Sagrado Coração de Jesus: procurar admirar e adorar Seus atributos mais diversos e harmônicos

Santo do Dia, 14 de abril de 1984, sábado

A D V E R T Ê N C I A

Gravação de conferência do Prof. Plinio com sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor.

Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá Dr. Plinio em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.

 

Quadro na igreja do Gesù, em Roma. Foto de P.R.C. – ABIM (Agência Boa Imprensa)

É uma devoção tão antiga em mim que, eu já contei aos senhores, que antes mesmo de eu saber dizer papai e mamãe, quando me perguntavam aonde está o Sagrado Coração de Jesus, ensinado por minha mãe, eu apontava a imagem d’Ele.

Entretanto eu vos devo confessar que este tema que vós me propusestes nesta noite, muito de improviso, porque eu vim a saber aqui e agora exatamente qual era o tema, este tema me pega sem que eu esteja em condições de dizer aos senhores aquela última palavra final que corresponda ao fundo de minhas indagações.

Quer dizer, eu gostaria de conhecer certas coisas sobre o Sagrado Coração de Jesus; eu gostaria de aprofundar alguns conceitos, conhecer alguns aspectos desta devoção que me parecem necessários, ao menos para o meu feitio de espírito conhecer para eu me dar por quites com o assunto.

Mas estes são os assuntos que ficam para a gruta e para o Cornélio… porque o tempo é tão devorado pelas necessidades da batalha e da Causa, que eu não tenho tido ocasião de tomar conhecimento de um livro que é o livro princeps que há na Sede a respeito do assunto e que é a devoção ao Sagrado Coração de Jesus – no singular – e de Maria, de São João Eudes, que foi o grande Doutor da Igreja e o grande Doutor a respeito desta dupla devoção ao Sagrado Coração de Jesus e ao Imaculado Coração de Maria, que ele via tão unidos que ele os considerava um só e então falava o “Sagrado Coração de Jesus e de Maria”, de tal maneira eram unidos.

Conhecer uma devoção é, sem dúvida nenhuma, debaixo de certo ponto de vista, degustá-la. Degustá-la, para o meu modo de ser, nunca é uma coisa completa enquanto eu não a conhecer até ao fundo. É uma das razões que me empolgaram tanto no livro de São Luís Maria Grignion de Montfort, “Tratado da verdadeira devoção à Santíssima Virgem”, é que ele toma o assunto e vai até onde se pode e se deve ir para ter um conhecimento da questão. Então, vendo a montagem racional da coisa em função da doutrina católica, eu compreendo; e compreendo bem, como eu gosto de compreender; e compreendendo assim, fico muito mais eu mesmo, me sinto muito mais em casa para amar.

Há uma pergunta preliminar que eu não saberia responder e amigo de dizer as coisas como são, eu prefiro dizer que não sei responder e medir com os senhores a extensão desses esplendores nos quais eu não estive do que de passar por cima e dizer aos senhores alguma coisa apressada que os senhores tenham ideia, que eu sei a fundo, mas não tenham ideia de que o assunto é profundo.

Ora, a primeira coisa que é preciso ter nessas coisas é a ideia de que o assunto é profundo, de que o assunto é profundíssimo, de que o assunto é insondável; porque a mente do homem gosta de ver a insondabilidade das coisas, gosta de ver a força de um raciocínio, gosta de sondar palmo a palmo uma questão e ir até ao fundo dela e agarrar-se nela e agarrá-la a si e dizer: “agora isto eu possuo!” É assim que o homem ama. Isso é que é varonil! Ao menos é assim que eu sei amar.

Não sei ensinar outra forma de amar do que aquele que eu mesmo tenho. Não sou, nem um pouco, amigo destes espíritos cartesianos que pensam que tudo está em compreender e que bem compreendido tudo está visto. Não. É preciso ter o raciocínio da coisa, mas ter o sentimento da coisa também.

Mas, por que fazer a escolha entre o raciocínio e o sentimento? Se Deus fez o homem raciocínio e sentimento, tenhamos ambas as coisas para fazer a vontade de Deus, para sermos nós mesmos. E assim, eu proponho que nós entremos na questão.

* Os aspectos da devoção ao Sagrado Coração que mais me tocam

Eu estou compondo aqui, no momento, o que eu tenho que dizer. Eu tomo os dois elementos, os dois traços que a mim me parecem fundamentais nesse grande e misterioso assunto que é a devoção ao Sagrado Coração de Jesus. E um traço é que o Coração de Jesus – por coração, os antigos entendiam não precisamente o que se entende hoje, mas algo que é ao mesmo tempo mais vasto e em certo sentido diferente.

Hoje o que é que se entende por coração? É quase o símbolo do sentimento desacompanhado da razão. De maneira que o coração da pessoa é tido como tendo vibrado quando a pessoa olhou para algo e aquilo lhe produz uma impressão agradável, de ordem boa e que produz um certo enternecimento. A pessoa se sente levada a uma certa bondade, a uma certa condescendência, desejosa também de receber certa bondade e certa condescendência.

Qual é o homem que não precisa de bondade? Qual é o homem que não precisa de condescendência? E nessa permuta de bondade e de condescendência, estabelecer aquilo que se chama uma amizade, um trato afetivo.

Vamos dizer, diante de uma imagem do Sagrado Coração de Jesus…  –como eu gostei de ver aqui passada a minha querida igreja do Coração de Jesus! Eu gostaria de ter essa coleção de slides em casa para olhar… Gosto… Quero dizer quero!…  –como eu a vi aí e me lembrei de uma porção de emoções que ao longo de minha vida eu tive diante daquela imagem.

Vi a imagem de Nossa Senhora Auxiliadora e me lembrei de várias emoções também, de ordem religiosa, que eu tive diante dessa imagem, mais do que todas as outras, uma certa emoção de um menino que começava a ser penitente. Eu não posso ver aquela imagem sem que aquela troca de vistas, por assim dizer entre a imagem e eu–  por assim dizer, não houve aparição, não houve uma visão, não houve nada, houve uma graça comum, mas que me falou à alma profundissimamente  –   sem que isto me venha ao espírito. São emoções. Mas, diante dessas emoções – eu acho que é ótimo, ótimo e conservo quanto posso, não há nenhuma restrição, nenhuma objeção em mim a isso – mas eu gostaria de compreender, de ir mais a fundo.

Eu estava dizendo, coração se entende um pouco o que eu falei há pouco. O coração é só isso? Para os antigos não era só isso. Eles entendiam o mesmo órgão que nós entendemos: é o órgão que pulsa, que tem aurículos, ventrículos, faz sístoles, diástoles… em razão de cujo funcionamento, uns mais solidamente na sua jovem idade, outros mais precariamente nas idades avançadas, estão vivos.  Mas, de qualquer forma este é o coração.

