nada, se divertir e brincar com eles.
É também em Vincennes, nesse parque de Vincennes, o que se poderia chamar o Parque da Mansidão do Cruzado. Ele, o Cruzado terrível e Altaneiro, e que ali tinha as suas mansidões, era no Parque de Vincennes que se dava um episódio que ficou famoso na história. Havia nesse Parque um carvalho, muitos carvalhos, mas um particularmente frondoso e do agrado do rei. E quando se chegava nas estações belas do ano, se acontecia do rei estar lá, ele mandava transportar uma poltrona para baixo, para junto ao tronco do Carvalho. E ali ele atendia quem quer que quisesse falar com ele. O que era considerado uma manifestação da benignidade do rei para com todos, especialmente para com aqueles que tinham mais difícil acesso a ele, que eram naturalmente as pessoas mais apagadas, mais modestas, que tinham que passar por uma porção de cortesãos que iam descartando os casos sem importância. Ali não, ele estava para ser visto e para tomar contato com ele, para qualquer coisa, para o que desse e viesse, qualquer francês que quisesse vê-lo. Então, o Carvalho de Vincennes ficou sendo um símbolo da mansidão desse rei tão majestoso e tão cheio de glória.
O castelo terminou de ser construído no século XIV, bem depois de São Luis, todo ele em estilo medieval. E era uma beleza de castelo, mas os reis já tinham sido seduzidos pela cidade de Paris e estavam começando a morar, exclusivamente, no centro de Paris, onde sempre moraram durante a Idade Média. Tinha o velho Louvre, o Louvre de São Luis, magnífico, do qual nós temos uma iluminura representando sua estatura geral nas “Très Riches Heures du Duc de Berry“. Eles foram cada vez mais morando no Louvre, e foram deixando Vincennes. Vincennes, portanto, era pouco habitada e, no século XVI, Ana d’Áustria, regente da França, entre mil outros cargos que deu ao cúpido Cardeal Mazzarino, que era seu primeiro-ministro, homem extraordinariamente capaz e que desenvolveu muito, em detrimento do feudalismo, o absolutismo real, entre outros cargos, o cargo de governador do Castelo de Vincennes.
E ele, então, teve o mau gosto de mexer em Vincennes, mas esse mau gosto ele o teve com bom gosto. Quer dizer, introduziu no conjunto dessa massa arquitetônica medieval, famosa, duas construções do tempo dele. Essas construções eram o Pavilhão do Rei e o Pavilhão da Rainha. Luís XIV moço, depois de casado com Maria Teresa da Áustria, foi passar seus primeiros tempos de vida de casado no Pavilhão do Rei.
De maneira que os senhores estão vendo, ao longo dos séculos, uma espécie de chuva de ouro, de recordações extraordinárias que vai se acumulando lá. Os senhores viram há pouco passar São Luís à procura dos humildes e dos animais para acariciar uns e outros.
Os senhores, imaginem agora Luís XIV, chegando, precedido e seguido de mosqueteiros, a Vincennes numa carruagem magnífica, trazendo consigo a jovem rainha, a carruagem para, ele desce, estende a mão à rainha, que se apoia na mão dele levemente para descer; os cortesãos estão ali para os receber, as tropas prestam armas, algum sino toca, é o jovem monarca que começa a sua vida de casado naquele castelo. Os Srs. estão vendo que é Luís XIV ainda na sua ascensão e no tempo em que ele era um monarca de vida muito pura. Mais tarde ele se perdeu, mas ele era um monarca de vida pura.
Depois de Luís XIV ter morado lá os reis deixaram de morar ali. E o Donjon de Vincennes, cuja estatura impressionante os senhores vão contemplar provavelmente daqui a pouco, é transformado em prisão de Estado. E vem aí a lista dos prisioneiros ilustres que presos, estiveram lá. Entre outros, um é muito conhecido dos senhores por causa do quadro que figura na sala do MNF [da sede] da Rua Traipu, é o príncipe de Condé, aquele que na batalha de Rocroi jogou seu bastão de marechal no meio das tropas espanholas e disse “Agora vamos pegar” e com esse artifício determinou o curso para ele vitorioso da batalha que estava indecisa.
