São Pedro Armengol (27/4): modelo de confiança admirável

Palavrinha (breve exposição), 29 de dezembro de 1988

A D V E R T Ê N C I A

Gravação de breve exposição de Dr. Plinio Corrêa de Oliveira, não tendo sido revista pelo autor.

Se o Prof. Plinio estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção à sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério tradicional da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.

Dr. Plinio narra brevemente a magnífica vida deste Santo espanhol nascido em 1258, na cidade de Guardia del Prats (Tarragona) e falecido a 27 de abril de 1277. Suas relíquias se encontram na pequena localidade onde ele veio à luz. Foi canonizado a 18 de abril de 1683 pelo Papa Inocêncio X. Sua festa se comemora a 27 de abril.

Para lhes dar uma resposta que tenha expressão, eu precisaria lhes contar um caso.  É muito provável que esse caso muitos já conheçam; nessa hipótese, não convém contar o caso.  Conhecem já a história de São Pedro Armengol [1258-1277]?  Os que não conhecem levantem o braço. É a grande maioria.

Havia na Espanha do século XV, se não me engano, um fidalgo, um conde que era um homem muito chegado ao rei de Castela e de Aragão etc., o homem tinha um feudo; enfim, um homem muito digno, bem casado com uma senhora direita, e que frequentava o Palácio Real. Um homem muito relacionado.

Esse homem teve um filho, e esse filho era um tipo péssimo, e desclassificado.  Teve uma educação muito boa, mas ao cabo de algum tempo ele entrou em más companhias e se desviou.  O pai e a mãe fizeram todo o possível para retê-lo, não conseguiram.  Ele se desclassificou a tal ponto que chegou a ficar salteador de estrada, e viver no meio dos gatunos, dos bandidos etc.  Pouco mais ou menos o que seria um terrorista hoje em dia.

Bem, e um dia ele estava no mato com os companheiros de perdição dele, quando ele ouve de longe tocar o clarim, que era o clarim típico do rei, tocavam quando o rei ia à caçada.  E ele conhecia porque ele tinha frequentado a corte.  Ele ouviu aquele toque do clarim e entendeu que o rei estava passando por lá com os caçadores etc., depois atrás as carruagens com as senhoras que iam assistir a caçada também, e percebiam toda aquela cavalgata.

E a primeira ideia que lhe veio à cabeça foi: “meu pai e minha mãe estão lá!”  Depois, de repente, a gente vê que foi um golpe da graça para ele, um choque: “Que diferença!  Meu pai e minha mãe estão nessa situação honrosa. E eu, miserável filho deles, estou aqui no meio de bandidos!  Eles são tão chegados ao rei que o rei os convida para ir caçar com eles.  Mas eu sou um tal miserável que quando eu ouço a trombeta do rei, tenho que fugir!  Que miserável eu sou etc. etc.”

Depois, passou daí para considerações religiosas: “Como afinal de contas eu ofendi a Deus que vale infinitamente mais do que o rei; e o rei não é senão uma imagem de Deus na terra, mas o Rei dos Reis é Deus.  Eu ofendi a Deus, eu vivo no pecado etc. etc. etc.”  E converteu-se.

E entrou numa Ordem [religiosa] chamada dos Mercedários, que talvez exista no país de algum de vocês.  Essa ordem é consagrada a Nossa Senhora sob uma invocação muito bonita, que é Nossa Senhora das Mercês.  “Mercês” em espanhol eu acho que diz “mercedes”.  São os favores que Nossa Senhora dá.  Então seria Nossa Senhora da Bondade, Nossa Senhora da Generosidade, Nossa Senhora dos Presentes, se quiserem! Uma invocação mais ou menos nesse sentido.

E essa Ordem tinha uma finalidade terrível, que era a seguinte.  Uma vez que alguém entrava para essa Ordem, podia ser mandado para a África – naquele tempo a África do Norte era toda ocupada por maometanos – para resgatar algum prisioneiro que estivesse lá.  Quer dizer, trocavam esse mercedário por um prisioneiro espanhol que estivesse no meio dos mouros.