Para muitos o coração representa o que eu disse há pouco. Para os antigos, representava isto e mais algo. Era, pelo que eu entendi de leituras, era o conjunto das coisas que o homem vê e ama, quer dizer, eram essas coisas e não as coisas consideradas em si. Não é isso. Mas as coisas enquanto estando presentes na mente dele, conhecidas por ele. Enquanto, portanto, se eu pudesse me exprimir assim, em estado de slide na mente deles; aquilo que os homens selecionaram para conservar mais na inteligência, porque lhes falou mais. O conjunto dessas coisas, enquanto possuídas na mente deles e enquanto amadas por eles, e amadas de um amor que não é apenas uma conaturalidade, uma simpatia, mas é um amor racional: elas foram julgadas segundo certa doutrina verdadeira e que é o ponto de referência de tudo, e julgadas conforme. E porque foram julgadas conforme, foram amadas pelo coração.

A sensibilidade é um eco disso; um eco harmonioso, um eco delicado, um eco nobre; é um dom natural ou conforme o caso, natural e sobrenatural de Deus, mas é um dom; neste sentido da palavra dom, é um dom. Bem, o dom é afim. Mas é preciso ter compreendido e ter chegado bem até ao fim para amar inteiramente; compreender até ao fundo para amar inteiramente; compreender até ao fundo para admirar de corpo inteiro, de coração inteiro. E depois, amar até ao fundo. Amar não é admirar? O que é que é amar? O que é que é coração?

Que o coração represente a sensibilidade, compreende-se… porque ele é uma caixa de ressonância da sensibilidade. A sensibilidade sentindo algo, pode repercutir no coração. Eu devo confessar que eu não sinto isso… O meu coração, graças a Deus é tão plácido… que eu não sinto um bater de coração com nada. Mas diz-se que é isto, os médicos dizem e eu acredito. Eu ouço tanta gente falar que teve disparo de coração, que teve sensação; gente que diz alguma coisa e põe a mão no peito, que tem que ser por força, o que a ciência diz…

* Fazendo uma “composição de lugar” do Homem-Deus, vai-se delineando a verdadeira figura de Nosso Senhor Jesus Cristo

Mas esse papel do coração, essa missão do coração, por que é que abrange também o que o homem conhece, enquanto amado por ele, enquanto conhecido e amado por ele? Por quê? Por que é que isto tem um reflexo no coração? O coração representa aí a mentalidade do homem, a mente do homem, que inclui a sua sensibilidade, mas faz mais de que isto: as coisas que ele conheceu e porque estão de acordo com a doutrina da verdade, digamos logo de uma vez – de acordo com a doutrina católica, apostólica, romana – porque estão de acordo com esta doutrina, que ele conheceu pela Fé como verdadeira e que ele amou com soberania sobre todas as outras coisas e como uma linha retrix de todas essas coisas, ele vê e diz: àquilo eu me dou! Porque é conforme à verdade “verdadíssima”, à verdade soberana, à verdade padrão, à verdade retrix segundo à qual todas as verdades são verdades e contra a qual todas as aparências de verdade não são senão erros enganosos: ali está! Os senhores estão vendo um outro modo de amar.

Um modo de amar seria quem conhecesse Nosso Senhor Jesus Cristo, nesta terra, e O visse, portanto, andar, ouvisse falar, conhecesse sua face divina, conhecesse o timbre de sua voz divina… É uma coisa que eu, que não sou muito musical teria, entretanto, uma vontade enorme de conhecer… Uma palavra d’Ele que eu pudesse ouvir… Ele, por exemplo, dizer a Nossa Senhora “Mater!” “Minha Mãe!”… Ouvi-Lo rezar as orações lindíssimas que Ele compunha, de uma majestade, de uma doçura incomparável, como eu gostaria… Mas ouvir, ouvir, ouvir um pouco. Quem dos senhores não gostaria?! Quem dos senhores não daria tudo para isto? Logo de cara, de uma vez, de uma vez.

Imaginem então isto: que O vissem tratar com as pessoas, O vissem olhar, chegar alguém de quem Ele ia ter misericórdia e visse a bondade e a doçura dEle, visse-O açoitar os vendilhões do Templo. Tudo isso junto. Visse-O dar certas respostas.

Uma resposta que Ele deu, é daquelas de cujo efeito mais nós temos uma sensação, uma notícia: é quando perguntaram se Ele era Jesus de Nazaré. Ele respondeu: Ego sum! Como deveria ter sido o aspecto d’Ele para todo o mundo cair com a cara em terra? Eu tenho a impressão que se eu soubesse pintar, eu pintaria 30, 50 quadros com aspectos diferentes da fisionomia d’Ele, que deveriam todos esses aspectos estar juntos, na mesma expressão de rosto, mas que não podendo o talento humano pintar tudo isto junto num mesmo quadro, decomporia em 50 quadros. Cinquenta é um modo de dizer: 53 ou 49, 47… 80… sei  lá quantos quadros, e diria: “o tema é superior a qualquer pincel. Aqui estão os 50 esboços de uma coisa que, provavelmente, foi cem mil!”.

Só esse “Ego sum” como teria sido! Mas também, quando Ele, do alto da Cruz gemendo, disse: – “Mãe, aí está teu filho! Filho, aí está tua Mãe!” Com que fisionomia Ele terá dito isto? Com que fisionomia?

E quando Ele disse ao bom ladrão: – “Hoje, tu estarás comigo no Paraíso!” Como terá sido? Mas, ao lado dessa palavra tão boa e tão reconfortante, que silêncio de gelo em relação ao outro ladrão. E quando alguém é expressivo ao ponto que Nosso Senhor o foi, quando alguém é expressivo assim, eu pergunto: que expressão tem esse silêncio? As pessoas muito expressivas não são só expressivas quando falam; elas têm silêncios que falam. Como seria o silêncio expressivo de Nosso Senhor Jesus Cristo? Alguma coisa dessa expressão de silêncio os senhores podem ter no Santo Sudário de Turim. Coisa incomparável, extraordinária, maravilhosa, o Santo Sudário de Turim! Aquele silêncio…

* Como procuro conhecer o Sagrado Coração de Jesus

Está bem, eu tenho a impressão que se eu tivesse tido a honra, a graça imerecida de presenciar tudo isto, de ver tudo isto, com o empenho que eu tenho em conhecer as psicologias, as mentalidades, eu me teria esquecido das outras psicologias e mentalidades, e teria prestado atenção n´Ele e em Nossa Senhora, um pouco nos Apóstolos, o resto… Pilatos, Herodes, a mundana da Salomé, umas porcarias dessas, é nada! Não existem. Quero conhecer ali, ver…

Como é que eu teria procurado conhecer? Eu teria procurado conhecer exatamente dessa maneira: todas as impressões, todas as sensações que me dessem, eu teria procurado sentir até aonde eu pudesse, mas o tempo inteiro procurando entender, entender, entender… Não por desconfiança, não por controle, não é por isso. Mas é, pelo contrário, num ato de dedicação: aquilo que eu compreendo, de algum modo àquilo eu me dou! Era, portanto, para dar-me, dar-me, dar-me, pertencer cada vez mais, para isto eu quereria entender assim.