Os senhores estão vendo ainda, mais uma vez, a história se acumular aí. E o que é a vida da Europa? Quantas coisas vão acumulando seu passado nas paredes veneráveis dos prédios que duraram séculos. Esse edifício, esse Donjon de Vincennes, tem 52 metros de altura. Para os senhores calcularem assim, o que é que isso representa um pouco — eu li isso no meu apartamento, de maneira que comparei com a altura do meu prédio de apartamentos, que é um prédio baixo—, pelos cálculos, daria mais ou menos três vezes [a altura] do meu [prédio de] apartamentos. Não sei como é que eu fiz esse cálculo. Foi o Sr. Fernando Antunes que fez esse cálculo para mim, não me lembro bem, estou achando o cálculo um pouco inseguro agora. Mas enfim, era esse o cálculo a que nós chegamos na hora.
O Castelo de Vincennes conheceu um outro episódio famoso, mas de uma natureza completamente diferente. O Guide não diz por que dois operários da fábrica de porcelana que havia em Chantilly, que era o feudo dos Condées, foram presos num desses andares do Castelo de Vincennes. Os operários então disseram o seguinte: “Nós aprendemos em Chantilly a fabricar porcelana”, que era naquele tempo um segredo caríssimo que os missionários jesuítas tinham mandado comunicar à Europa, porque quando os ocidentais chegaram à China, encontraram a porcelana. Os senhores sabem que a porcelana chinesa é mundialmente famosa. Naturalmente eles se encantaram com aquela porcelana e começaram a mandar, compravam e mandavam peças de porcelana nos navios pelos amigos da Companhia de Jesus e para serem vendidos na Europa, para fazer dinheiro, para manter as missões etc.
E a porcelana interessou enormemente à Europa. Mas o pessoal não sabia fabricar. Até que um jesuíta, particularmente dotado do dom de sagacidade, de que Santo Inácio foi o padrão e o modelo perfeito, conseguiu saber de um chinês como é que se preparava a porcelana. Então, ele escreveu a fórmula e mandou para a Europa, com todas as indicações de qual era o tipo de terra que era necessário e como se preparava a terra etc. E na Europa então, em Chantilly começaram a fabricar as porcelanas. Mas saber fabricar porcelanas era um segredo. E esses operários então disseram: “Se vocês querem entrar numa combinação conosco, mandem vir tal terra e nós fazemos, fabricamos aqui porcelanas e ensinamos o segredo para o rei”. Então, o rei foi consultado, concordou. E eles começaram a fazer, então, porcelanas no salão imenso da torre onde estavam presos. E porcelanas lindas que começaram a escoar.
Como aqui a narração é muito resumida, não conta o que sucedeu, como é que eles saíram. Mas o fato é o seguinte: eles, saindo da torre, fundaram uma das duas fábricas de porcelana mais famosas da França e, portanto, das mais célebres do mundo também, a Porcelana de Sèvres, justamente famosa. Nasceu, portanto, numa das torres desse altaneiro Donjon, onde tinham morado os reis, aonde Condé tinha tempesteado contra as grades e aonde dois artistas ou dois artesãos ensinaram e traíram o segredo da porcelana, que foi se espalhando. O livro conta aqui que era tal o gosto de flores de porcelana que havia naquele tempo, que os operários eram convidados a fazer coberturas de mesa que eram verdadeiras florestas de porcelana — naturalmente muito bem pagos, os Srs. estão vendo —, e que tudo isso começou a se fabricar ali por esses homens, como roubo do segredo de Chantilly.
Bem, correm as páginas da história e um crime famoso se comete no castelo de Vincennes. E Marx [?] deixa mais uma vez a sua marca no castelo. Para os senhores verem, eu queria dar com os senhores aqui, um aperçu do que é a Europa, do que é a Europa não vista pelo turista comum. Quer dizer, os tesouros que [nela] se contêm. Eu creio que todos os senhores que estão aqui já ouviram falar da execução do Duque d’Enghien [Louis Antoine de Bourbon, Duc d’Enghien], por Napoleão, de maneira que eu me dispenso de narrar um fato muito conhecido. Simplesmente me limito a dizer que o príncipe, um dos cavalheiros mais brilhantes de seu tempo e o último da raça de Condé, era um homem-chave para os planos, pelo seguinte: todo mundo percebia, e talvez o próprio Napoleão, que o império dele não podia durar muito, e que a dinastia dele, toda feita de usurpações e ilegitimidades, também não podia durar muito. E que mais cedo ou mais tarde, pela lei pendular da história, depois da França ter chegado até uma república, o pêndulo deveria oscilar e chegar, se não inteiramente ao ponto de partida que fora a monarquia absoluta e de direito divino do Ancien Régime, ao menos a uma monarquia temperada com a mesma dinastia.
