Por que o Papa São Gregório VII (25/5) foi “o Carlos Magno da Santa Igreja Católica”

Sede de Jasna Gora, 25 de maio de 1985

A D V E R T Ê N C I A

Gravação de conferência do Prof. Plinio com sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor.

Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá Dr. Plinio em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.

 

Ilustração: O Castelo de Canossa, citado longamente nestas palavras, um dos monumentos do patrimônio cultural na Itália (foto Wikipedia, Creative Commons).

Para aprofundar o assunto, vide por exemplo: “Guerreiros da Virgem. A Réplica da Autenticidade – A TFP sem segredos”, PLINIO CORRÊA DE OLIVEIRA, Ed. Vera Cruz, S. Paulo, 1985, Cap. V, tópico 2, pp. 105 a 107.

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Meus caros, depois desta cerimônia, uma das mais belas que já se tenha realizado na TFP, também uma das mais expressivas, porque se realiza no meu querido Êremo de Jasna Gora, na querida Camáldula de Jasna Gora, com a presença e participação de todos eremitas, camaldulenses e incontável número de sócios e cooperadores da TFP; nesta cerimônia há uma grande lição que se desprende para nós e que nós devemos recolher preciosamente, como a pérola inestimável que São Gregório VII nos dá na noite de hoje.

Certamente, foi muito bem lembrado aqui o papel dele ao reivindicar a prioridade das coisas espirituais sobre as temporais, a prioridade do papado sobre o Império, ao impor em palavras magníficas o castigo necessário ao Imperador rebelde que assim contido teve na sua pessoa reprimido e contido durante séculos – séculos que foram séculos de glória – a marcha da R, que como serpente que saía de sua toca, tentava começar a caminhar na História, quando o cajado firme desse pastor lhe quebrou por muitos séculos a cerviz.

Foi tudo isto glória de São Gregório VII. Foi tudo isto glória deste santo que pôde dizer que morria no exílio porque tinha amado a justiça e odiado a iniquidade; que pôde dizer desta forma que ele tinha cumprido inteiramente o seu dever de pastor, dado a magnífico testemunho de si mesmo.

Mas há um aspecto da vida de São Gregório VII que ao mesmo tempo reluz de todos os modos e com todo o brilho, que todo o mundo nota e que eu não vi que ninguém comentasse. Creio que em honra deste grande santo haverá todo propósito em que esse aspecto eu o torne especialmente preciso nessas palavras que encerram tão magnífica comemoração.

Qual é o aspecto?

Nós devemos notar as seguintes características da batalha que ele travou: ele travou uma batalha que foi uma batalha decisiva. Depois da batalha que ele travou, não houve mais luta séria entre o Papado e o Império, entre o Papado e qualquer monarquia, a respeito do princípio que ele levantou. Sobre aplicações colaterais desse princípio, transgressões desse princípio, punidas justamente pela Igreja, ainda houve escaramuças, mas fundamentalmente a batalha estava ganha.

Então o golpe dele foi um golpe certeiro que deu no ponto onde tinha que dar. Em segundo lugar, ele teve que enfrentar o maior potentado da terra, e ele não procurou ladear a questão. Ele não procurou mandar emissários incumbidos de deformar o problema, de atenuar por meio de meias palavras, de inadequadas contemporizações, a questão que ele tinha diante de si. “O imperador se levantou e sustentou tal coisa. Eu, Gregório, sucessor de São Pedro, digo: esta coisa é falsa e o digo ao senhor, oh, imperador! Tu és o maior potentado civil da Terra. Tu te encontras no meu caminho como o homem mais poderoso que a mim podia se opor. Está bem. Eu travo esta batalha contigo! E entesto o meu poder contra o teu, e vamos ver qual é o poder que vale mais: eu te deponho! Deponho e excomungo, escorraço-te da Igreja Católica. Mais ainda, amaldiçoou-te, declaro que tens parte com Satanás, que pertences à grei maldita que Deus expulsa da Sua presença. Vá, saia!”

Quer dizer, contra este potentado ele vibra a punição mais alta, mais funda, mais intransigente que se poderia imaginar. Não tem medo de nada. E se tiver que acontecer qualquer coisa, aconteça. Eu estou aqui para a glória de Deus, para a vida ou para a morte desta minha pobre existência terrena. Mas eu lutarei até fim.