Lendo o livro de São João Eudes, muita coisa eu entenderia, eu espero. Eu teria talvez aí ocasião de fazer um Santo do Dia sobre esse livro. Talvez dois, três Santos do Dia sobre esse livro… E ainda restaria muita matéria não dada, que me ficaria acumulada no espírito. Mas as coisas são assim, esse livro está no meu prédio, ou no alojamento embaixo, ou na biblioteca em cima (não sei…). Não tive tempo de o ler até agora, há anos que está comigo. Há anos desejo lê-lo. Mas a dedicação é uma das melhores formas de amor, e se a luta por Ele e por Ela pede que a gente retarde o momento para mais a fundo Os conhecer é isso que a gente deve fazer: a gente deve lutar!

Em todo o caso, tomando por hipótese provável que os antigos entendessem como coração o símbolo da mentalidade, nós poderíamos nos perguntar como era a mentalidade de Nosso Senhor Jesus Cristo. É um tema audacioso, é uma navegação num ar tão alto que… a gente tem medo de navegar lá, mas, de outro lado, este ar atrai: quanto mais alto se voa nele, mais se tem vontade de subir e se tem medo de ter que baixar, de ter que descer. É o contrário da aviação terrena, em que quanto mais se sobe mais se tem medo de subir, e quanto mais se desce mais contente se fica de ter baixado.

O que nos é dado entrever daquilo que seria a mentalidade de Nosso Senhor Jesus Cristo?

É preciso logo dizer debaixo de que ponto de vista é: considerado muito mais na sua humanidade santíssima do que na sua divindade. Porque na sua divindade, o assunto sobe tanto e tanto que não é possível uma pessoa – talvez depois de ter lido o Cornélio vá lá – a pessoa ter uma ideia de como tratar da questão; um leigo pelo menos. Mas alguma coisa a gente pode dizer, pondo como nota tônica das considerações a humanidade santíssima d’Ele que está mais perto de nós– que perto, que perto… hein! um perto com uma distância que vai daqui, se se pudesse dizer assim, de uma ponta à outra do universo. Esse é o perto, porque a perfeição d’Ele não tem comparação com nada, nem ninguém, nesse sentido. Mas, enfim, digamos a mentalidade d’Ele, como é que nós a podemos entrever em alguns de seus aspectos?

* Considerando a Humanidade santíssima de Nosso Senhor Jesus unida hipostaticamente ao Verbo, especialmente no mistério da Agonia do Horto

Nosso Senhor Jesus Cristo, eu O imagino assim: a Fé nos ensina que o Verbo se encarnou e habitou entre nós. E que havia a natureza humana d’Ele, a qual estava ligada por união hipostática à natureza divina; a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade encarnou-Se e desse fato resultou Nosso Senhor Jesus Cristo.

Essa dualidade de naturezas numa só pessoa, levava-O a ter com Deus– considerada a sua humanidade santíssima, Ele tinha com Deus um contato mais íntimo do que tem qualquer um de nós ou que teria o santo mais santo  –   Nossa Senhora na hora de comungar  — eu acho que Nossa Senhora comungou uma só vez: Ela comungou na Santa Ceia e acho que nunca as Sagradas Espécies se deterioraram nEla; se Ela comungou mais de uma vez, para edificação dos fiéis, não era porque desapareceu nEla a presença real; quando Ela comungava, a presença real da partícula anterior cessava e começava a presença real da partícula nova; mas Ela esteve num estado de união eucarística constante, sem faltar um minuto, com Ele, mesmo quando Ela dormia, Ela esteve nessa união com Ele. Está bem, essa união de Nossa Senhora com Ele era menor do que na unidade da Pessoa d’Ele a união da natureza humana com a natureza divina.

Os senhores já podem imaginar que união, portanto, a natureza humana tinha com Ele para formar com Ele uma só Pessoa, para formar com Deus uma só Pessoa, uma simples criatura? Como São Luís tinha razão quando se cantava o Credo e quando chegava a afirmação do Credo: Et Verbum caro factum est et habitavit in nobis, ele se inclinava; e daí vem que, por toda a terra, quando se canta isso todos se inclinam…

Eu sei que os progressistas não gostam disso, até atacam. Para mim, é uma razão a mais para eu gostar! Mas seja como for, é fato, está de pé, esse ponto concreto que Ele tinha uma união, na sua humanidade santíssima, insondável com Deus e incessante, inseparável.

Ele tinha, portanto, como Deus é a própria felicidade– Deus tem em si por excelência… Não é dizer que Deus tem em si todas as qualidades, Deus é todas as qualidades. Os senhores podem imaginar essa natureza humana como era elevada e como ela era elevada ao Céu de um modo extraordinário.

Não sem aspectos misteriosos para nós. Por exemplo, na oração do Horto, parece que a natureza humana d’Ele teve uma como que– como dizer…, como que  treva, uma como que noite escura em relação à natureza divina, de tal maneira que Ele se sentiu abandonado e rezou: – “Meu Pai, se for possível afaste-se de Mim este cálice!” E veio um anjo e lhe deu o cálice da consolação para beber e Ele se reanimou.

E no alto da Cruz, Ele teve uma exclamação que parece lançar uma luz especial sobre o mistério da união ou das relações do convívio entre a natureza humana e a natureza divina d’Ele, quando Ele bradou: – “Meu Pai, Meu Pai, por que Me abandonastes?”

É verdade que esse é o primeiro versículo de um salmo que canta a ressurreição e que Ele recitando o primeiro versículo do salmo, Ele afirmava que ia ressuscitar. Mas havia um brado de abandono ali. Quer dizer, em algum sentido, Ele se sentiu abandonado. Em algum sentido foi tão grande isso que pouco depois Ele disse: Consummatum est e entregou o Seu Espírito, quer dizer, morreu.

Os senhores estão vendo por aí que havia mistérios e havia dores e havia padecimentos nesta natureza humana tão ligada à natureza divina; nesta alma humana tão ligada à alma divina, havia padecimentos. E como há uma certa proporção nesta vida entre os padecimentos e as alegrias, que tremendos padecimentos devem ter sido, uma vez que devem ter sido tão extraordinárias as alegrias!