A vantagem era dupla.  A situação de um católico que fosse preso pelos maometanos era a pior situação possível, porque não podia ter padre lá, se eles pecassem não tinha perdão para o pecado mortal… Quer dizer, tem perdão se tiver um ato de contrição perfeita. Mas muitas vezes a pessoa não sabe se teve um ato de contrição perfeita.  Quer dizer, um ato de contrição que seja só por amor de Deus e não por temor do inferno.  Como é que a gente pode saber isso dentro da gente?  Se morrer, Deus é que vai julgar. E nos diz: “Você se arrependeu mais por causa do medo do que por causa do amor.  Inferno para você!”

De maneira que eles não sabiam se iam para o inferno.  Era uma situação terrível.  Mas se eles conseguissem trocar um mercedário por outro, o mercedário ia lá, era padre, podia celebrar Missa clandestina, podia dar absolvição, podia fazer toda espécie de benefícios.  Mas ele, padre, ficava na posição em que estava o outro.  Se ele pecasse, não tinha um outro padre para ouvi-lo em confissão.  Uma situação terrível!

Mas o mercedário, por amor às almas, se expunha a esse risco.  E por confiança em Nossa Senhora!

Pegaram esse que tomou o nome de Frei Pedro – a família dele era Armengol, ficou chamado Pedro Armengol – os superiores chamaram o frei Pedro Armengol e disseram: – O Sr. vai agora para a África.

Ele foi.  Ele foi, mas a família dele sabendo que ele estava na África, e sendo a família muito rica, muito influente etc., etc., mandou negociadores falarem com os reis dos árabes lá, pequeno rei árabe e sob cujo poder ele estava, oferecendo dinheiro para resgatar o frei Armengol.  E mandaram chamar e disseram para ele: – Olha aqui, sua família está fazendo esse esforço assim para resgatá-lo.  E eu, diz lá o chefe árabe, eu resolvi fazer o seguinte.  Dei a eles “x” dias para eles irem à Espanha, pegarem o dinheiro e voltarem.  Durante esse tempo, você fica aqui à minha disposição.  Se nesse tempo vier o dinheiro, você toma o navio e vai para a Espanha.  Se não vier o dinheiro, pelo contrário, eu enforco você porque então seus pais quiseram me enganar, não quiseram fazer negócio comigo.  Então vou enforcá-lo.

O frei Pedro não tinha outra coisa para dizer.  Está bem.  A Ordem lucrava, porque ele voltava, e depois entrava por outro lado no meio árabe de novo.  E então eles visitavam dois ou três lugares, em vez de um só. Abrangia… era maior benefício. Então concordaram.

Bem, chegou no dia, o navio portador do emissário dos pais dele não chegou e o dinheiro não chegou…  O chefe árabe ficou furioso, mandou levá-lo para a forca.  E foi à forca, passaram aquela corda no pescoço dele e empurraram no ar: pum!  Provavelmente mãos amarradas, e pendurado!

Mas… ele confiou em Nossa Senhora!  E passou três dias suspenso na corda, milagrosamente sem perder a respiração.  Mas sem comer, sem beber… eles queriam que ele morresse, não deram nada para ele, sem nada!  Três dias e três noites!  Sol causticante; à noite, pelo contrário, a temperatura cai.  Contra o sol não tinha proteção, contra o frio não tinha agasalho. Ficava pendurado ali.  Sem perder a confiança em Nossa Senhora!

Ao cabo do terceiro dia, chegou o navio.  Tinha tido dificuldades de navegação, e por causa disso tinha chegado atrasado.  Onde é que está o frei Armengol?

– Está na forca!  Mandei enforcar.

– Não, eu preciso ver!  Porque se ele de fato está morto, não tem o dinheiro.

Bom, foram ver, ele estava vivo.  Então cortaram a corda, mas ele já estava pálido, com cor de cadáver.  E todo machucado, naturalmente, podem imaginar.  Cortaram a corda, largaram, e deram para os espanhóis levarem de volta.  Mas ele ficou a vida inteira com uma cor de cadáver. E eu não me lembro bem que cicatriz, que outra coisa, ficou um sinal qualquer visível nele, que era o efeito daquela situação por onde ele tinha passado.