Acontecia que, do lado dos Bourbons, as possibilidades de se perpetuar a raça não eram muito grandes, porque Luís XVIII, o eventual sucessor de Napoleão, era casado, mas viúvo, não tinha filhos e já era um homem velho. Usava nesse tempo o título de Luís XVIII no exílio. O irmão dele, que lhe sucedeu, Carlos X, fora casado, tivera um filho, e deste filho poderia provir uma descendência, mas mais nada, porque ele também já era viúvo e já era sexagenário, não era provável que ele tivesse outros filhos. De maneira que, assassinado esse filho, eventualmente esse filho de Carlos X, o trono tinha que cair para quem? Para o Duque de Orleans, filho do regicida Filipe Égalité (Philippe Égalité), que era ele mesmo um liberal dos quatro costados. Evidentemente, a passagem do trono para este rei indignaria os monarquistas franceses, que tinham a pior recordação do pai dele. Então, provavelmente ele não subiria. E subiria ao trono o Duque de Enghien, que era do último ramo, que era o último príncipe do último ramo da família de Bourbon.
Esse homem brilhante, que lutava exatamente contra a Revolução, na chamada Armée des Princes (L’armée des émigrés), foi capturado durante a noite pelas tropas de Napoleão, levado para o castelo de Vincennes e executado durante a noite barbaramente, depois de um simulacro de julgamento, num fosso aberto junto à muralha do Palácio de Vincennes. Esse crime impressionou enormemente todos os europeus daquele tempo. Foi uma coisa tremenda esse crime. Então, ali, o lugar onde o Duque de Enghien foi executado foi marcado e há uma coluna comemorativa do lugar do crime, precisamente onde ele se deu.
De maneira que, entre outras coisas, já o século XIX deixou ali mais uma recordação famosa. Famosa e impregnada de traços de romantismo, porque o Duque de Enghien era secretamente casado com uma princesa da casa de Rohan. Por razões que eu nunca vi quais eram, os pais dele se opunham esse casamento. E ele então fez o casamento às ocultas. Mas quando ele morreu, revelaram-se os documentos. E ficou a inconsolável princesa, Duquesa de Enghien, restando e chorando suas lágrimas. E uma viúva jovem chorando as lágrimas por um príncipe de conto de fadas executado numa noite de tragédia, num fosso, por um ogre, é o material para o século XIX romântico, fazer toda espécie de choradeiras que os Srs. podem imaginar. Então, esse lugar, na história do pranto romântico universal, marca de um modo muito especial.
É também desse tempo uma outra figura que marca a história do Castelo de Vincennes. Quando os senhores pensam que está tudo acabado, ainda tem mais, porque as coisas não acabam mais. E é um tal general Daumesnil. Esse Daumesnil era um soldado de Napoleão, um oficial de Napoleão que, durante a batalha famosa de Wagram, levou um tiro na perna e o tiro levou embora a perna. E ele ficou manco, ficou amputado. E então usava uma perna de pau. Então chamavam no Daumesnil ‘Jambe de Bois’, Daumesnil ‘perna de pau’. E para dar a Daumesnil um emprego que ele, na perspectiva Napoleônica, merecia, porque era um mutilado de guerra, um homem corajoso etc. etc., Napoleão deu a ele o emprego de governador do Castelo de Vincennes.
Estavam as coisas nessa posição, quando os exércitos inimigos de Napoleão, invadiram a França e cercaram, entre outros, o castelo, que era uma fortaleza, obrigando, intimando a Daumesnil a entregar-se. Daumesnil deu a seguinte resposta: “Eu lhes entregarei o meu castelo no dia que o senhor me restituir a minha perna”. É brincadeira baixa de nível, um pouco ‘caserneira’ de um homem valente. Por que equivalia dizer: “Eu vou resistir até o sangue”. O pessoal não investiu e retirou-se. Houve uma série de batalhas etc., os estrangeiros voltaram de novo, cercaram-no e ele declarou que não se entregava e disse: “Façam uma coisa simples, metam uma bomba de encontro à torre onde eu estou, que ela voa pelos ares e leva vocês todos juntos também. E lá pelo ar nós nos encontramos.” Não meteram a bomba e o rei Luis XVIII voltou ao trono e Daumesnil levou seis meses para entregar a torre a Luis XVIII. No fim disse que afinal, sendo para entregar a franceses, ele entregava e saía. Mas estão objeto de cançoneta popular, de música, de monumento, de não sei o que, e é mais uma figura de muito colorido que passa pela história do Castelo de Vincennes.