Os senhores podem imaginar uma alma unida a Deus, formando com Deus uma só Pessoa: a alegria, a alegria, a alegria que isso deveria dar! Nenhum anjo do Céu tem essa alegria, nenhum anjo. Essa Ele tinha, Ele tem no Céu. Mas, de outro lado, se há uma proporção com as dores, que dores e que dores e que dores Ele deveria sofrer!

Dos vários traços de dor que Ele deveria sofrer, eu creio que a mais dolorida era a dor do inexplicável. Poucas coisas fazem sofrer tanto o homem do que quando a sua dor é inexplicável. Quando ele tem explicação para a sua dor, ele sofre: “está bom, é por causa disto, é por causa daquilo… Vá lá…” Mas quando a dor é inexplicável e cai sobre ele como uma coisa que ele não entende–  não é que ele queira arguira Deus, queira tomar contas de Deus. Não, não é isso.  Mas do não entender, lhe vem o medo de que aquilo seja castigo por alguma culpa, lhe vem o medo de aquilo seja uma coisa fora dos desígnios… Ele não podia ter culpa, Ele sabia disso. Mas que misteriosos sofrimentos Ele teve naquela ocasião, nós não o sabemos.

Nós só sabemos uma coisa: é que os sofrimentos mais pasmosos que jamais um ser tenha padecido, segundo a história nos consta, sofreu Ele. Esses sofrimentos de alma eram tão extraordinários que poriam qualquer homem com a saúde arrasada e dentro de poucas horas: enfartes, derrame cerebral,… e tudo o que os senhores possam imaginar… Em poucas horas. Ele aguentou até o fim e Seu último ato foi um ato de lucidez: Consummatum est!

* A integridade absoluta do Varão das Dores correlacionada com a beleza do conjunto da obra da criação

Quando Deus criou o universo, Ele, depois, viu o universo em seu conjunto e considerou que cada coisa era bela, boa e verdadeira, mas que o conjunto era mais belo que cada uma das coisas isoladas. A gente tem a impressão de que Nosso Senhor Jesus Cristo quando morreu, considerou tudo o que sofreu e viu que tinha sofrido tudo o que tinha que sofrer e que era uma beleza, uma torrente de sangue e de dores, como nenhum oceano poderia conter. A última gota de sangue estava derramada, a última dor estava sofrida, a dor mais cruel, mais inexplicável, a dor mais pungente estava sofrida. Estava tudo pronto.

Ele contemplou a formosura deste horror e disse: está tudo oferecido pela redenção do gênero humano: Consummatum est! Eu sofri tudo o que tinha que sofrer, Eu sofri tudo o que se pode sofrer, Eu sofri de maneira à minha tarefa redentora estar inteiramente pronta: consummatum est, quer dizer, só me falta o último lance, é a separação da alma do corpo. Depois disso Eu cesso de sofrer. Mas o último lance eu ainda tenho, Eu me dou a isto: morrerei! Pam! Morreu… É uma coisa maravilhosa!

Com que sensibilidade, mas com que compreensão profunda de sua missão, com que força e com que continuidade Ele sofreu aquilo tudo! É uma coisa que não se pode medir suficientemente.

Ora, a gente deve imaginar a este Homem-Deus com todas essas forças e grandezas implícitas na alma, imaginá-Lo assim, vivendo os vários aspectos de sua vida terrena. Então, interpretar a sua vida terrena como sendo vivida por uma pessoa que vivia assim. Então, por exemplo, quando Ele acariciou as crianças que vieram falar com Ele e disse: “deixai vir a mim os pequeninos, porque deles é o reino do Céu”.

Os senhores estão vendo, para a enjolrada do tempo d’Ele, o afeto, a bondade, a doçura… Não há homem de qualquer idade que vendo-O dizer: “deixai vir a mim os pequeninos”, não diz: “bem, então também há um lugarzinho para mim, por menos que eu seja um pequenino, porque em comparação com Ele todo o mundo é pequenino. Eu vou me aproximar”. Que doçura nessas palavras!

Essa doçura era de Nosso Senhor Jesus Cristo, tão forte. No sentido mais sublime da palavra, tão decidido! Resolveu sofrer, sofreu até ao fim e até ao ápice tudo e de bom grado, sem excluir nada. Tão terrível e tão misericordioso. A ponto que Ele pega o bom ladrão e é a primeira canonização que há na Igreja Católica: – “Tu hoje estarás comigo no Paraíso!”

Os senhores podem imaginar como o bom ladrão se sentiu reconfortado com essa promessa? Como ele se sentiu animado? Não sei… fica-se com inveja do bom ladrão. Se cada um de nós, na ocasião da morte, puder ouvir estas palavras “tu hoje estarás comigo no Paraíso” a gente tem a impressão que se levantaria da cama para glorificar a Deus e dizer: “Bom, mas então, meu Senhor o que esperais? Vamos! Vamos!” É natural! É natural.

Mas como pode uma alma humana compor esses quadros juntos, de maneira que quando vê Nosso Senhor expulsando os vendilhões do Templo pensa nEle acariciando uma criancinha, pensa nEle contando a parábola do bom samaritano, pensa nEle quando, com uma bondade indizível, Ele curava este, curava aquele, curava aquele outro, e assim ia espargindo em torno de si a alegria, a consolação, a tranquilidade, a saúde; quando Ele encantava os Apóstolos, que a gente percebia que ficavam enlevadíssimos com Ele a ponto de não saberem o que dizer.

Como conjugar essas duas visões juntas: Ele tão forte, tão incomparável e tão único? Era preciso lembrar-se d’Ele no Santo Sudário, aí se compreende, no sentido mais nobre da palavra: o atleta de Deus, o herói de Deus! Siegfried, Lohengrin, toda a espécie de palhaços dessa ordem inventados por Wagner; os grandes homens da mitologia antiga, isso não é nada, é quinquilharia em comparação com o varão do Santo Sudário! Uma coisa evidente.

* A transição dos vários estados de espírito em Nosso Senhor Jesus Cristo

Como a gente podia imaginar no Menino Jesus apenas nascido em Belém e que abre os braços para Nossa Senhora e sorri? Mas já abre os braços em forma de cruz, anunciando que Ele nasceu para ser crucificado. Como a gente poderia imaginar que essa criança que contém todas as canduras e todas as inocências imagináveis e excogitáveis e muito mais do que isso, que nEle estava o herói que iria sofrer de maneira a impressionar os homens até ao fim do mundo?

Nele todas essas perfeições se ajustavam de maneira à gente não poder compreender. Ele é muito maior do que o campo de nossa visão. Ele é uma maravilha que nós ou O consideramos por partes ou nós não conseguimos considerar.

Cada um adora Nosso Senhor como foi chamado para adorar.  Como eu sou obrigado a falar, eu sou obrigado a dizer o que me vai na alma. É meu modo de ser, não é necessariamente o modo de ser de outros, cada um Deus o criou como ele é: é meu modo de ser que eu nunca me contentaria de adorar só um desses aspectos sem procurar reuni-lo a todos os outros e, ao menos muito sumariamente, fazer a ideia de como seria o conjunto.