O imperador vai a Canossa. De lá para cá “ir a Canossa” ficou uma impressão consagrada na literatura de bom quilate. Diz-se que “vai a Canossa” a pessoa que, na linguagem corrente, vulgar, banal de hoje em dia, “entrega os pontos”, que não tem mais resistência a fazer, e que se declara derrotada.

O que é Canossa? Canossa é um castelo lá pela Toscana, portanto parte mais bem norte do que centro da Itália, onde a Condessa Matilde, uma fervorosa entusiasta do Papado, uma fervorosa devota do Papado, abrigava o santo contra o qual se sabia que o furor do Imperador ia se desatar.

O Imperador, em pleno inverno, toma trenós e, percorrendo os desertos gélidos da Suíça, particularmente inóspitos nessa época, vai a Canossa e pede perdão. Pede perdão porque não tinha remédio.

Nos últimos dias em que ele permaneceu no poder, até os criados fugiam de sua casa, ele não tinha mais quem o servisse para os serviços domésticos. Não é só dizer que ele não tinha apoio político. Ele não tinha quem lhe preparasse o banho! Por quê? Porque ele era o homem maldito, sobre o qual caíra a excomunhão do representante de Cristo na Terra, do sucessor de São Pedro. E por isso ninguém queria nada com ele.

Henrique IV se apresenta e pede perdão. Fato sem precedentes na história: um Imperador humilhado a este ponto, por uma mera palavra de um Papa. É o mais alto potentado da Terra. O Papa pronuncia contra ele uma fórmula,  ele cai no chão. Era o caso de dizer: “sed tantum dic verbum”, dizei uma só palavra e a Igreja estará salva deste inimigo! Ele disse a palavra e a Igreja ficou libertada.

Ele atravessa as vastidões perigosas da Suíça durante o inverno naquele tempo, e andando um trenó, andando um grupo de trenós com alguns camareiros, etc., podia a qualquer momento aquela porção de neve cair pelo abismo abaixo e eles ficariam sepultados… com a excomunhão! Na neve o corpo, no fogo a alma para todo o sempre.

Vai, e informam São Gregório VII, no castelo da Condessa Mathilde, informam a São Gregório VII que o imperador estava ali. Um homem mais fraco, um homem, digamos tudo, não é só um homem que não fosse santo não. Mas um santo não marcado por uma graça especialíssima, talvez tivesse pensado em acolher de imediato. Mas estava ali o homem de quem a vocação era dar o exemplo do que é o gládio da Igreja, e fazer amar de um modo todo especial essa integridade de alma pela qual a Igreja não cede. Ele manda fechar as portas do castelo. Diz: excomungado aqui não entra.

Mas o que pode fazer ele? Ele está do lado de fora do castelo, ajoelhado no gelo e pedindo perdão… Que fique!

Nesse gesto tão duro e tão admirável os Srs. notam a mão da igreja. Ele poderia ter dito “que vá embora”. Fique… Na ponta do gesto floresce uma vaga esperança de perdão. Mas antes a penitência, antes a humilhação. Durante três dias e três noites ele sofreu essa humilhação.

E a história nos conta que ao cabo disso São Gregório VII ainda não queria abrir para ele o castelo. Foram os circunstantes que pediram para ele com muita instância, muita instância. Talvez ele tenha sentido alguma pressão política, e ele tenha notado que não podia resistir mais, sob pena de passar as cartas para o adversário. Não sei. O fato é que então ele admitiu Henrique IV.

E aí então, depois do Imperador ter pedido perdão com toda humildade, ele perdoou o imperador, reconciliou o imperador e permitiu que o imperador fosse embora. Estava quebrado o cetro que satanás tinha levantado contra ele. E ele tinha tido uma grande vitória.

Qual é a lição que vai nisso? A lição é de ser rijo, de ser firme, de ir até o fim dos princípios, ir até as últimas conseqüências, enfrentar qualquer adversário seja como for, de viseira erguida. Não se contentar com meios termos, nem com palavra vazias, nem como esperanças vãs, mas ao pé da letra exigir que se quebre o poder que se levantou, que se anule o risco que se constituiu e só aí então ter misericórdia. Porque a misericórdia é admirável coisa… ela é admirável enquanto chama para o arrependimento o pecador que está empedernido. Ela é admirável enquanto perdoa o pecador. Ela não seria admirável e não seria misericórdia se fosse a paz com o pecador que não se arrepende.