Naturalmente, à medida que vai chegando a nossa época, a coisa vai ficando mais sem graça. É bem evidente, nas épocas sem graça, aparecem os homens sem graça. Ou é o contrário, é porque os homens sem graça apareceram que a época é sem graça. E por causa disso, talvez, com este senso das coisas que tem os franceses, o acumulador desses dados, dessas notas, termina com um caso que é do tempo da Fronda, do tempo do século XVI, portanto, e que é um outro caso que foi famoso na história de Vincennes e que é a fuga do famoso Duque de Beaufort (Francisco de Bourbon, Duque de Beaufort).
Esse Duque de Beaufort era um contraparente, um parente ilegítimo da casa real francesa, que estava em luta contra o rei e o rei mandou prendê-lo. Então, ele resolveu fugir. E a família dele, do lado de fora da torre, entrou em combinação com um soldado que de vez em quando ia passear com o Duque no alto da muralha por causa do bem-estar da saúde do Duque; ele estava preso, mas passeava. Todos os dias, a uma hora certa, um funcionário do castelo mais o soldado abriam a prisão, a sala em que estava preso o Duque, e passeavam com ele no alto da muralha e depois o reintroduziam. E como esse soldado estava combinado, ele deixou acumulado num certo ponto uma série de cordas. E quando chegaram perto dessas cordas, ele e o Duque fizeram um sinal, o soldado pulou em cima do funcionário, meteu um pano na boca do funcionário para não poder gritar. Ele e o Duque, que era um homem corpulento, amarraram o funcionário e depois jogaram a corda para baixo para os dois deslizarem e fugirem. O soldado, muito bem pago, naturalmente, com uma quantia régia. E era plano dos dois saírem correndo. O soldado nunca seria perdoado pelo rei. Mas ia morar no exterior com a bolsa cheia de dinheiro, era mais do que ele podia ganhar a vida inteira. E ele expunha a pele por causa disso.
E aí que se deu o episódio célebre da coisa. Quando os dois escorregam, o soldado pula, o duque vê que a distância entre a ponta da corda e o chão era grande demais, a corda não era tão comprida quanto era necessário, e ele tinha dois caminhos: ou subir e se entregar à prisão — muito pouco interessante, não é? — ou então deixar-se cair com a tentativa de cair de pé e sair correndo. Estavam ali cavalos, — com certeza que não conta, mas é toda técnica de invasão de prisioneiros do tempo era essa –, eles tomavam e iam correndo. Os Srs. podem se imaginar, hein? Cada um se imagine na ponta de uma corda, com os cavalos ali. Depois, o que era a vida de um homem desses? Ele era naturalmente um homem muito rico. Fugindo, ele teria uma vida magnífica, no exterior naturalmente, tinha que fugir. Ou em terras que ele possuía na França, em que ele se revoltava contra o Rei etc.
Ou era isso ou voltar para o cárcere. Ele, então, se deixou cair, mas com tanto infortúnio que ele caiu no fosso do castelo, que ficava a boa distância abaixo do nível do chão. E, muito corpulento, o peso deles era muito grande, a pancada do chão era muito forte, e ele desacordou. Tal era o senso de fidelidade dos homens, naquele tempo, que conseguiram reamarrar o homem em cordas e levaram-no desacordado embora. E mais tarde ele se recompôs e tocou a vida dele. Mas essa evasão ficou uma das evasões mais famosas da história das evasões. E com isso se fecha o ciclo da história do Castelo de Vincennes, ao menos percorrida assim em linhas muito gerais, no Guide Vert.