Eu tenho a impressão de que se eu O conhecesse nesta vida terrena, uma das coisas que eu mais gostaria era de admirar e de adorar as transições do estado de espírito d’Ele: como Ele passava de uma disposição para outra, por onde eu pudesse compreender como é que uma disposição se encaixava na outra. E nesta transição adorar a harmonia desses estados de espírito tão diversos. Me parece que aí o meu desejo das correlações, das reversibilidades e das harmonias, das ordenações em tudo, encontraria algo que a saciasse.

* O papel da pintura, da fotografia e o conceito de verdadeira arte

Eu toda vida tive –  eu digo isto, porque eu suponho que são questões que mais ou menos passam pelo espírito de todo o mundo; nunca conversei sobre isso com ninguém, mas subconscientemente, desapercebidamente creio que passam, em outros advertidamente passam… depende aí de cada um…  – mas eu me lembro que na igreja do Coração de Jesus há exatamente no teto um quadro que, como pintura, é uma pintura boa, tipo século XIX… a pintura do século XIX tinha um lado fraco que depois se exprimiu no cinema… Uma coisa incrível!

Não houve cinema durante quase todo o século XIX. Mas o homem do século XIX, nas últimas décadas, tinha a tendência a representar as coisas exatamente como são praticamente. E isso não é a verdadeira arte. A verdadeira arte é, não apresentar uma coisa como ela aparece aos olhos, mas é apresentar uma coisa como ela aparece aos olhos, dando a entender, deixando ver algo que não aparece bem aos olhos e que só o verdadeiro observador pega.

Aí é que… porque senão é a fotografia policial de 3 x 4 em que aparecem as duas pontas de orelha e em que o criminoso fica olhando para a câmara – a fotografia é uma obra de arte perfeita, então, porque pegou o homem 3 x 4…  A pintura, vamos dizer que a gente está conversando com alguém e nota uma expressão de fisionomia que nunca, nem a fotografia pegará. Ou se o homem é um bom fotografo, ele tira do outro um instantâneo sem que o outro perceba: é algo tão passageiro que a natureza reflete apenas de passagem – piuum! e fotografa. Aqui está o que eu queria fotografar dele… aquilo!

As transições dos estados de alma não apresenta. Então, os senhores tomam esses quadros habituais de Nosso Senhor, muito respeitáveis e muito veneráveis, satisfazem muito a piedade. Mas, em geral, eles fixam o espírito do homem num estado, que é o estado de Nosso Senhor que eles quiseram apresentar no momento. E com o Sagrado Coração de Jesus, eles fixam sempre, e a justo título muito bem, muito fundadamente, a sua misericórdia infinita. Mas a sua misericórdia infinita era uma de suas perfeições. Não podemos sustentar que Ele não tinha outras perfeições, uma vez que Ele tinha todas as perfeições.

* Analisando o Coração que é o “abismo de todas as virtudes”

A ladainha do Coração de Jesus aprovada pela Santa Sé tem uma invocação assim: “Coração de Jesus abismo de todas as virtudes”. Quer dizer, é uma profundidade de virtudes que para o espírito humano é como se fosse um abismo. Nós poderíamos chamar Céu de todas as virtudes – uma vez que o Céu é um abismo que está por cima de nós. Nós estamos no fundo desse abismo: nós poderíamos chamar Céu de todas as virtudes.

Então, em geral O pintam na sua misericórdia. Como é bom, como é ótimo, como me tem feito bem ao longo de minha vida! Mas eu gostaria que outros quadros O pintassem em outros estados de espírito, por exemplo, Ele meditando. O olhar absorvido, enlevado e contemplativo d’Ele, sozinho no deserto, durante aqueles 40 dias de jejum que Ele fez.

Gostaria de imaginá-Lo junto de uma pedra, um deserto árido ou com uma vegetaçãozinha ordinária e muito rasteira, que era o contrário da sublimidade da cena, ou com uma bonita areia que se estendia ao longe, e Ele sozinho junto a uma pedra; no fundo um pôr-de-sol em brasa e o perfil d’Ele se recortando sobre aquele pôr-de-sol. Ele meditando e orando. Portanto, a sua natureza humana, por assim dizer, fazendo filosofia e teologia. Como é que seria a expressão d’Ele nessas ocasiões?

* Como Nosso Senhor acariciava a Nossa Senhora?

Quando Ele agradava a Nossa Senhora e olhava para Ela… se Ele já se tinha deleitado na contemplação do universo, quanto mais se deleitaria na contemplação daquilo que é mais do que todo o universo, que é Nossa Senhora! E Ele na sua humanidade e na sua divindade juntas, olhando para dentro dos olhos de Nossa Senhora. Ela enlevadíssima com Ele; Ela num êxtase místico altíssimo e Ele (enquanto Deus) pensando: “a minha obra prima!”; enquanto filho e homem pensando: “Minha Mãe! Que perfeição!” Como seria isto?

O que um de nós daria para estar do lado de fora da porta e olhar pelo buraco da fechadura? Podiam nos oferecer como compensação, dar qualquer sacrifício depois… pode ser, não tem importância… morrer depois, não tem nada! Ter visto essa cena e morrer… Eu vivi! Eu vivi! Para que viver mais? Pergunto: haverá ânimo para viver, depois de ter visto isto?

Alguém me dirá: olhe que bonito! Eu tenho vontade de dizer – você não sabe o que é bonito! Você não viu o que eu vi. Do que é que adianta ver o mar? Olhe que eu gosto tanto do mar. Mas depois de ver Maria, o que é ver o mar?

Por exemplo na igreja do Sagrado Coração de Jesus tem aquele quadro: está Ele aparecendo a Santa Margarida Maria. O oratório em que estão, o oratório do convento dela, está todo iluminado, tenho a impressão que há, por detrás, um altar com um sacrário, e Ele fala a ela numa expressão de muita bondade, de muito comprazimento, de muita misericórdia. E ela muito enlevada naturalmente com a cena. Estava tudo perfeito.

Mas, na realidade, a cena muito boa, ainda completada com estas palavras tocantes do Coração de Jesus, Ele aponta o seu próprio coração e diz a ela: “Eis aqui o coração que tanto amou os homens e por eles foi tão pouco amado!” Os senhores compreendem que é de cortar o coração! Que um coração assim tenha amado tanto e tenha sido tão pouco amado, a gente não sabe o que dizer, mas não sabe o que dizer.

Entretanto, nós fomos amados por Ele muito mais do que nós amamos a Ele. Isso seria de qualquer modo, porque Ele é tão maior do que nós, que um ato de amor d’Ele deixa os nossos pobres amores não sei em que estado… Mas nós não amamos até onde podemos, e era o que nós deveríamos fazer. E como é que é?