Então os superiores provavelmente viram que ele não tinha mais saúde para fazer nada disso.  Mandaram-no para um convento lá numas montanhas da Espanha, para ficar rezando, fazendo penitência pela vida passada dele, e rezando pelos espanhóis ou pelos católicos em geral que estivessem em mãos dos mouros.  E ele ali se santificou.  Mais tarde a Santa Sé o canonizou.  E é São Pedro Armengol!

Eu achei um modelo de confiança admirável!  E contei o caso ao grupo da Espanha, e sugeri a eles que fossem visitar o sepulcro de São Pedro Armengol, pedir relíquias de São Pedro Armengol, para ter relíquias desse santo da confiança, porque essa confiança nós devemos ter durante a “Bagarre” [acontecimentos profetizados por Nossa Senhora em Fátima]!  Quando estivermos “infixe in limo profundo, ubi non est substantia”, é ali que a gente tem que confiar!  É um admirável modelo para nós!  Confiar até quando não há mais razão para confiar em nada!

Bom, então eles foram à casa dos padres mercedários, perguntando onde é que estava sepultado.  Ele está tão esquecido que os padres não sabiam.  Mandaram-nos a um outro convento da mesma Ordem, quem sabe se lá sabiam.  Chegaram lá, disseram que também não sabiam.  Mas foram consultar os catálogos de santos que eles tinham, e de fato encontraram o nome dele.

Então viram que estava numa aldeia, num “pueblito” como dizem na Espanha, mas dos menores.  Então o nosso pessoal foi lá, chegou e perguntou lá no “Pueblo”:

– Aqui está sepultado São Pedro Armengol?  Foi aqui que foram guardados os restos dele?

– É verdade etc. etc.

– Nós somos de Madrid, somos de TFP-Covadonga de Madrid, queremos prestar culto, onde é?

– Ali está a matriz.

Abriram a matriz, eles entraram com capas, estandartes etc.  Mas avisaram a eles o seguinte – vejam o que é a vida de um homem, até depois de morrer – os comunistas por ocasião da revolta de 1935 quebraram a urna onde estavam os ossos dele, para ficar com a urna, que era uma urna preciosa.  Eles levavam isso para a cidade e vendiam para joalheiros etc. etc.  Cachorrada de comunistas!  Então os comunistas fizeram isso, e um pouco da cinza dos ossos dele ficou espalhada no chão, porque os ossos, eles queimaram.

Então uma velhinha dessa aldeia quando soube disso, foi com muito cuidado e recolheu essa cinza num vidrinho.  E o culto continuou para aquelas cinzas dele que estavam lá.  Então nosso pessoal fez cerimônias ali, marchou etc.  Depois foram à praça do “pueblito” e bradaram “Tradição, Família, Propriedade”!  E a população do lugarzinho ficou para lá de contente com o negócio, porque era para eles um ar novo!  Depois, edificadíssimos: Madrid!  Gente vir de Madrid para a aldeiazinha deles!…

Quer dizer, a devoção a esse santo tornou muito mais fervorosa.  Por que caminho enorme:  nobre, ficou bandido; bandido ficou frade; o frade ficou mártir; o mártir ficou eremita.  O eremita morreu, a memória dele se perdeu, e uma narração a esse respeito veio ter numa Vida de santo aqui no Brasil.  Então, do Brasil escreveram para a Espanha, onde na Espanha ele foi praticamente redescoberto.

E a coisa mostra que ele estava marcado para o imprevisto. Até depois de morto, o imprevisto no caminho dele.  Bem, nós na “Bagarre” devemos ter imprevistos de toda ordem.  Mas ainda que fiquemos pendurados com a corda, devemos confiar!  Para os que se sentirem inclinados, propensos, Nossa Senhora das Mercês é uma muito bonita invocação!

E fica respondida a sua pergunta.  Mas agora acabou a hora!  Os Srs. conhecem a frase latina “fugit [irreparibile tempus – o tempo foge irreparavelmente]”, não conhecem?  Então “fugit”, não tem remédio!  Nós vamos andando!

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