É preciso que o pecador peça perdão. Aí, depois dele ter pedido perdão, ele deixou de ser empedernido. Depois de ser empedernido, aí é a vez da misericórdia. Antes disso não.

E, mesmo depois de pedir o perdão, ainda há, ainda há, a penitência a cumprir. É o que nos ensina esse entrecruzamento maravilhoso de justiça e de misericórdia que é o Purgatório. Almas que morreram piedosamente em Jesus Cristo. Morreram rezando. Comparecem diante de Deus… pediram perdão de seus pecados. Entretanto, em número incontável são mandados para o fogo do Purgatório. Por quê? Porque precisa expiar, é preciso pagar de algum modo o mal feito. E a alma que se arrepende tem vontade de pagar esse mal feito. Se ela não pagar esse mal, ela não se sente ela mesma bem.

Assim nós na nossa luta devemos considerar os desígnios da providência que vêm. Quer dizer, nós devemos desejar, nós devemos desejar com toda nossa alma que o adversário da verdadeira Igreja Católica Apostólica Romana em nossos dias, a Revolução gnóstica e igualitária maldita, seja punida, mas seja punida ainda mais do que o imperador Henrique IV foi, porque ela tentou coisa pior. Ela tentou entrar dentro do próprio santuário e transformar o santuário num reduto da Revolução. Ela devastou a Terra inteira. É preciso que a punição seja proporcional, e dela não se acredite em perdão, não se acredite em contrição. A Revolução enquanto Revolução tem que desaparecer!

É a grande lição do grande São Gregório VII.

Em última análise, levar a verdade, o bem e a beleza até suas últimas consequências. Levar a fidelidade à Igreja até suas últimas consequências. São Gregório VII não viveu no tempo de Carlos Magno. Carlos Magno tão bem lembrado aqui, com a recordação de seu gládio, onde estavam escritas as palavras “Defensor dos X Mandamentos”. Que coisa maravilhosa! São Gregório VII foi o Carlos Magno da Igreja Católica! A glória carolíngia de proporções mais angélicas do que humanas, essa glória a Igreja viveu nos dias de São Gregório VII magnificamente.

Nós que queremos a glória da Igreja porque queremos a glória de Deus, nós devemos pedir a São Gregório VII que faça voltar esses dias de glória à Terra. Por meio dele nós devemos nos voltar para Nossa Senhora, e devemos pedir a Nossa Senhora, cuja intercessão é onipotente, que abrevie os dias tremendos em que nós estamos, e que faça com que, com coragem, atravessemos todos os obstáculos que temos diante de nós, e sejamos capazes da grande luta que nos espera.

São Gregório VII disse: Eu odiei a iniquidade e ameaça justiça, por isso eu morro no exílio. Nós devemos dizer: nós odiamos a iniquidade, nós amamos a justiça. Por isso nós vivemos no exílio. Porque isso a nossa vida é um longo exílio. Nós tivemos que nos exilar de tantas coisas, de tantos ambientes, de tantas circunstâncias, nós somos os exilados! É o que nós somos. Mas que belo exílio esse em que um tão belo sentimento fraterno, uma tão bela conformidade de todos os espíritos e de todos os desígnios, no mesmo amor da mesma causa, nos reúne aqui.

São Gregório VII, que morreu no exílio, dê força e coragem aos que devem viver no exílio e mais tarde morrer no exílio também. Para que aqueles que tenham que morrer durante a Bagarre morram com coragem. Os que tenham que viver no Reino de Maria, vivam com coragem, com coragem nessa idéia: o exílio acabou. Mas se ainda hoje eu tivesse que me exilar, eu repetiria o meu passo e me exilaria de novo. Apego eu não tenho nem ao prêmio da minha vitória. Isto é o que esse grande dia a esse grande santo nós devemos pedir.

Para pedi-lo, eu desejo que todos rezemos como encerramento, as orações de Grupo.

“Salve Regina, Mater misericordiae…”

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