Isso Ele diz com misericórdia, Ele diz com bondade. Está ótimo, mas eu gostaria de perceber ali todos os outros estados de espírito, eu gostaria de perceber esta correlação e de, por assim dizer, pela admiração, pela adoração – que é a palavra adequada quando se trata d’Ele, pela adesão – a adoração já é isto,–  de algum modo tentar viver isso em mim, de algum modo… enfurecer-me como Ele, enternecer-me como Ele, adorar como Ele, resistir como Ele, sofrer como Ele! Por que não? Isto nós gostaríamos todos de fazer. Mas como seria mais fácil se nós pudéssemos ver a Ele.

* Se pudéssemos fazer uma coleção dos timbres de voz do Divino Mestre!…

Eu estou falando dos timbres de voz… se nós pudéssemos fazer uma coleção dos timbres de voz d’Ele ensinando como mestre. Se alguém foi mestre é Ele: é o Divino Mestre! Então explicando com clareza, com sabedoria, com profundidade, horizontes extraordinários etc., etc. com uma simplicidade de desconcertar.

O ensino d’Ele é tão simples, mas é tão profundo. Santo Agostinho dizia que o ensinamento d’Ele era como um rio no qual um elefante se afogaria e um cordeiro passaria sem molhar senão os pés. É extraordinário! É bem isso.

Como nós gostaríamos de tudo isto poder ver, por exemplo, não mais fazendo um elenco dos vários timbres de voz sucessivos d’Ele…  –e aí estou eu, sem querer fazendo ambientes, costumes e civilizações… mas cada um dá o que tem  –  mas dos sucessivos olhares d’Ele.

Para não falar senão em dois olhares – o olhar d’Ele a São Pedro, que converteu São Pedro, que fez São Pedro chorar a vida inteira; e o olhar d’Ele a Nossa Senhora.

Escolham o momento. Talvez o momento em que foi o último olhar da vida, Ele foi e olhou para Ela com certeza. Antes de sair da terra, Ele olhou para Ela; Ela olhou para Ele e trocaram um olhar em que o carinho e a adoração da parte d’Ela; o amor indizível, o apreço extraordinário e o carinho da parte d’Ele em que se separaram – a morte ia separá-los por 3 dias. Para Ela, 3 eternidades…

Como seria a história de todos os esses olhares? E como seria o olhar d’Ele expulsando os vendilhões do Templo? E como seria o olhar enojado d’Ele para Pilatos, com toda a covardia de Pilatos? E o olhar de repreensão aguda e severa olhando para Anás e Caifás?

Tudo isso era um reflexo do Coração d’Ele, tudo isso refletiu no Coração d’Ele: o Coração d’Ele pulsou ora com mais intensidade, ora com menos intensidade; o Coração d’Ele pulsou ao longo de todos esses acontecimentos… E por isso é belo pensar: a mente d’Ele e o Coração, numa união, como é que viveram todos esses acontecimentos da vida terrena d’Ele. E até ao fim do mundo haverá gente que adorará esses vários aspectos d’Ele, e que viverá da consideração de todos esses aspectos dEle.

* A vontade infinita de Nosso Senhor em salvar os homens

Agora, meçamos o outro lado: com que vontade de salvar Ele fez tudo isso? Ao longo da Via Sacra d’Ele, Ele via aquele povo que vociferava contra Ele. Ao longo da Via Sacra, Ele via aqueles canalhas que tinham contemplado os milagres d’Ele, a sabedoria d’Ele, a bondade d’Ele e tudo o mais… e que depois preferiram Barrabás a Ele: o bandido asqueroso, o bandido insuportável, o bandido símbolo da ilegalidade e disseram “queremos a ele!”

Os senhores se lembram bem de uma poesia de um satanista que eu li há pouco tempo atrás aqui, aquele marquês italiano morando na França e que fez a poesia em francês sobre Satanás e o Inferno, o que é que ele queria no inferno, etc., etc. Esse povo participava desse estado de espírito. Não digo “povo” no sentido étnico da palavra –  era realmente a recusa do povo judeu, mas não por razões raciais imbecis excogitadas pelo Hitler e companhia  –  mas pela infidelidade: eles foram chamados para ser o povo eleito e disseram “não!”. Não quiseram.

Ao longo da via dolorosa, Ele foi a todos estes, todos estes, todos estes convocando com o olhar: “Não queres meu filho? Não queres?… Mas para mim que passo por ti pela última vez? Mais uma vez…”

Os senhores podem imaginar a reação de gente miraculada por Ele, que devia estar no caminho e que Ele olhasse até o fundo dos olhos: “a ti que estás usando os teus membros pela saúde que eu te dei… Eu te amei tanto, e tu não me amas a tal ponto que tu não és capaz de um olhar de compaixão para mim? Mais ainda, Eu vejo a tua mão armada com uma pedra e vejo que tu vais jogar essa pedra na minha face de um modo doloroso?

Devem-se ter passado coisas assim. Foram insensíveis a isso, não se incomodaram. Os senhores podem imaginar a forma de maldade a que isso tudo corresponde? A forma de maldade? Quer dizer que recusa de Alguém com “A” maiúsculo, de um “A” maiúsculo que vai daqui até o sol, como eles recusavam? Como era isto? Como se pode compreender isto? Assim eles fizeram.

* A malícia infinita de um pecado mortal renova a Paixão de Cristo!

O mais terrível é que nós ficamos horrorizados, mas assim fazemos nós! Não tem remédio, assim fazemos nós. Todo aquele que na vida tenha cometido um pecado mortal, jogou uma pedra nEle no caminho da Paixão: ou atirou uma pedra, ou uma blasfêmia, ou fez qualquer outra coisa quando Ele estava no alto da Cruz. Porque o pecado mortal é isto!

E se nós nos reerguemos do nosso pecado mortal e se nós continuamos no bom caminho, foi porque nessa hora, Ele disse: “Meu Pai perdoai-lhe!” E Nossa Senhora, Corredentora do gênero humano rezou com Ele. Foi por isso! Quer dizer, se nós estamos aqui–  eu nunca farei essa pergunta que eu vou dizer agora… mas vamos imaginar que nós mandássemos levantar aqui no auditório (nunca farei essa pergunta) o braço os que cometeram um pecado mortal na vida.