Bom, eu achei melhor contar isso aos senhores antes de começar a projeção, porque os senhores saberiam dar uma melhor interpretação e mais sentido a tudo quanto vissem do que se eu fosse contando. Depois, vários desses lugares talvez não figurem nas fotografias. [O fotógrafo], se tivesse consultado o Guide Vert, teria fotografado o lugar onde o Duque de Beaufort caiu. Mas acontece que nós brasileiros não fazemos isso. Nem quando é [para] fotografar o lugar, não fazemos isso.
E eu voltei a página para ver um pouquinho o que mais interessava para contar aos senhores e encontrei na lista uma referência ao Parque de Vincennes. Vincennes, o castelo, é cercado por um parque grande e, naturalmente, diria o conselheiro Acácio, é antigo com o castelo. Bem, e eu fui ver quantas coisas um turista pode ver no parque. Coisas então de uma natureza inteiramente diferente. Antes de tudo tem o parque. Então vem contado direitinho [no Guide] qual é a parte antiga e qual é a parte nova do parque. E quais são as árvores, onde é que estão as árvores famosas, mais bonitas, tudo catalogado, os Srs. sabem perfeitamente, e serve para visita-lo. Depois disso ele então vem contando as coisas novas que estão aí no parque.
Em primeiro lugar as curiosidades: um lago chamado Lago dos Mínimos. Agora, por que dos Mínimos? Os Mínimos era o nome que antigamente, antes dos jesuítas, os franciscanos se davam a si próprios. Eram os menores, frades menores, os franciscanos ou Mínimos. Era onde houve um antigo convento que foi completamente arrasado pela Revolução Francesa ou por qualquer coisa assim. E ficou aquela cacarecada ali, que não sabiam mais como recompor. Agora, o golpe inteligente. Em vez de remover, em vez de fazer qualquer outra coisa, põe em cima um bonito lago. E fica dentro, embaixo, a poesia de um convento histórico que está sepultado. Cabeça é cabeça. De maneira que o lago se chama Le Lac des Minimes, o Lago dos Mínimos.
Bem, agora os Srs. vão ver quanta coisa tem além do Lago dos Mínimos. Tem uma escola chamada École du Breuil, de horticultura e técnicas de paisagismo. Só para se aprender a fazer paisagem e cultivar, provavelmente, plantas mais delicadas para jardins. Então, para o esplendor dos jardins da França e do mundo, uma escola especializada. Como seria interessante nós termos uma conferência de um paisagista francês, de École du Breuil, contando-nos como é que se faz uma paisagem. Bem, uma pessoa passando por lá pode perguntar qual é a hora de aula e pode pedir para o assistir uma aula. Os Srs. vejam que interessante.
Depois disso tem um hipódromo para corridas de cavalos, que é um hipódromo de importância mundial, é um dos hipódromos mais importantes da França. No mesmo parque tem um centro universitário experimental e tem um velódromo de Vincennes, que é o ponto de chegada de corridas famosas de ciclismo no mundo, que terminam no Parque de Vincennes. No mesmo parque que é uma lembrança de São Luís, há uma chegada de ciclismo, que aliás o desfigura. Mas para os Srs. verem quanta coisa acumulada no mesmo parque. Bem, há também um lago Daumesnil, em honra daquele general Daumesnil. Depois há, é uma coisa horrorosa, um centro budista, um templo budista, que está sendo construído e cujo término estava previsto para o ano de 1978. Este guia que eu tenho é um pouco anterior a 1978.
Depois tem um Museu das Artes da África e da Oceania. É inenarrável. Depois todas essas coisas contêm tesouros. Tem o Museu dos Transportes, que contém vários veículos, meios de transporte ao longo dos séculos e um Parque Zoológico. Isso é o essencial que tem no Parque de Vincennes. Isto é de tamanho de fazenda. É por aí. Então, os senhores compreendem como uma coisa enorme dessas possa ter todas essas curiosidades e realidades sem se acotovelarem umas nas outras.
Eu tenho a impressão de que isto abre um pouco os horizontes e que areja. Eu acho que nós estamos mais do que no tempo, ainda mais agora que nós estamos na civilização da imagem e não na civilização da palavra, de deixar de narrar ou falar, mas passar a projetar. Porque agora os senhores têm aqui o fato concreto. De maneira que nós vamos agora passar a ver o [castedlo de] Vincennes, “apalpar” Vincennes com os olhos.
Nota: Para mais matérias do Prof. Plinio a respeito da Idade Média, clique aqui.