Quantos braços não se levantariam? Ficariam inertes! Quantas pedradas nEle! Tanto mais que ao longo de toda a Paixão d’Ele, e depois de toda a agonia no alto da Cruz, Ele viu todos os pecados que a humanidade ia cometer. E esses, Ele sabia, que conheciam aquela bondade que Ele estava tendo por eles e não ligavam e jogavam pedra nEle. Aí sim, é o caso de dizer “fenomenal”. Triste e tragicamente fenomenal. Quem pode negar isto? Tão evidente! Não adianta negar isso… preferir Barrabás! É péssimo, não é? E a “fassura” [mulher de má vida, n.d.c.] que passa e à qual nós demos um mal olhar?… Como é, hein? Não é a seu modo um Barrabás? E a revista de pornografia? E isso, e aquilo e aquilo outro?… Como é? Não são os nossos Barrabás?

Como seria bom que na hora da tentação, nós tivéssemos firme na alma esta recordação e que simplesmente nós disséssemos a Nossa Senhora na hora da tentação: – “Minha Mãe, livrai-me desse Barrabás”. Como seria bom! Como seria excelente!

Quer dizer, é fácil culpar aqueles, e eles foram culpados de um modo terrível, é verdade… Mas… mas, mas… mas, mas, foram só eles? Como é isso? Agora, aqui vem uma pergunta que aperta!  –mas que é feita para o bem dos senhores e para glória d’Ele e d’Ela. Porque é para uni-los mais a Ele e a Ela e para evitar aos senhores passos que, quando chegar a vez do arrependimento, uma vida inteira não bastará para a gente chorar convenientemente. É preciso pensar nisso.

E a festa que nós temos diante de nós é uma festa que não se confunde com nenhuma dessas: é o prefácio e a introdução a essa festa. Ela foi lembrada pelos proclamadores que me precederam aqui: a festa de Ramos!

Como foi o domingo de Ramos? O domingo de Ramos, nós já sabemos bem como foi. Os milagres d’Ele, a sabedoria d’Ele, a Pessoa d’Ele inteira impressionou profundamente o povo judaico. A prova de que impressionou é precisamente que julgaram necessário matá-Lo para evitar que tomasse conta completamente do povo.

Quer dizer, aquele povo que estava lá, era um povo que tinha recebido uma marca da Pessoa d’Ele, é uma coisa incontestável. E esse povo estava sujeito a duas influências diversas: uma era a influência d’Ele; outra era a influência do elemento mau do povo de Israel (uma vez que é do povo judaico que se trata), influência má do povo de Israel, daqueles que tinham apostatado e que constituíam na Sinagoga, talvez, uma espécie de organização secreta que adorava ídolos, adorava deuses ocultistas, gnose pura, e que essa gnose, incubada lá tinha os seus progressistas do tempo, que tinham tomado conta mais ou menos de toda a Sinagoga e que animavam um combate contra Nosso Senhor, porque Nosso Senhor representava a fidelidade à antiga Lei, a fidelidade à Revelação: Ele era o filho da Revelação e o autor da Revelação!

Evidentemente, evidentemente Ele era o centro da religião judaica, para onde tudo convergia, e esses gnósticos não queriam isso. Gnósticos miseráveis! E o povo judeu sentia-se dividido entre as duas coisas.

* Análise psicológica dos judeus a propósito do deicídio: as duas “balanças” na mente humana

Mas nós podíamos nos perguntar: como é que essas duas coisas dividiam de tal maneira os judeus? Porque não se pode compreender como diante de uma força de atração divina, de um lado; e depois uma força de atração quase de aldeia, como era de outro lado Jerusalém naquele tempo –  Jerusalém tinha sido uma grande cidade no tempo de Salomão, de David, mas depois decaiu muito.

O antigo reino da Judéia estava dividido em uma porção de reinozinhos insignificantes, brigando entre si, bagunça… era isto que eles faziam, era uma coisa horrorosa. E os romanos dominavam aquilo com pouco caso – eles dominavam de cima, dominavam dominando…

Como é que esse pessoal, a cúpula desse povo esmagado podia ter tanta influência sobre um povo atraído por Nosso Senhor? Não sei se está clara a pergunta que eu estou fazendo? Parece uma coisa completamente ilógica.

Então, um de nós iria passo a passo para ver, pelo buraco da fechadura, Nosso Senhor conversando com Nossa Senhora, olhando a Ela com amor e Ela a Ele e Ele a Ela, nós daríamos tudo para isso e esse povo não se movia? Não é possível! Não é lógico! Não podia acontecer! Como é que esse povo depois ia querer ver passar Herodes, passar Anás, passar Caifás, passar quanto filho das trevas… e ficar encantado com aquela gente? Como pode ser isto? Os senhores não acham que há uma contradição que chega quase até ao inverossímil?

Muitos acharão. Eu durante muito tempo, achei. Mas aqui nós compreendemos que há na mente humana duas balanças. Em virtude do pecado original, há duas balanças. E que um indivíduo quando é de um determinado ambiente, quando ele é de um determinado meio, ele se deixa impressionar, e eu quase diria enfeitiçar pelos adornos e pela influência desse ambiente: tal é o sumo-sacerdote, tal outro é o rei, tal outro é o procônsul romano…

São homens que se apresentam naquele ambientezinho como homens muito importantes. Todos os outros homens de uma importância menor prestam veneração àqueles primeiros. E os outros ainda menores prestam veneração aos segundos e admiram e acham aquilo colossal. E o inocente meio-bobo olha para isso e… ahahah…. formidável!  formidável! Fica encantado com o negócio. Está bom, fica encantado.

* A guerra das admirações e o papel da pressão dos círculos mundanos na sedução das almas

Mas ele dá àquilo uma admiração que quase o cega. Passa Nosso Senhor com a sua simplicidade, sem nenhum dos elementos pelos quais os outros se faziam admirar: não é rico, não é tido, aclamado como inteligente pelos inteligentes; pertence a uma família régia, é verdade, mas tão decadente que o pai d’Ele era um carpinteiro, e com certeza, várias vezes Ele viu gente passar perto do pai d’Ele e dizer: “Está vendo aquele? Aquele é um rastaquera. Descendente de rei, olhe que vergonha! ah, ah, ah, ah! não vale mais nada!” E São José continuando a serrar madeira para ganhar um pouco de dinheiro para alimentar Nossa Senhora e ao Menino Jesus.

Eles viam tudo isso; viam como na ordem humana dos valores, Nosso Senhor tinha querido nascer destituído de tudo; na ordem natural –  não terrena, não convencional  –  nesta ordem, nem sei o que… seria dizer muito pouco chamá-Lo de gigante! Mas na ordem humana, que coisa! Vamos dizer assim, na ordem das coisas mundanas, que coisa! Tão pouco… E eles começavam a ficar assim meio cambaleantes… Quem será mais? Quem valerá mais? Não será Pilatos, o preguiçoso? Não será Herodes, o sanguinário? Não será Anás ou Caifás, os sofistas, chicanistas, ladrões? Não serão mais do que Ele? Aquela dúvida…

E qual era o estado de espírito daquele povo no momento em que se deu a procissão de Ramos? Tudo indica que o estado de espírito fosse o seguinte: o povo querendo, o povo hesitante e entusiasmado com Ele, mas interrogativo por causa dos grandes do lugar que não davam acolhida a Ele. E vendo-O desfilar, montado num burrico, Ele que poderia ter entrado, como mostra o Apocalipse, montado num corcel branco, com uma espada na boca, cavalgando…

O povo, entretanto, o que é que fazia? O povo O via num burrico, entrando com humildade, com bondade e espargindo graças, ficava na dúvida: Como é? Como é? Como é?

Por que a dúvida? Eles tinham amado insuficientemente. Eles tinham hesitado entre uma coisa e outra e, por isso, a aclamação deles era como uma empada vazia… Era uma festa em que cantavam “Hosana ao Filho de David, etc., etc.” mas, dentro da alma de muitos, uma dúvida: Como é? Como é? Eu não sei como… Também não sei…

Cada um trazia dentro de si uma dúvida, uma dúvida mundana. Uma dúvida puramente feita da rivalidade, do conflito entre admirações rasteiras por coisas que não valem nada e a admiração por Aquele que é a fonte de tudo que vale qualquer coisa: o Criador de tudo que vale qualquer coisa.

* A fisionomia do Messias desfilando no Domingo de Ramos

Esta situação faz com que os pintores católicos que tenham procurado reproduzir a cena, apresentem Nosso Senhor recebendo com um certo bom grado aquela homenagem, mas com um fundo de tristeza. E ao mesmo tempo de severidade. Porque Ele compreendia o que tinha de vazio aquilo. E compreendia que aquele povo que O aclamava, sem pensar nisto, reconhecia a sua própria culpa. Porque se era “Hosana, Filho de David!” para Ele, com que direito duvidar? Eles não tinham visto os milagres, eles não tinham visto os ensinamentos, não tinham diante de si, ali, Nosso Senhor? Com que direito duvidar? Só porque o vagabundo de Pilatos andava numa liteira bonita, carregada por escravos representativos? Só por isso? Oh! oh!… Eles duvidaram? Como é isso?

Nosso Senhor desfila bondoso e triste, Ele sabe o que o espera. Ele vai realizar a Santa Ceia, mas depois da Santa Ceia, com aquele momento de alegria da Santa Ceia, no momento em que São João deita a cabeça sobre o peito d’Ele e ouve o pulsar do Coração dEle e começa aí o primeiro adorador do Sagrado Coração…

Bem, nesse momento, Ele tem um deleite: a gente pode imaginar que o Coração d’Ele pulsou com particular intensidade e, talvez São João tenha dito (em aramaico, que era a língua d’Ele): “Coração Sacratíssimo de Jesus, tende piedade de nós!” talvez tenha dito…

Tudo muito bonito, mas aproximava-se a hora da tragédia! O traidor já estava sentado à mesa. O traidor que tinha aceito de Ele lhe lavar os pés. O traidor que era bispo… Judas era bispo. Sentado ali e Nosso Senhor sabendo: era ele! E vendo ali a náusea da traição: o roubo e depois a traição. E tudo o que se seguiria daquilo.

Depois, quando Ele disse a Judas: “O que tens que fazer, faze-o logo!” Judas saiu e era noite – os senhores podem imaginar os passos de Judas na noite, a ruptura com Nosso Senhor, como teria doído nEle, doido no Sagrado Coração d’Ele. Como tem que ter doído!

Bem, é claro que depois de cometidos todos esses crimes, preferido Barrabás…

* A consumação do maior crime da História

Então, eles que eram hesitantes no Domingo de Ramos, na Sexta-feira Santa estavam ao pé da Cruz e em nome deles certas mulheres gritavam: “que o sangue d’Ele caia sobre nós e os nossos filhos!” É a evolução moral miserável, miserável, miserável.

Então, meditação para Domingo de Ramos: amarmos extraordinariamente as poucas almas que ali foram fiéis. Houve várias: Zaqueu foi um, converteu-se ali. Amarmos as próprias almas que foram fiéis, com entusiasmo. Mas, de outro lado também, termos horror não só aos que naquela hora apostataram, mas que eram tíbios: amaram, mas amaram pouco. E porque amaram pouco amaram cada vez menos. E como amaram cada vez menos, foram depois glorificadores de Barrabás. E no dia da Sexta-feira Santa estavam com pedras, ali, contra Ele!

* Prece ao Sagrado Coração pedindo a graça da perseverança

Oração a fazer ao Sagrado Coração de Jesus. Está, mas muito no Anima Christi, nós podemos repetir, olhando para Nosso Senhor crucificado e com seu Coração chagado por uma lança do centurião que depois d’Ele morto ainda furou para ver se Ele tinha morrido bem, nós podemos bem dizer esta jaculatória que está na ladainha do Sagrado Coração de Jesus e que me encanta: Cor Jesu lancea perforatum, miserere nobis! – Coração de Jesus perfurado por uma lança, tende compaixão de nós!

Quer dizer, Vós que levastes a pena de mim e de nós a ponto de quererdes depois de morto, ainda, que Vosso Coração recebesse essa perfuração e que o resto de água misturado com sangue saísse de Vós por meu amor, tende pena de mim, para que eu não apostate deste tesouro que Vós me destes!

E considerando Nosso Senhor Jesus Cristo, nas tristezas de cada dia da Semana Santa, nós pensarmos em cada passo: Anima Christi, santifica me  –  Alma de Cristo santificai-me! Não há nada de mais santo do que a alma de Cristo… Que a Alma de Cristo, por assim dizer, toque em mim e me torne um santo! Eu não quero outra coisa.

Corpus Christi, salva me! Corpo de Cristo, salvai-me! Sangue de Cristo inebriai-me! Água do lado de Cristo, lavai-me!… lavai-me! Paixão de Cristo, dai-me forças! Olhai para a minha miséria e para a minha moleza, para as minhas insuficiências. Dai-me força na luta contra os vossos inimigos. “Ó Bom Jesus, ouvi-me, pelos rogos de Maria! Escondei-me nas Vossas feridas”! Quer dizer, cobri-me com as Vossas feridas da cólera do Padre Eterno. “Na hora de minha morte, chamai-me e fazei-me ir convosco, junto a Vós para que Vos louve com os vossos Santos, com a Santa das santas, por todos os séculos dos séculos. Amem!”

Meus caros, está terminado o nosso Santo do Dia.

Nós vamos fazer um pequeno sacrifício e não vamos ter o fatinho. O tema é augusto demais, para que nele caiba o fatinho.  Vamos rezar.

Nota: Para ouvir ou ler muitos outros comentários de Dr. Plinio a respeito do Sagrado Coração de Jesus, clique aqui.

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